Ela dizia que nascera no tempo das cerejas, no primeiro dia de Julho do primeiro daqueles anos loucos. Mas é o dia 23 de Julho que consta dos registos oficiais, e por isso, oficialmente, comemora-se hoje o centenário do nascimento de Amália Rodrigues.
A nossa eterna Amália!
Cem anos são apenas 100 anos, não são a eternidade. Amália é demasiado grande para caber nos limites do tempo, e é por isso eterna. Antes de o ser, já o era. Mesmo que ninguém o soubesse.
No dia em que nos despedimos de Mário Soares, o Pedro Santos Guerreiro deu-me a dica para esta fotografia do Rui Ochoa e do Expresso, onde cabe todo um país que é o nosso. Não por Mário Soares ser a última destas figuras maiores de Portugal a partir. Nem por, muito provavelmente, se vir a juntar-se-lhes no Panteão Nacional.
Por muito mais do que tudo isso. É toda uma simbologia que retrata Portugal. No melhor, porque são do melhor que Portugal teve. E porque, enquanto mostra a gigantesca ponte com que Mário Soares uniu o país, esconde tudo o que de pior o país é capaz de fazer aos seus melhores...
Quando comecei a ouvir cantar – ou seria declamar? - os primeiros versos, não queria acreditar: “Não sei, não sabe ninguém”… E interroguei-me: o que é que este gajo quer daqui? Onde é que se está a meter?
Em poucos segundos deixei de ter qualquer dúvida. Estava a ouvir cantar: “Por que canto o fado”… Numa voz limpa e cristalina, sozinha… “Foi Deus, que deu luz aos olhos”… e passou a ter a companhia do contrabaixo do Ricardo Cruz, em acordes leves e espaçados. Baixinho, para não estragar nada!
“Eu sinto” – todos sentimos – “que a alma cá dentro se acalma nos versos” que ouvíamos cantar…
Quando, três, quatro ou cinco minutos depois – o tempo perdeu dimensão – se ouviu pela última vez “ai, e deuuuuuuuuuu-me esta voooooz a miiiiiiim” a sala cheia, esgotada, rebentou num aplauso arrepiante de uma plateia deslumbrada.
"Foi Deus" que ganhou outra dimensão. Não ficaria bem dizer que o António Zambujo deu outra dimensão a Deus...
Amália teria gostado de ouvir. Não tenho dúvida nenhuma!