Depois de ter dito que a questão do novo aeroporto tem vindo a ser tratada com o PSD, que tudo seria decidido entre ele e Luís Montenegro, e que o ministro Pedro Nuno Santos se limitaria a executar o que viesse a ser decidido, o primeiro ministro anunciou, há dias, que estava marcada já para amanhã uma reunião entre ambos. Entretanto Luís Montenegro fez saber das condições que tinha colocado, entre elas que a avaliação ambiental teria que ser feita por entidades independentes, e que teria de ficar muito bem esclarecido quais os custos e prazos de cada uma das diferentes opções.
Tudo normal. Era o que faltava era não fizesse exigências de independência e de transparência ...
Hoje, na véspera da dita reunião, Luís Montenegro surgiu nas televisões a confirmá-la. E a forma que encontrou de a confirmar foi a de acusar o governo de incapacidade e incompetência do governo para resolver o problema e de, por isso, precisar da ajuda do PSD. Que, como partido responsável, vai colaborar na decisão, mas não vai decidir por ninguém.
Das duas uma: ou isto está a começar tão bem que já se sabe como vai acabar; ou, decididamente, neste país a política nunca passará de pantominice.
Para quem não estava a perceber o que se vem passando na economia há já cerca de um ano, com a ruptura generalizada das cadeias de abastecimento e a inflação a disparar - também por efeito da guerra na Ucrânia, mas essa começou há quatro meses, já faltavam produtos e matérias primas por todo o mundo, e já a inflação estava a "bombar" - o caos instalado nos aeroportos de toda a Europa e da América, não é só em Lisboa, vem ajudar a explicar.
É o "desenho" da odiável expressão: "percebeste? ou queres que faça o desenho?"!
A pandemia obrigou à paragem das actividades do negócio da aviação, e os respectivos operadores a adequar as suas estruturas a essa realidade. Com o "fim da pandemia" (entre "aspas", pois), rapidamente a procura saltou para 80 a 90% daquela que era a actividade nas viagens aéreas antes da pandemia. E a oferta, que tinha tido de encerrar estruturas e despedir muito pessoal, não estava em condições de reagir à mesma velocidade. Demolir é sempre mais fácil que reconstruir. Parar é sempre mais rápido que voltar a arrancar.
Evidentemente que isto não aconteceu apenas no negócio aéreo. Foi transversal a toda a economia, até com recuperações de procura mais acentuadas. Estruturas desapareceram, trabalhadores que ficaram desempregados deslocaram-se para outras áreas, geográficas ou profissionais. E quando é preciso que a máquina da economia arranque para funcionar em pleno ... faltam peças. O que não falta é procura!
A decisão - polémica, mas haverá alguma que não o seja? - da construção do aeroporto do Montijo sucumbiu ontem, de morte natural, depois da Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC) anunciar que não ia proceder à apreciação prévia de viabilidade por falta de condições legais para o efeito.
Para obras desta natureza a lei obriga ao parecer positivo de todos os municípios envolventes, quando os do Seixal e da Moita eram de parecer negativo, e o de Alcochete nem se tinha pronunciado. Não havia volta a dar, e volta tudo ao princípio. Já é assim há 50 anos!
Voltam agora a estar em cima da mesa três opções: Alcochete e, na mesma, Montijo em duas alternativas. Uma como estrutura principal, como a de Alcochete, e outra como estrutura complementar à Portela. Exactamente a ressurreição ao primeiro dia da que ontem sucumbiu.
Estranho?
Não. Muda-se a lei, de forma a que os municípios já não sejam tidos nem achados na coisa. Porque, em boa verdade, as leis não existem para outra coisa. Existem para serem mudadas ao sabor dos interesses de cada momento. Já é assim há muito anos, bem mais de cinquenta.
O Ministro das Infraestruturas anunciou de imediato a essa possibilidade, e Rui Rio chegou-se de imediato à frente a dizer que podem contar com ele. Pode já dizer-se que a notícia desta morte é manifestamente exagerada...
Não fosse o caso das "golas" ir crescendo todos os dias, e ter já atingido uma dimensão que tapa quase tudo, e hoje seria dia de falar de aeroportos. Do do Montijo, porque foi ontem conhecido o respectivo estudo de impacto ambiental, que vai estar em consulta pública até 19 de Setembro e que, como de costume, nos deu a conhecer mais umas tantas aves desconhecidas que fazem a sua vida no estuário do Tejo. E que vão sofrer com aquilo... Do de Beja, porque o avião que transportou o Benfica desde Boston foi obrigado a permanecer durante 45 minutos - tem lógica, uma parte do jogo - de portas fechadas na pista, sem ninguém de lá sair. Disse-se que o pessoal do SEF, que naturalmente só se desloca para o aeroporto quando é avisado que "vem aí avião", chegou atrasado. Mas do SEF dizem que não... também sem surpresa. Ou do de Faro, que se não fosse em Portugal, onde tudo é possível, dir-se-ia que era do Entroncamento. Que também é Portugal, mas é onde acontece tudo o que é ainda mais inacreditável.
E que tal, caro leitor, se acabasse de aterrar num destino turístico, precisamente num aeroporto que serve o turismo desse destino, que sem ele não existiria - em Portugal até poderia existir, afinal existe Beja -, e se deparasse com um anúncio que, em vez de lhe dar as boas vindas, lhe dizia que estava equivocado, que ali nem pensar em descansar, e que o melhor mesmo seria voltar para trás e procurar uma coisa mais calma?
