O BCE vem dizer, num Relatório que consta da terceira edição da Rede de Dinâmica Salarial (Wage Dynamics Network), um projeto de investigação de economistas do BCE e de 25 bancos centrais nacionais da União Europeia, incluindo o Banco de Portugal, que depois da troika, do chamado programa de ajustamento, ficou mais fácil para as empresas despedir e baixar salários.
É o Relatório que o diz, mas quem o declarou nos inquéritos conduzidos pelo Banco de Portugal, em 2014 e 2015, foram os empresários portugueses. É o que entra pelos olhos dentro, e toda a gente vê. Mas é aqui que a "porca" do patrão da CIP, António Saraiva, "torce o rabo": não é nada disso - garante -, "as conclusões do BCE são excessivas". Os empresários é que estão confundidos, e misturam despedimentos com ... despedimentos. Extraordinário!
Numa altura em que a questão da Grécia divide – artificialmente, diria eu – a opinião pública europeia com, de um lado, os que perceberam e reconhecem que a política económica imposta pela Alemanha falhou em toda a linha e, do outro os que, tendo-o igualmente percebido, se recusam pelas mais diversas razões a reconhecê-lo, Vítor Bento, cavaquista inveterado e esteio ideológico do governo português, publicou no insuspeito Observador um interessante artigo que não poderia ser mais oportuno.
Vítor Bento foi sempre, mais que um apoiante desta política económica, uma espécie de reserva moral do governo (e do presidente da república). O homem que lhe emprestava alguma seriedade e alguma respeitabilidade, e com isso alguma autoridade. A Passos Coelho e Paulo Portas não é possível reconhecer grande competência. São – um mais que outro, mas para o caso pouco importa – de seriedade duvidosa, e sua respeitabilidade é engolida pela pantominice. São pessoas como Vítor Bento que vêm por trás disfarçar isso tudo…
É este mesmo Vítor Bento que vem agora explicar, como poucos ainda terão explicado, como tudo estava errado e como deu, como só poderia ter dado, errado. Analisou os últimos seis anos (2008 a 2014) em três blocos económicos distintos: Estados Unidos (EUA), União Económica e Monetária (UEM - zona Euro) e União Europeia sem euro (UE), para concluir que só na UEM o PIB caiu, que na UEM o desemprego cresceu cerca do dobro e que só as contas externas, mas na UEM à custa disso, tiveram idêntico desempenho. Sendo que a crise financeira teve um efeito mundial, e que nada neste três blocos os distingue mais que a receita seguida, os resultados não podem ter outra causa que justamente a política económica seguida. Detalhou a zona euro e dividindo-a entre países excedentários (Alemanha, Áustria, Bélgica, Luxemburgo, Holanda e Finlândia) e deficitários, concluiu que o que o ajustamento (desemprego, e quebra de salários para compensar o efeito cambial) retirou aos países deficitários entregou aos excedentários, que reforçaram a sua competitividade.
Conclui ainda Vítor Bento que “… a assimetria do ajustamento é o resultado da divergência entre as também assimétricas distribuições dos custos e do poder de decisão” e que “só reequilibrando a segunda se conseguirá reequilibrar a primeira”. Que de outra forma a zona euro continuará estagnada por muito mais tempo…E que o tratado orçamental é mais disto mesmo...
É também disto que os dois agitadores do governo grego começam a convencer cada vez mais gente. E que Merkel e Schauble não querem ouvir. Nem Rajoy, nem Passos Coelho… Mas desses já sabemos por quê!
Não deixa de ser estranho que Vítor Bento só agora tenha percebido tudo isto. Se calhar tem alguma coisa a ver com a sua passagem pelo BES… Quero eu dizer ... só depois de de lá sair é que ficou com algum tempo para estudar estas coisas!
"Zangam-se as comadres, descobrem-se as verdades"? Não acredito... Isso são coisas do povo!
Chamam a isto processo de ajustamento. É preciso ter lata…
Um processo de ajustamento deveria ser justo. Vá lá: tendencialmente justo. Não deveria promover apenas justeza. Deveria juntar justiça à justeza!
Este processo de ajustamento ajusta apenas o que alguns têm andado a ajustar entre si. Para tramar os outros!
A distribuição de riqueza é cada vez menos justa. Menos justa e mais larga a diferença entre ricos e pobres. Ajusta-se aí cada vez menos, por muito que os mais ricos se ajustem cada vez mais ao ajustamento, e os mais pobres se ajustem cada vez mais à miséria.
E que bem ajustados ficaram: uns bem ajustados para cima e outros bem ajustados para baixo, sem nada no meio. Ou quase-nada, já com um quarto da população abaixo do limiar da pobreza…
Ah e tal… é o défice… Então não lhe chamem ajustamento da economia, chamem-lhe ajustamento do défice. Ajustamento de contas, que só tem a ver com justeza, não com justiça. Ajustamento de contas é isso mesmo, não precisa da justiça para nada. E é isso que se percebe, que o que importa é ajustar contas. Com uns, com outros, e até com a História… A pretexto de um défice suficientemente ajustado, bem apertadinho no Tratado Orçamental, que em tempos ajustaram juntos aprovar à pressa!
Em plena festança, no meio do foguetório contratado para abrilhantar as festividades que se presumiam durar até Maio, com um segundo fôlego já preparado para o próximo ano, começaram a cair alguns pingos grossos para arrefecer os ânimos. Nada a que não estejamos habituados, tanta tem sido a chuva, tanta tem sido a àgua...
