Confesso que não me senti confortável em não encontrar outra, que não a lógica da batata, na trapalhada de ontem deste governo trapalhão. Sim, a trapalhada também tem que ter a sua lógica.
António Costa começou por dizer que “obviamente foi cometido um erro grave”, que “felizmente já foi corrigido” e "sigamos em frente".
Pedro Nuno Santos "lamentou o erro de comunicação", uma "falha na articulação e comunicação com o senhor primeiro-ministro".
Quer isto dizer que o "erro grave" não está na decisão comunicada, mas simplesmente no "erro de comunicação". Evidentemente que ninguém acredita que a decisão anunciada e subscrita por Pedro Nuno Santos - mal ou bem, o único ministro que parece capaz tomar de decisões - não estivesse validada por António Costa, e consensualizada no governo. Estava, mas não era para se saber. Faltava embalá-la com um embrulho do consenso - “não é um assunto de interesse do Governo”, mas sim de “interesse nacional" - e acrescentar-lhe o “diálogo com a oposição, especial com o principal partido da oposição".
Com o primeiro-ministro atarefado nas suas lides externas, e o ministro cá dentro a querer despachar serviço, o embrulho do consenso só servia para atrasar. Para que serve a maioria absoluta? - interrogou-se certamente Pedro Nuno Santos, esquecendo-se que a folha do “diálogo com o principal partido da oposição" era indispensável na embalagem do embrulho.
Portanto, Pedro Nuno Santos, com as suas legítimas aspirações, não se demitiria para de algum modo salvar a face de António Costa. E este não poderia correr o risco de deixar o outro à solta, e livre de dizer que apenas assumiu uma decisão tomada pelo governo, da evidente responsabilidade do primeiro-ministro. Também responsável por se ter esquecido de a deixar embrulhada e pronta.
Não ajuda muito, mas sempre dá para encontrar alguma lógica nisto.
Agora, com Montenegro em funções a partir do fim-de-semana, e provavelmente a não querer deixar-se "embrulhar", pode ser que alguém se lembre que há um aeroporto em Beja que possa servir para alguma coisa.
Os erros, mesmo que "obviamente graves" corrigem-se. Não se passa nada, e siga a dança... mesmo que com passes trocados, e pares desacertados.
Mais uma trapalhada. E já houve um governo com apoio parlamentar maioritário que caiu de trapalhada. Não é, desta vez, o caso deste. Não quer dizer que não seja na próxima. A batata da lógica fica quente, e a escaldar as mãos de António Costa. Mais ninguém lhe pega.
No novo aeroporto, em vez de levantarem e aterrarem aviões, há décadas que levantam e aterram trapalhadas. O tráfego é tão intenso que corre o risco de ficar saturado ainda antes de começar a ser construído.
A última era de ontem, antes de hoje, logo pela manhã, chegar mais uma, fresquinha.
Ontem foi publicado um despacho assinado pelo secretário de Estado das Infra-estruturas, Hugo Santos Mendes, do ministério de Pedro Nuno Santos, a determinar o aprontamento do Montijo para 2026, complementado pela construção do de Alcochete, a concluir em 2035, e ainda de mais obras na Portela, que encerraria com a abertura de Alcochete. À noite, o ministro passou pelas televisões a assumir a solução como decisão final. Finalmente!
As críticas não pararam de chover, de todos os lados. Ninguém tinha sido ouvido, e havia leis para alterar. Desde logo a que obrigava a parecer positivo dos municípios envolvidos, que há muito não estavam pelos ajustes. Era a maioria absoluta a funcionar em todo o seu esplendor, apenas uma semana depois do primeiro-ministro ter garantido no parlamento que aguardava a decisão do presidente eleito do PSD, Luís Montenegro, sobre a localização do novo aeroporto de Lisboa para que houvesse “consenso nacional suficiente” tendo em vista uma decisão “final e irreversível” sobre esta matéria.
Não "batia a bota com a perdigota", mas isso já começa a não surpreender. Surpresa, que também já não surpreende, foi a reviravolta desta manhã, no comunicado publicado pelo gabinete de António Costa: “O primeiro-ministro determinou ao Ministério das Infra-estruturas e da Habitação a revogação do despacho ontem [quarta-feira] publicado sobre o novo aeroporto da região de Lisboa”... e “reafirma que a solução tem de ser negociada e consensualizada com a oposição, em particular com o principal partido da oposição e, em circunstância alguma, sem a devida informação prévia ao Presidente da República”. O remate final do comunicado, para quem pudesse ter ficado com dúvidas sobre mais um episódio da guerra aberta entre Costa e Pedro Nuno Santos, é esclarecedor: “Compete ao primeiro-ministro garantir a unidade, credibilidade e colegialidade da acção governativa..."
Agora é só esperar pela lógica demissão do ministro das Infra-estruturas. Ou, na falta dessa lógica, pela lógica exoneração de Pedro Nuno Santos pelo primeiro-ministro. Ou ainda que a lógica seja uma batata, que começa a ser a maior lógica deste governo que, tendo tudo para governar com alguma lógica de rumo, prefere prosseguir a navegação à vista, mesmo que no meio das nuvens.
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