Hoje é o dia em que a "Martinho" dá boleia ao Inverno para entrar pela Primavera dentro. Mas é também o dia da dissolução da Assembleia da República.
É a décima vez que é dissolvida. Isto é, pela décima vez é interrompida uma legislatura na democracia portuguesa. Se tivermos em conta que esta, do XXIV governo, seria a XVI legislatura, percebemos facilmente que a maioria das legislaturas não chegou ao fim. Apenas seis governos - em 24 - duraram toda a legislatura: dois de Cavaco (1987 e 1991), um (dos dois) de Guterres (1995), um (dos dois) de Sócrates (2005), o de Passos Coelho (2011) e um (dos três) de António Costa (2015).
Destes, apenas os de Cavaco, e o de Sócrates, corresponderam a maiorias absolutas eleitorais. O de Passos logrou maioria parlamentar por coligação pós eleitoral com o CDS. O de Guterres, à beira da maioria parlamentar (com o PS com metade dos deputados no hemicíclico), sobreviveu em bases de geometria variável, uma delas com sabor a queijo Limiano. E o de Costa, que nem ganhou as eleições, viveu à custa um "arranjo" parlamentar que ficou conhecido por geringonça.
O último dos três governos de António Costa foi o único de maioria absoluta a não completar a legislatura.
Todos os presidentes dissolveram o Parlamento, Marcelo abusou. Dissolveu-o por três vezes, e nunca se conseguirá livrar disso.
Não havia necessidade, como dizia o outro. Até porque as oposições foram todas oposição à moção de censura. E bem mais assertivas, eficazes e ... decentes.
José Pedro Aguiar Branco demitiu-se das responsabilidades que a sua função lhe impõe, e deixou André Ventura e a sua trupe à solta no Parlamento. E procurou respaldo numa espécie de doutrina engendrada à última da hora, que apresentou numa declaração:
“Os portugueses que vêem o que se passa na Assembleia da República, façam o seu juízo sancionatório, e que perante aquilo que são as condutas e actuações dos seus representantes, façam pelo voto a censura relativamente a esse tipo de práticas”
Só que isto não é doutrina. É abdicação!
Não do tipo "lavo daqui as minhas mãos", que já era grave. É abdicação por ignorância; ou abdicação cúmplice.
Só por ignorância se não percebe que o comportamento dos deputados do Chega é todo um programa de destruição das instituições, e em primeiro lugar da Assembleia da República. Endossar a penalização desse comportamento para o voto dos portugueses em eleições futuras é ser cúmplice nessa destruição.
Com o PSD meio envergonhado por ter permitido aquilo, e a IL a fazer daquilo apenas e só uma birra, a "sessão solene de comemoração do 25 de Novembro" acabou por transformar a Assembleia da República numa taberna.
Não é a primeira vez que o Parlamento faz de taberna, mas é a primeira vez que faz de taberna solene, decorada com rosas brancas. O taberneiro, esse é sempre o mesmo. Sem solenidade, nem rosas!
Do processo histórico que se sucedeu ao derrube do regime ditatorial velho de 48 anos, iniciado com o golpe de Estado de 25 de Abril 1974, é parte marcante um período de dois anos que poderemos dar por concluído com as primeiras eleições legislativas, em 25 de Abril de 1976.
Nesse curto período - mas riquíssimo como nenhum outro na História de Portugal - qualquer historiador encontrará sete datas marcantes: 25 de Abril de 1974, naturalmente, 28 de Setembro do mesmo ano, 11 de Março, 25 de Abril e 25 de Novembro de 1975, e 2 e 25 de Abril de 1976.
Se retirarmos, não por critérios de importância, mas apenas de organização de ideias, 25 de Abril de 1975, data das primeiras eleições livres em Portugal, com 97% da participação eleitoral, para eleger a Assembleia Constituinte; 2 de Abril de 1976, data de aprovação da Constituição, e 25 de Abril de 1976, data das primeiras eleições legislativas, restam as quatro que mais associamos a momentos do processo histórico do 25 de Abril: o próprio 25 de Abril, o 28 de Setembro, o 11 de Março e o 25 de Novembro.
Em 25 de Abril de 1974 mudou tudo. Caiu todo um regime, e com ele caiu tudo o que o sustentava, mas também tudo o que ele sustentava. Não sobrou nada. Não é por muitos anos depois termos vindo a perceber que tanta coisa afinal tinha ficado, que deixa de ser verdade que, naquele momento, caiu tudo.
Em 28 de Setembro de 1974 - na segunda (a primeira já tinha levado à queda do I governo Provisório, em 11 de Julho) tentativa de Spínola de tomar conta o regime - caiu o Presidente da República e o governo, o II Provisório.
Em 11 de Março de 1975 - mais uma vez Spínola, desta em explícito golpe militar - mudou muita coisa. Acabou a Junta de Salvação Nacional, substituída pelo Conselho da Revolução. Foram decretadas as nacionalizações (banca, seguros e principais empresas industriais), avançou a reforma agrária, e voltou a mudar o governo. Do III para o IV provisório.