Quando ontem ouvimos o ministro Pires de Lima retratar-se do seu milagre económico, reconhecendo que se excedera e que não há milagre nenhum, lembrá-mo-nos logo do soldado fiel e obediente. Afinal o chefe máximo tinha-se demarcado da expressão na sexta-feira passada, no debate quinzenal... Não nos lembramos - nem poderíamos - que o FMI tivesse reservado para hoje a divulgação do Relatório da X avaliação que viria despejar um enorme balde de água gelada na festa que por aí corre. Percebemos agora que Pires de Lima não é apenas um soldado obediente, é também um soldado informado!
Mais informado que o seu chefe de partido que ainda hoje continuava a deitar fogo de artifício com as exportações quando, com o mesmo relatório, o FMI as tinha deixado completamente enxarcadas de água bem fria. A verdade é que poderá nem ter sido por falta de informação, Paulo Portas é bem rapazinho para pensar que ninguém dará por isso. Sabemos que é bem capaz de estar convencido que consegue falar por cima da realidade, fazendo-se ouvir ao mesmo tempo que a abafa!
Uma coisa é certa. Por muitos nomes que agora venham a chamar ao FMI, por muito que agora digam que eles não percebem nada do país, que nunca aprendem e outras coisas semelhantes, é muito difícil que a festa não fique estragada. Porque eles podem não preceber nada de receitas - e acho mesmo que não acertam uma única - mas vêm o que todos vemos, e que esta gente, para continuar a festa, não queria que ninguém visse. Vêm, e dizem-no com todas as letras - como aqui se anda a dizer há não sei quanto tempo - que o grosso das exportações vem do petróleo, que nenhuma reforma foi feita, que tudo o que o governo conseguiu foi com impostos colossais e insuportáveis e que o equilíbrio das contas externas se deve excusivamente à quebra conjuntural do consumo interno.
Já todos tínhamos percebido que a Comissão Europeia não estava para aí virada, que estava mais interessada em participar também na festa, impeturbável. Também o BCE estava mais interessado em manobras de diversão, arranjando até uma terceira via de saída do programa. Chamou-lhe monitorização reforçada, e bem poderá ser a bissectriz entre o ar de festa estampado na cara da Comissão Europeia e o ar carregado do FMI, a reclamar mais cortes e mais liberalização nos salários, menos Tribunal Constituicional (que acaba de inviabilizar, como se esperava, o referendo à co-adopção) e mais, muito mais austeridade!
Enquanto o primeiro-ministro - repetindo outras figuras, igualmente dadas à graçola, do governo anterior, e dando uma rara oportunidade ao ministro Álvaro Santos Pereira para dizer alguma coisa de jeito - anunciava o fim da crise já para o próximo ano, e alguns dos fazedores de opinião favorável ao governo vêem praias apinhadas de veraneantes endinheirados e restaurantes a abarrotar e cheios de filas à porta, como garante o historiador Rui Ramos (com esta visão da actualidade legitima as dúvidas, hoje tão actuais, que se levantam quanto à que tem da História!) no Expresso deste fim-de-semana, alguns economistas empenhados na mesma tarefa cantam épicos ajustamentos na nossa economia.
O mais glorioso desses ajustamentos tem por centro o histórico equilíbrio do défice externo: algo que apenas por uma vez tinha ocorrido em Portugal, no longínquo ano de 1943, em plena Segunda Guerra Mundial, à custa da guerra e do volfrâmio. Assim, à primeira vista e sem mais, até parece um estrondoso êxito, mais que um sucesso ímpar, um verdadeiro acontecimento histórico.
Mas não é. Isto resulta apenas da queda a pique do investimento e do consumo. Quer dizer: do estrangulamento completo e total da economia. Do agravamento da recessão, a passar a fronteira para a maior depressão do último século!
Não é nada que tenha ver com qualquer ajustamento na economia portuguesa. Não tem nada a ver com qualquer alteração estrutural capaz de inverter o mais crónico dos défices da nossa economia, nem tal seria possível nas actuais circunstâncias. Isso podia e devia ter acontecido ao durante o longo consolado de Cavaco Silva, quando desaguavam em Portugal rios de dinheiro. Que podiam e deviam ter sido utilizados exactamente para isso: para qualificar a economia, qualificando o investimento e os recursos humanos. Para a dotar da competitividade que lhe permitisse exportar mais e melhor e importar menos!
Acontece que esses rios de dinheiro serviram exactamente para o contrário. Serviram para Cavaco Silva destruir em vez de construir, para acabar com as pescas e a agricultura e aumentar o nosso défice alimentar. Para acabar com a indústria, em vez de a modernizar e de lhe dar competitividade, e acentuar a nossa dependência externa. Para pactuar com a utilização fraudulenta de grande parte desse caudal financeiro que inundava o país, instalando e alimentando o facilitismo que tomou conta do país e o afastou ainda mais dos padrões de rigor e de exigência que são a âncora da produtividade!
Perdida essa oportunidade histórica, a economia portuguesa não conseguirá, nas décadas mais próximas, inverter o seu crónico défice externo. Não conseguirá levar a cabo esse ajustamento fundamental. Que nesta altura não existe, ao contrário do que nos estão a pretender fazer crer.
Nesta altura apenas atravessamos uma situação conjuntural, meramente circunstancial, apesar de se continuar a manter durante o próximo ano, em que, sem investimento e sem consumo, as importações caem significativamente, para valores abaixo das exportações. Que lá vão resistindo e, ao que vai sabendo, ajudadas por exportações de ouro. De ouro usado, daquele que as famílias vendem ao desbarato. Com a corda na garganta, enquanto se não vão os dedos…
Quando, por obra e graça vá lá saber-se de quê, a depressão for ultrapassada – e terá de o ser, a actual situação social do país é insustentável - tudo rapidamente voltará ao normal. Que é termos de importar a maior parte do que consumimos e investimos…
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