Pois... No aeroporto de Faro, até ontem, encontrava mesmo isto: "foge da confusão algarvia e descansa em França", em português, inglês e espanhol, promovendo o destino Marselha.
Mas com as "golas" - no fundo com o seu quê de semelhanças com este fenómeno no Algarve - a cavarem cada vez mais fundo e a deixar ainda mais à mostra as misérias das estruturas partidárias no poder, vai lá falar-se de aeroportos. Vai é falar-se do líder do PS de Arouca que, de padeiro em Gaia, passou para adjunto do Secretário de Estado da Protecção Civil, por sua vez o último presidente da Câmara de Arouca, logo feito Secretário de Estado assim que esgotou todos os mandatos na presidência da Câmara, em 2017, justamente em Outubro, por ocasião da segunda vaga dos mais mortíferos incêndios no país. Que apresentou a demissão, dizendo-se o responsável pela selecção do fornecedor das golas, por acaso uma empresa do marido de uma autarca do partido, em Guimarães. E, como estas coisas são como as conversas, que são como as cerejas, já se diz que o filho do Secretário de Estado já vai nuns milhões de euros de negócios com o Estado nos últimos dois anos. E que, por via disso - que "evidentemente" desconhecia -, à luz da lei, deverá ser exonerado. O Secretário de Estado, claro...
Dois apontamentos picantes a quebrar a monotonia destes chatos dias invernosos de Abril. O primeiro foi a intervenção de dois jovens que interromperam a festa de aniversário do Partido Socialista, um disputando o púlpito e o microfone com António Costa, e outro, por acaso outra, de pé na plateia, imitando a sinalização da aterragem. Antes, já outros dez companheiros se tinham divertido a fazer aterrar no palco aviõezinhos de papel. Pertencem a um novo movimento do activismo ambiental, que se dá pelo nome de Extintion Rebellion, que se manifesta contra o aeroporto no Montijo, e as correlativas negociatas, e trouxeram um toque divertido à festa socialista. Mesmo que a coisa tenha acabado sem grande graça para o pobre rapaz que, ao que diz, e apesar de tão bem ter estado a contracenar com o Secretário-Geral do partido, não se livrou de alguns maus tratos.
O outro chega-nos directamente do famoso Sérgio Moro, o juiz que prendeu o ex-presidente Lula e se passou para ministro da Justiça de Bolsonaro que, chegado a Portugal, não perdeu tempo a comentar a Justiça portuguesa, com o ferro todo ele direitinho a José Sócrates. Que não se teve e acusou-o de "activista político disfarçado de juiz", ao que o ministro brasileiro respondeu que "não debato com criminosos".
Se ao deixar a Justiça para passar ao governo, àquele governo, Sérgio Mora deixara de facto a ideia de "activista político disfarçado de juiz", ao comportar-se desta maneira em Portugal, reforça a ideia de um arruaceiro disfarçado de ministro. Um ministro modelo de Bolsonaro.
Uma coisa é a percepção da opinião pública, que até pode ser coincidente com o que ministro brasileiro verbalizou. Outra é o primado do Estado de Direito na democracia portuguesa, que até ao trânsito em julgado presume a inocência. Que os cidadãos anónimos até poderão ignorar mas, um juiz e ministro, não. E outra ainda é a graça que tem este ministro do governo de um país que, entre 180 países, ocupa a posição 105ª no Índice de Percepção da Corrupção de 2019, a falar da corrupção do e no país que, na mesma tabela, ocupa a 30ª posição.
Aí está o "Portela+1", agora anunciado como "novo aeroporto". Este será provavelmente o primeiro de, pelo menos, quatro embustes espalhados pelo anúncio do acordo assinado entre o Estado e a ANA, presidida pelo conhecido José Luís Arnaut, bem sorridente na foto.
O segundo é, obviamente, o estudo de impacto ambiental que, na boa tradição portuguesa, está para os negócios como na gíria popular o carro está para os bois. O embuste da mera formalidade de colocar um carimbo no carro que vai à frente dos bois.
O terceiro é o da decisão: "custos de não decisão" ou "decisão com 50 anos de atraso", é o embuste de "o que tem que ser tem muita força". Que nem se pode esperar mais, nem já há alternativa. Não, a verdade é que esta é a única alternativa aceite pelos franceses da Vinci, a quem Passos Coelho, entregando a ANA, entregou sem restrições o monopólio dos aeroportos em Portugal.
O quarto é o de que não nos custa nada. Que os 520 milhões de investimento no Montijo, mais os 650 milhões na Portela e mais os 160 milhões de compensação à Força Aérea, são exclusivamente financiados pela ANA. Custa, e até já custou, nas taxas aeroportuárias cobradas por um monopólio sem regulador.
É bem possível que haja um quinto: o embuste eleitoral. Mas antes fosse só esse...
Atrasado, tão atrasado que quase já não o apanhava lá, o Metro (de Lisboa) chegou finalmente - 12 anos depois - ao aeroporto. Valeu-lhe a passada larga da crise, a tempo de colocar umas curvas no caminho lesto de Mário Lino!
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