Ainda se não conhecem oficialmente os resultados das eleições de há semana e meia - só lá mais para o fim da tarde - mas já se sabe o suficiente para afirmar que não houve "escândalo". O cenário, improvável mas possível, de ganhar hoje quem perdera no passado dia 10, e de perder hoje quem já fizera a festa, não se confirmou. Já basta o que basta, não é preciso mais confusões.
Não houve "escândalo", mas houve "golpe de teatro": Augusto Santos Silva, o anterior Presidente da Assembleia da República, candidato pelo círculo de fora da Europa, não foi eleito. É a primeira vez que uma coisa destas acontece, e é uma pesada derrota pessoal. De um homem que era uma espécie de "sempre em pé" do PS, de governante eterno, e que aspirava ser Presidente da República.
Já não tem por onde continuar a aspirá-lo. Ironicamente "morreu" às mãos do Chega - que elegeu dois dos quatro deputados disponíveis, um deles, no círculo fora da Europa, que ficou precisamente com o lugar que Santos Silva tinha por garantido - que utilizou na Assembleia da República como lançamento daquela aspiração. Não se pode dizer que não tenha tido mérito nas polémicas parlamentares travadas com André Ventura, mas também não se poderá deixar de dizer que as utilizou para suscitar a oportunidade (e sabe-se como é importante "chegar-se à frente" nestas coisas das candidaturas presidenciais) e promover à sua volta a auréola de candidato da esquerda antifascista.
Não é, no entanto, menos irónico que esta derrota seja uma importante vitória para o PS. Para este, de Pedro Nuno Santos. A "reforma compulsiva" de Augusto Santos Silva vai dar-lhe muito jeito. E não é só na escolha do candidato presidencial!
Depois de Marcelo, o nº1, no primeiro jogo da selecção, é a vez do nº2 na hierarquia do Estado chegar ao Catar.
Depois das voltas que deu ao assunto, Marcelo jurou ir lá falar de direitos humanos. Não falou propriamente, mas balbucionou qualquer coisa a que ninguém deu importância nenhuma. Pronto, fez de conta e assunto arrumado.
Ao fim de pouco mais de três meses já se percebeu o que faz o Chega na Assembleia da República com um grupo parlamentar, o terceiro maior no hemiciclo. No acto eleitoral de Janeiro percebeu-se que o partido unipessoal de André Ventura serviu para garantir a maioria absoluta a António Costa. No Parlamento serve-lhe de boia!
O contributo parlamentar do terceiro maior partido é o que se está a ver. Nada que tenha a ver com o país, nenhuma proposta para o que quer que seja, apenas barulho. Barulho para se fazer ouvir, para que seja falado, para se manter na ribalta mediática.
Augusto Santos Silva, precisamente o Presidente da Assembleia da República, foi quem melhor percebeu a utilidade do contributo de André Ventura no actual xadrez parlamentar. Percebeu e começou a explorar o filão logo que esta sessão legislativa foi inaugurada. Logo no primeiro dia, muito antes que todos nós, comuns mortais, o tenhamos percebido.
Esta espécie de moção de censura ao Presidente da Assembleia da República que André Ventura inventou deixou tudo isto muito mais claro. Para continuar a fazer barulho, a única coisa que sabe fazer, repetiu a sua receita de fazer acreditar no que nem ele acredita, lançando mão de um instrumento que não existe, sabendo que não existe e, natural e evidentemente, absolutamente ineficaz.
Até aqui, Santos Silva tem aproveitado para se tornar na "super star" do Parlamento. Agora, a partir dessa condição, aproveitou para se lançar na corrida a Belém. E chegar-se à frente.
Não. Não é uma imitação de Jorge Sampaio. Há trinta anos, Jorge Sampaio chegou-se á frente e meteu pés ao caminho. Santos Silva vai à boleia!
A Câmara Municipal de Lisboa, vá lá saber-se por que carga de água (responsabilidade de quem, ou a que propósito, para além de uma burocracia cega, surda - que não muda - e profundamente estúpida) partilhou com as autoridades russas os nomes, moradas e contactos de três manifestantes russos que participaram num protesto, em frente à embaixada russa em Lisboa, pela libertação de Alexey Navalny, o mais conhecido opositor de Putin.
