Era conhecido por ser o homem mais rico do país. Mais do que mais ou menos rico, nas volatilidades da Forbs, Américo Amorim foi um grande empresário português. E foi, com Belmiro de Azevedo, o rosto do capitalismo português do pós 25 de Abril e, nessa medida, o obreiro de um novo país virado a norte.
Tão importante como saber investir é saber desinvestir. É saber sair, é perceber exactamente qual é o momento de saltar do negócio. E nisso Américo Amorim era insuperável: foi um dos maiores investidores imobiliários, mas soube sair antes que a crise o pudesses sequer chamuscar; foi banqueiro, mas saiu sempre antes de tudo e de qualquer coisa.
No princípio era a cortiça... Daí nunca precisou de sair. Aí era o maior do mundo!
A recente polémica em volta do Grupo Jerónimo Martins continua a sugerir algumas reflexões. Sem me repetir nalgumas das ideias que a propósito aqui deixei, e ainda sem me deter nas assimetrias fiscais da UE que, permitindo uma concorrência desenfreada entre os países membros, evidenciam bem quão longe está – e sempre esteve – de representar a união do que quer que seja e a dificuldade em garantir a sustentabilidade de uma moeda única comum, fixar-me-ia, por agora, num aspecto particular do modelo de desenvolvimento económico vigente no país que, tanto ou mesmo mais que a desgovernação das últimas décadas, é responsável pelo estado a que chegou Portugal.
Não é a primeira vez que aqui trago esta ideia. A economia nacional e a capacidade empreendedora do país distribui-se por três categorias de agentes: o Estado – o sector público empresarial, enquistado de compadrio e a funcionar como uma espécie de saco azul que serve para pagar favores e fidelidades -, o vasto sector dos bens não transaccionáveis – onde, muito à sombra do Estado, floresceram, em particular, as áreas da distribuição, a financeira, da energia e das telecomunicações – e, depois, um sector que cabe no vulgar conceito das PME, onde verdadeiros empreendedores, na maioria anónimos, garantem o parco emprego e a limitada capacidade industrial da economia e ajudam a manter viva a esperança de que as exportações nos possam resolver os problemas e desatar os nós cegos da situação financeira em que o país caiu.
Quando olhamos para o PSI 20, ou para as diversas listas dos portugueses mais ricos, o que encontramos é aquela segunda categoria. Fixando-nos no pódio dos mais ricos, lá vemos Américo Amorim, Soares dos Santos e Belmiro de Azevedo. Todos começaram ou passaram pela actividade industrial. Todos a abandonaram, ou praticamente a deixaram ao abandono!
Américo Amorim para se fixar no turismo, no sector financeiro e na energia. Belmiro de Azevedo para a distribuição e as telecomunicações. Não é pela Sonae Indústria que também, já há uns anos, a sede do grupo se transferiu para a Holanda!
Corticeira Amorim e Sonae Indústria eram, há vinte ou trinta anos, das maiores empresas industriais do país!
O Grupo Jerónimo Martins nasceu no comércio no final do século XVIII, há mais de 200 anos, a partir de uma loja no Chiado. Nos anos 50 do século passado, aproveitando o condicionalismo industrial do regime de Salazar e em parceria com a multinacional anglo-holandesa Unilever, até então sua fornecedora, entra na indústria alimentar e na de produtos grande consumo: uma actividade industrial diversificada, alicerçada numa aliança com uma das maiores empresas mundiais do sector e sustentada em grandes marcas globais. Quer dizer, com todas as condições para crescer e desenvolver em Portugal uma fortíssima actividade industrial de grande relevância económica, uma enorme alavanca de desenvolvimento!
Mas não. O grupo escolheu a distribuição para crescer e chegar onde chegou! E o contributo da distribuição, desta distribuição em Portugal, como bem se sabe, para o desenvolvimento da economia nacional é tudo menos pacífico…
Quero com isto dizer que o regime produziu coutadas na economia – reservas onde a protecção é grande, o risco é baixo ou nulo e os resultados grandes e garantidos - que os empresários mais cotados – e não me refiro, embora também pudesse, à cotação que essa espécie de agência de notação que funciona na Presidência da República, que os classifica a partir das comendas que lhes atribui – naturalmente, privilegiam.
Não admira que os empresários de mais condições – dimensão, capacidade financeira, sinergias, etc - as dirijam para esses sectores da economia, deixando a indústria para os outros. Esses sim, verdadeiros empreendedores a quem as comendas nem sempre chegam!
Enquanto o triple A Alexandre Soares dos Santos (três comendas) era atacado por uns e defendido por outros desaparecia um desses empreendedores – por acaso, mas também por mérito, comendador – que, fora dessa coutada, na indústria, arriscou, inovou, desenvolveu e criou verdadeira riqueza. Leonel Costa era um dos grandes empreendedores deste país. Sem ele, o país e esta região ficam ainda mais pobres!
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