Em 25 de Novembro de 1975 não mudou nada. Foi a única destas datas em que nada mudou!
Com o 11 de Março abriu-se o PREC (Processo Revolucionário em Curso). As nacionalizações, a reforma agrária, as ocupações (de terras, mas também de empresas), e a rua - as manifestações populares - eram a expressão da revolução, em contra-mão com os resultados das eleições constituintes.
Desta contradição surgiu o "Verão quente", em que o país se dividiu perigosamente ao meio. Sedes dos partidos alinhados com o PREC, e em especial do PCP, eram incendiadas por todo o Norte e Centro do país. Mário Soares assumiu a liderança política da oposição ao governo de Vasco Gonçalves, exigindo a sua demissão. Retirou o PS do então do IV governo provisório, levando à sua queda e substituição pelo V, ainda e sempre chefiado por Vasco Gonçalves, já sem PS e PPD (na forma, também sem o PCP), em 8 de Agosto. Utilizou também a "rua", e fez daquele comício da Fonte Luminosa, em 19 de Junho de 1975, que encheu toda a Alameda D. Afonso Henriques, a demonstração que tinha o poder dos votos, mas também o da mobilização popular.
Em 7 de Agosto um grupo de militares do Conselho da Revolução - o grupo dos 9, liderado por Melo Antunes, e que integrava Vasco Lourenço, Pezarat Correia, Franco Charais, Canto e Castro, Costa Neves, Sousa e Castro, Vítor Alves e Vítor Crespo - publicou um documento ("documento dos nove", também chamado "documento Melo Antunes") que rapidamente alcançou amplo apoio militar. Defendia um MFA isento relativamente aos partidos, e a criação de um amplo bloco social de apoio de um projecto nacional de transição para o socialismo. Era a resposta ao Documento "Aliança Povo/MFA", apresentado um mês antes, que acelerava "a via revolucionária".
O amplo consenso militar do "documento dos nove" - e a ampla expressão eleitoral do apoio político que se lhe juntou - teve consequências praticamente imediatas. Em 19 de Setembro Vasco Gonçalves foi demitido e foi empossado o VI Governo Provisório, chefiado por Pinheiro de Azevedo. Depois, Otelo Saraiva de Carvalho foi substituído no Comando da Região Militar de Lisboa por Vasco Lourenço. As restantes já eram comandadas por membros do grupo dos nove.
Na realidade o que havia a mudar, já estava mudado. Em 25 de Novembro de 1975 nada mudou. Emergiu Ramalho Eanes, até aí uma personagem desconhecida, e dir-se-á que não foi pouco.
Mas também na altura não foi muito. É ele próprio queem entrevista escrita ao Soldiz que o seu protagonismo se esgota no clássico aforismo: "O homem é o homem e a sua circunstância". Melo Antunes tinha-lhe pedido para preparar uma operação militar para a eventualidade de - algures no processo - ser necessário algum tipo de intervenção. Nunca foi, como ele próprio conta, com tudo a ser sempre resolvido com civilidade entre Costa Gomes, o Presidente da República, Otelo e Melo Antunes.
Sim, o Jaime Neves saiu com os comandos e os seus chaimites da Amadora, e passeou ali pela Ajuda, em frente ao quartel da Polícia Militar, comandado pelo major Tomé. E houve até um morto. Mas nem Eanes consegue explicar o que se passou.
Pode ser que amanhã, na sessão solene que a direita conseguiu impor na Assembleia da República para assinalar pela primeira vez esta data, alguém o consiga explicar alguma coisa.
Pode ser que alguém lembre a esta gente, amanhã solenemente engalanada, que logo a seguir, apenas quatro meses depois, foi aprovada a Constituição que no artigo 1º enunciava o empenho de Portugal na construção de uma sociedade sem classes, e no 2º vinculava o Estado ao objetivo de assegurar a transição para o socialismo.
O "escândalo" criado pela "inventona" de Ventura - criou ele próprio (inventou) um acordo que reclama e mendiga há três semanas -, e pela imprudência de Montenegro, acabou com, não um, mas dois Presidentes da Assembleia da República - Aguiar Branco, desde já e para os próximos dois anos; e Francisco Assis para os restantes dois.
Está bem. PSD e PS têm a obrigação de defender o regime que, não sendo o melhor é, como acaba de mais uma vez ficar demonstrado, o melhor a que podemos aspirar. É tanto assim que nem a improbabilidade de chegar a vez de Francisco Assis - ninguém acredita hoje que a legislatura consiga sobreviver dois anos - impediu esta saída. Afinal a única possível, depois de três votações inconsequentes: a primeira com a candidatura única de Aguiar Branco, a que se juntaram, na segunda, a de Francisco Assis, promovida pelo PS, e a de Manuela Tender, apresentada pelo Chega, logo que se deu conta da do PS, donde partiram os dois primeiros para a terceira.