A manifestação aconteceu em Janeiro passado, mas só ontem foi conhecida a notícia desse acto bufo, inaceitável e e incompreensível da Câmara da capital. Fernando Medina deu voltas e mais voltas e explicou que "o erro resultou de um funcionamento burocrático dos serviços que aplicaram nesta manifestação aquilo que aplicam à generalidade das dezenas de manifestações que acontecem no município". Quer dizer - não explicou nada.
Por isso ninguém percebeu. Excepto o ministro Augusto Santos Silva, mas esse, como se sabe, é senhor de uma inteligência rara, a que os comuns dos mortais nunca poderão aspirar. O ministro dos negócios estrangeiros dos governos de António Costa, dos Assuntos Parlamentares e da Defesa, dos de Sócrates, e da Educação e da Cultura dos de Guterres - um record absoluto - percebeu tudo: não se trata de "um incidente diplomático", apenas de "um procedimento errado que foi corrigido", facto com que só tem que se congratular.
A esta hora já certamente Putin lhe respondeu pelos canais diplomáticos que, sim senhor, pode estar descansado que já apagou tudo.
Há muito que não dava conta de um dos habituais tesourinhos deprimentes de Augusto Santos Silva. Era bom sinal, porque eles têm sempre uma relação directamente proporcional com o estado de sanidade do governo que integra. Mas acabou. As tiradas de Augusto Santos Silva estão para o inverno dos governos como o cuco está para a Primavera.
As coisas não estão a correr nada bem. Cá dentro, em Lisboa o governo teve mesmo que forçar um passo atrás, com as medidas ontem anuciadas para entrarem em vigor na próxima quinta-feira. E, lá fora, apesar da "confiança" da UEFA no país, vários governos europeus fecham as suas fronteiras a viajantes oriundos de Portugal.
Esta medida, excepcional e pouco abonatória para um país ainda há poucas semanas apontado como exemplo de sucesso no combate à pandemia, desencadeou uma série de curiosas reacções.
A primeira chegou naturalmente do ministro dos negócios estrangeiros. Mas pouco diplomática. Pelo contrário, mais primária não poderia ser: vamos aplicar o princípio da reciprocidade. À Augusto Santos Silva, um ministro dos negócios estrangeiros com a sensibilidade diplomática do trauliteiro que não consegue deixar de ser.
A segunda não tem menores traços de personalidade, e veio do Presidente Marcelo. Que diz que o fecho de fronteiras a quem vem de Portugal não é mais que uma guerra para conquistar turistas. À Marcelo, a deixar-nos de boca aberta: mas então quem quer conquistar turistas impede-os de entrar no país? Mas deixa cá ver: é com a Dinamarca, a Áustria, a Lituânia e a Letónia que especialmente concorremos no turismo?
Não parece. Mas sabe-se que o que importa para Marcelo é a tese conspirativa. Se nada se lhe ajustar a culpa já não é dele!
Já António Costa simplesmente não entende como lhe estão a fazer uma coisa destas. Como é que eles não vêm que estamos a fazer mais testes, que somos nós que, ao contrário de todos os outros países, em vez de os esconder, estamos à procura de encontrar novos infectados. É simples má-fé. A mesma com que ninguém entendeu o prémio que tão genuinamente deu aos profissionais de saúde!
Há declarações que em vez de palavras têm imagens. São retratos!
Com tudo pacatamente à espera que as horas passem até que cheguem as últimas doze badaladas do ano, e com o Presidente a despachar a comenda do Jorge Jesus para fazer as malas de partida para o Corvo, não se passa nada. É uma chatice... Não fosse o "sempre em pé" Augusto Santos Silva ter dito umas coisas, que não deixam de ser verdade mesmo que as não devesse ter dito - logo ele, pouco senhor da verdade -, e não se passava mesmo nada.
É verdade que não se passa nada, na mesma. Mas fala-se. E fala muita gente. E levou troco: "as afirmações proferidas pelo ministro dos Negócios Estrangeiros só podem ser entendidas por terem sido ditas por alguém que, vivendo fechado em ambientes palacianos, há muito que não sai à rua para ver como o mundo lá fora gira e avança". O que também não deixa de ser verdade!
