Os agricultores saíram à rua para lutar pela sua sobrevivência. Por toda a Europa, e também por cá, onde a "palavra de ordem" mais forte - "o nosso fim é a vossa fome" - deixa bem claro que a sobrevivência deles é também a nossa.
Na comunicação social falou-se de tudo. Falou-se de concorrência desleal, da PAC, da incompetência da ministra, de subsídios por pagar. Voltou a "pôr o dedo na ferida", acusaram a "grande distribuição", que lhes esmaga os preços para aumentar os seus lucros. A comunicação social não falou muito disso e, quando falou, nunca referiu os seus nomes, que nem são assim tantos como isso. Não admira, é deles - desses nomes - que vem a maior fatia dos seus orçamentos. Cada vez mais apertados, com a publicidade a fugir-lhe para os gigantes das novas plataformas...
Se disso pouco falou, do que não falou mesmo, foi da lógica do funcionamento do sistema. Que dá por bom que o agricultor venda abaixo do custo de produção, que a grande distribuição venda aos preços que lhes garantem os lucros que bem entenderem - e, em cartel, esses lucros são os que se têm visto -, e que os consumidores, paguem esses preços e, depois, como contribuintes paguem ainda, em impostos, os subsídios que compensem o agricultor das perdas a que estão sujeitos.
É perverso. Mas é assim!
Pode ser que na campanha eleitoral que já aí está possamos ouvir falar disto. Mas duvido. E não será certamente quando ouvirmos falar de subsidio-dependência!
Depois do Senhor Boletim Metereológico, há dias, chegou a vez do Senhor TV Rural... Partiu mais um Senhor da televisão, também aos 88 anos, dono do mais duradouro (30 anos) programa de televisão, um dos poucos - se não mesmo o único - para que não há antes e depois do 25 Abril. Apenas Portugal, o Portugal rural e o Portugal agrícola... Um programa tão ligado a esse Portugal que, hoje, não sabemos se em 1990 acabou porque acabava a agricultura portuguesa se, pelo contrário, a agricultura portuguesa acabou em 1990 por ele ter acabado.
Sousa Veloso despediu-se hoje de nós pela última vez. "Com amizade", evidentemente...
“Os portugueses esqueceram o mar, a agricultura e a indústria” – diz o presidente Cavaco … Esse mesmo, que foi primeiro-ministro durante 10 anos. 10 anos em que, a troco de alguns patacos para alguns, destruiu a agricultura e as pescas. Em que distribuiu subsídios para arrancar tudo o que, por esses campos fora, estivesse de pé e produzisse. Para alguns comprarem jipes…
Em que mandou destruir uma das maiores frotas pesqueiras da Europa… Em que mandou importar tudo o que haveríamos de consumir… Enquanto, à sua sombra, nascia, crescia e prosperava um certo banco!
Já sabíamos que este homem é gente extraordinária. Não é novidade!
Os portugueses não esqueceram o mar, a agricultura e a indústria. Nem o esqueceram a ele. Ele é que quer fazer crer que esqueceram…
Depois de alguns meses de ausência volto ao meu registo de observador do espaço rural.
Como uma criança que precisa de toda a atenção, as plantas, em cada ciclo vegetativo, precisam de particular atenção entre o despertar, no fim do Inverno, e a maturidade dos frutos, no Verão. Chegada a colheita é tempo de avaliação, pelo que será esta a nota dominante da minha vista do campo. Depois de várias décadas de aproximação ao sector agrícola, nos últimos dois anos, dediquei-me quase em exclusividade à actividade, procurando preservar e manter viável algo que tem origens em património familiar associado a histórias e afectos.
Os meus povoamentos frutícolas, diversificados na espécie e na idade, procuram sobreviver com a disponibilidade de recursos, acompanhamento técnico e laboratorial do estado nutritivo ao nível do solo, da água e das folhas. Ao longo de um ciclo cultural há dezenas de contactos com cada planta, para observação e intervenção preocupada, para que haja, igualmente, momentos de contemplação afectuosa e agradecida.