Depois de anunciada aos sete ventos a eleição de Aguiar Branco para a Presidência da Assembleia da República, com o declarado apoio do Chega ... saiu bronca.
Luís Montenegro, do "não, é não", acreditou na palavra de Ventura e, sobranceiramente, nem uma palavra sobre o assunto com o PS. Logo à primeira, no primeiro dia, e no primeiro acto da legislatura, viu-se o que aí está, e o que aí vem.
Aguiar Branco precisava de 116 votos para garantir a eleição. Ficou-se pelos 89. As contas são fáceis da fazer: 80 votos da AD, 8 da IL e ... mais um. André Ventura, como é costume, mete os pés pelas mãos. Começou por dizer que o voto é secreto, e que até poderiam ter sido os deputados do PSD a não votar no candidato para, no momento seguinte, justificar por que não viabilizou a eleição do candidato que anunciara apoiar, voltando à narrativa do "espezinhar" um milhão de portugueses.
Ficamos todos a saber, se é que já o não o sabíamos, que, qualquer golpe, qualquer habilidade, qualquer chantagem de Ventura que não resulte, são impiedosos pés esmagadores em cima de um milhão de portugueses. E ficamos também desde já a perceber a habilidade de Luís Montenegro para governar nas condições que resultaram destas eleições...
O resto é "uma vergonha". Como dizia o outro. Que não a tem, nem por onde ela passe.
Ao fim de pouco mais de três meses já se percebeu o que faz o Chega na Assembleia da República com um grupo parlamentar, o terceiro maior no hemiciclo. No acto eleitoral de Janeiro percebeu-se que o partido unipessoal de André Ventura serviu para garantir a maioria absoluta a António Costa. No Parlamento serve-lhe de boia!
O contributo parlamentar do terceiro maior partido é o que se está a ver. Nada que tenha a ver com o país, nenhuma proposta para o que quer que seja, apenas barulho. Barulho para se fazer ouvir, para que seja falado, para se manter na ribalta mediática.
Augusto Santos Silva, precisamente o Presidente da Assembleia da República, foi quem melhor percebeu a utilidade do contributo de André Ventura no actual xadrez parlamentar. Percebeu e começou a explorar o filão logo que esta sessão legislativa foi inaugurada. Logo no primeiro dia, muito antes que todos nós, comuns mortais, o tenhamos percebido.
Esta espécie de moção de censura ao Presidente da Assembleia da República que André Ventura inventou deixou tudo isto muito mais claro. Para continuar a fazer barulho, a única coisa que sabe fazer, repetiu a sua receita de fazer acreditar no que nem ele acredita, lançando mão de um instrumento que não existe, sabendo que não existe e, natural e evidentemente, absolutamente ineficaz.
Até aqui, Santos Silva tem aproveitado para se tornar na "super star" do Parlamento. Agora, a partir dessa condição, aproveitou para se lançar na corrida a Belém. E chegar-se à frente.
Não. Não é uma imitação de Jorge Sampaio. Há trinta anos, Jorge Sampaio chegou-se á frente e meteu pés ao caminho. Santos Silva vai à boleia!
A participação de Zelensky na sessão solene da Assembleia da República, especialmente concebida para o efeito, não frustrou as expectativas. Foi a sua 26ª intervenção em parlamentos democraticamente eleitos, pelo mundo fora. Já havia por isso uma matriz: o objectivo de mobilização internacional para a causa ucraniana substanciava-se na excelência comunicacional, com um discurso bem estruturado e de forte carga emocional, robustecido por referências históricas, geográficas ou até de carácter civilizacional ao país e ao povo a que se dirigia.
Era esta última vertente da sua intervenção a que maiores expectativas suscitava. O resto não seria muito diferente, por muitos mais dados - e mais chocantes ainda - que a continuação da guerra infelizmente lhe permitiria acrescentar ao seu relato. Até apostas se faziam …
Não desiludiu, também nessa vertente mais ansiosamente aguardada. Referiu a dimensão populacional de Lisboa e do Porto para reforçar a imagem a passar sobre cidades completamente destruídas, e referiu-se à ditadura que vivemos e ao 25 de Abril, que vamos festejar por estes dias.
A referência geográfica ao Porto e a Lisboa não mereceu qualquer contestação ao Partido Comunista, que deixou as suas cadeiras vazias, mas não quis deixar de comentar a intervenção que não aprovara. Ainda admiti que o PCP se tivesse sentido insultado por Mariupol ser "tão grande quanto Lisboa", mas não. O insulto foi Zelensky referir-se à revolução dos cravos.
Não, senhora deputada Paula Santos. A senhora, porque foi a senhora que se prestou ao serviço, os seus outros cinco colegas de bancada, e os outros todos que mandam em vós os seis, é que hoje insultaram o 25 da Abril. E seguramente mais de 10 milhões de portugueses.
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