Não aprecio - antes pelo contrário, como por aqui tenho muitas vezes deixado claro - a figura de Santos Silva, o ministro dos negócios estrangeiros. Mas não consigo deixar de lhe atribuir mérito, e particularmente bom senso, na posição oficial do país nesta guerra diplomática contra a Rússia. Não é de resto a primeira vez que consigo acompanhá-lo, o que não muda nada da opinião pessoal que dele tenho.
Tudo leva a implicar os serviços secretos russos na entativa de envenamento de um antigo espião (Skripal, de seu nome) e da sua filha, em Salisbury, no sul de Inglaterra, naquilo que é, nas palavras do próprio ministro, “ a primeira vez que depois da guerra fria se utilizam armas químicas em solo europeu”. Mas a verdade é que no mundo da espionagem nem sempre o que parece é. E no actual clima de nova guerra fria, do outro lado está Donald Trump, uma "coisa" que nunca existiu, sem padrão de comportamento. Ou melhor, com comportamento cujo padrão é fugir aos padrões.
Neste quadro, e mesmo tendo o Estado português o poder e a influência que tem neste cenário - muito pouco ou nenhum -, faz todo o sentido este "wait and see" da nossa diplomacia. Que alinhe a sua posição nas instituições internacionais que integre, como na Nato, mas que, sabendo que a verdade dificilmente se virá a descobrir, que provavelmente nunca se encontrarão provas irrefutáveis da autoria do ataque, em vez de uma "Maria que vai com as outras", tenha a sua própria posição. E, nesse sentido, a chamada a Lisboa do embaixador em Moscovo não é uma posição nem dúbia, nem fraca.
Fraca - fraquíssima - é a de Paulo Rangel. Considerar a decisão do governo português "inexplicável" não é muito abonatório da sua competência política; considerá-la "jogo ideológico", para agradar aos seus parceiros, é ainda menos abonatório da sua lucidez e da sua seriedade intelectual. Mas ameaçar com o "Foreign Office" é francamente deplorável. Uma palermice, Paulo Rangel!
A tradicional acalmia política desta época de natal, uma espécie de mini-silly season, foi quebrada pela "feira de gado" de Augusto Santos Silva. Tínhamos dele uma imagem de truculento, a lembrar aquela de "quem se mete com o PS leva". Se calhar era mais "quem se mete com o Sócrates leva"... Se calhar porque esse foi chão que já deu uvas, e quem passou a levar foi quem não se meteu com ele, na sua reincarnação neste governo tem deixado uma imagem de um homem pacato, cordato, e nada dado traquinices.
É certo que a pasta ajuda: a um ministro dos negócios estrangeiros pede-se diplomacia, evidentemente. E não é muito exigente - especialmente num país como o nosso - passando sempre ao lado das coisas que mais queimam.
Quero com isto dizer que a pacatez e a cordialidade deste peso pesado do PS, de que nenhum líder quer largar mão, é mais fruto das circunstâncias que do homem. Daí que ter comparado a Concertação Social a uma feira de gado não tenha nada de surpreendente. O que surpreende é que se tenha deixado apanhar. E logo pela TVI, onde não se consegue deixar de ver muito mais que uma simples pontinha de vingança.
Não me surpreende muito que o tenham obrigado a pedir a desculpa, e não me surpreende nada que a tenha pedido. O que a mim me surpreende mais é que tenha razão: aquilo é mesmo como uma feira de gado. Só que bem diferente daquelas de antigamente, feitas de muita arte e engenho. A arte de ver os dentes dos burros e o engenho para lhe aldrabar a idade!
Aí está o XXI governo. Novinho, pronto a entrar em funções logo que Cavaco entenda que ... pronto; acabou-se!
Não fossem Augusto Santos Silva e Capoulas Santos e diríamos que sim. Que era um governo capaz de não defraudar as expectativas. Assim, é mais difícil... São nomes que, por tão perto do pior que o PS lembra, deixam desde logo o PS muito longe do melhor a que está agora obrigado.
Relembrando o diácono Remédios: "não havia necessidade"...
Augusto Santos Silva, que tinha alguma fama de caceteiro e um bocado dado às causas do murro – quer dizer, da luta – não gosta de murros na mesa. Gosta mais de murros no estômago!
Assim que apanhou o Seguro a jeito não lhe poupou uma série de ganchos, com a direita e logo a seguir com a esquerda. Bem direitinhos ao estômago!
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