Mas, para além dos afectos, há o pragmatismo económico traduzido em rentabilidade, e é aqui que tudo se modifica. Alguns agrupamentos de produtores e empresas do sector só agora procederam ao pagamento das produções colhidas em 2011, junto dos seus associados e fornecedores, mas a preços próximos ou abaixo do real custo de produção. Entretanto, as grandes superfícies comerciais - detentoras do monopólio de 85 a 90% da distribuição agroalimentar - permitem-se ficar com a maior fatia dos lucros da cadeia de valor, lucros que sustentam ostensivas operações de marketing e engrossam a riqueza dos seus administradores. No princípio desta cadeia, estão os produtores que não tem mais ninguém atrás de si para quem remeter os custos desses devaneios publicitários e da generosidade farisaica, quando se oferecem às IPSS os produtos dos Mega Pic-Nic, nem dos prejuízos resultantes das baixas produções associadas a imponderáveis climatéricos adversos, ocorrências para as quais os seguros agrícolas são pouco abrangentes nos riscos e insuportáveis nos custos. Contrariamente à fileira agroalimentar, na fileira dos combustíveis a produção impõe os preços, os distribuidores asseguram as respectivas margens de lucro, como sempre e, finalmente, o consumidor tudo suporta.
À produção competitiva exige-se elevada produtividade, qualidade, segurança alimentar e preservação ambiental, respeitando os encargos laborais e sociais, mas nada a protege da concorrência dos produtos de outras origens, designadamente de países com sistemas de produção que são atentados à humanidade, conseguindo, por isso, custos de produção significativamente inferiores.
Assim, os meus pomares estão agora para adopção, nomeadamente as minhas pereiras sexagenárias – crescemos juntos – sobreviveram ao tempo da ditadura do estado, pacientemente foram modificadas no porte e fisionomia, nas técnicas de cultivo e os seus frutos viajaram para o mercado interno, para o Brasil e Inglaterra. Mas os desafios actuais obrigam a alterar a nossa relação, pelo que iniciei um processo de aceitação de candidatos à sua adopção, esperando encontrar alguém capaz de lhes assegurar a vida para além da voracidade dos mercados, da cegueira neoliberal, da dívida soberana e, particularmente, da ganância dos vampiros que chupam o sangue fresco da manada –(Zeca Afonso). Estes retiram para si o maior lucro da fileira agroalimentar, tornando-se os mais ricos do país, com a indiferença de políticos medíocres que permitem a convivência de plantas respeitáveis, condenadas a morrer dignamente de pé, com os “Relvas” – relvas infestantes, quais doutores por certidão administrativa, que parasitam a paciência e o trabalho do cidadão comum, resignado com a companhia da televisão de entretenimento e a cerveja.
Análise mais especializada do capitalismo, do liberalismo e da globalização de mercados, encontrará nestes modelos muitos defeitos, mas no passado, do feudalismo à actualidade, outros modelos não tiveram sucesso. A ineficácia dos modelos estará, eventualmente, mais no mau uso que os diversos actores fazem dos mesmos, e a sociedade nunca foi de anjos. A crise é, também, uma oportunidade para destapar fraudes e corrigir excessos, desde que sejamos vigilantes e intervenientes como é próprio da democracia, até por princípios cívicos e éticos.
Deste modo, fica aqui a minha denúncia e o testemunho que a agricultura de afectos fica remetida para as varandas, quintais e hortas urbanas. Para alguns, poderá ser ainda um ginásio e uma terapia, para outros, uma tentativa de sobrevivência insistindo em aproveitar terrenos ao dispor, constatando, por vezes, que a galinha de campo ou o porco lhes ficam ao preço do lavagante.
Na actual situação económica e de futuro incerto, é fundamental assegurar as necessidades básicas, nomeadamente a produção de bens alimentares e a sua distribuição junto dos consumidores, para que estes lhes tenham acesso a preços justos, com a garantia de qualidade e de segurança alimentar. Por isso, volto a falar do sector primário, que aliás está na ordem no dia e foi tema dominante no Prós e Contras da RTP 1 do passado dia 19, agora com representantes da produção, da distribuição e do poder político.
A produção, hoje dependente da grande distribuição para chegar ao consumidor, não se vê compensada do seu esforço e reclama clareza e equidade na distribuição do rendimento na cadeia de valor. Neste processo, sabemos que os organismos próprios do estado não deviam ficar alheios e inactivos e, sabemos também, como foi referido, que as margens de lucro das grandes superfícies subiram de 15% para 30%. Do ponto de vista das economias de escala a concentração de serviços é benéfica, mas da excessiva concentração e do efeito de monopólio não seria de esperar outra coisa. Como dizia o outro: “é a economia burro”!
As grandes superfícies asseguram cerca de 85% da distribuição do que consumimos e, a crer nos anúncios diários e permanentes com que as duas principais cadeias de distribuição nos massacram todo o santo dia, defendem a produção nacional. Mas ficamos a saber que a fruta do pomar nacional, o pescado das nossas águas e muitos outros produtos nacionais não representam mais de 50% dos congéneres que vendem. E que contínua a não haver qualquer restrição à importação, nomeadamente através do agravamento da taxa do IVA para produtos importados, que o são, em muitos casos, de países que utilizam mão-de-obra ao nível da escravatura e sem encargos ambientais.
A Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição – APED, desvia a atenção para o facto de termos um parque de distribuição ao nível do que de melhor há no mundo, e do que isso representa em termos de modernidade e de criação de postos de trabalho. Obviamente que o esmagamento das margens de lucro de quem produz e os postos de trabalho que se perdem na produção e na pequena distribuição, passa a assunto secundário.
Do ponto de vista da modernidade do sector da distribuição, outros países preferem ser menos modernos mas mais competitivos, mantendo uma diversidade de estruturas, deste da loja de bairro à grande superfície, reconhecendo nas pequenas e médias empresas, forte potencial para a vitalidade económica dos respectivos países. No exemplo inglês, o estado está empenhado em ajudar as pequenas e médias empresas e, entre outras medidas, produz legislação em matéria económica, ouvindo previamente e de forma eficaz os representantes dessa mesmas pequenas e médias empresas.
Pelo nosso lado, e nesta matéria, seremos dos mais modernos do mundo, mas eventualmente mais pobres e, aparentemente, mais felizes, induzidos por uma publicidade a tornar-se doentia, mas usufruindo nos espaços comerciais de um clima de festa, com muita cor, musica e ambiente climatizado, que nos picos de Verão e de Inverno dão jeito para matar o tempo e, porque no fundo, até gostamos de ser seduzidos e tentados pelo consumo.
O actual poder político, representado pela jovem ministra Assunção Cristas, prometeu, tal como fizeram os seus antecessores, sentar à mesma mesa os diversos sectores. Mas é pouco, como se tem revelado, como é pouco colocar a tónica do ministério na gestão do PRODER e na afectação dos fundos financeiros comunitários e nacionais ao sector primário. Qualquer sector que tenha escoamento da produção e a remuneração compensadora do seu esforço, será investidor e inovador, mesmo sem grandes recursos financeiros externos. O exemplo dos jovens agricultores no debate foi claro, e serve também para o Sr. Presidente da Republica, preocupado que diz estar com a falta de jovens na agricultura (2% com menos de 35 anos). Mais do que recursos financeiros, faltam políticas para o sector ajustadas à nossa realidade.
É pertinente assumir a necessidade de remunerar o serviço que os agricultores prestam á sociedade, nomeadamente em matéria alimentar e ambiental. Mas também a necessidade de outros modelos de distribuição alimentar, já que este cresceu desmesuradamente e não nasceu naturalmente da fusão do retalho. E ainda a necessidade de conhecimento, como gerador de inovação e desenvolvimento, já que o Estado tem deixado cair as estruturas de investigação e de experimentação, deixando os agricultores entregues à sua sorte e na dependência do que o mercado vende.
Se o poder político continuar a dar importância ao sector, apenas no programa e no discurso mas não na atitude, então que dedique antes particular atenção ao controle do défice, coisa que também não tem feito, atendendo que só o défice com a Madeira (5.8 mil milhões), BPN (4.5 mil milhões) e Administração Local (7 a 8 mil milhões), para não falar da REFER, CP, RTP, parcerias público privadas e muitas outras situações - que se conhecem ou ainda por descobrir - dariam para cobrir o défice alimentar (3.5 mil milhões o que importamos anualmente com alimentos), durante cerca de 5 anos.
Da análise do que tem vindo a debate, particularmente importante para a tutela política e para salvaguarda da reserva estratégica alimentar do país, há que tirar conclusões lúcidas e tomar medidas sensatas, coisa que os hipermercados não vendem.
O Presidente da República, Cavaco Silva, escreve hoje no Expresso que “a agricultura deve ser o sector fundamental para assegurar a sustentabilidade futura do país” e apela ao apoio aos jovens agricultores.
É pena que há 20 anos não pensasse assim! É pena que, quando teve todas as oportunidades e todo o tempo para defender a agricultura e as pescas nacionais, tivesse trocado tudo por uns patacos para fazer auto-estradas que agora nem conseguimos manter!
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