Quem ouvir os debates parlamentares com o governo fica com a ideia que não há problema sem solução. E, no fim, é bem capaz de ficar a pensar que ... pronto. Está resolvido.
A oposição tem sempre soluções para tudo. O governo tem ainda mais e, ou já resolveu, ou vai resolver.
O desta tarde foi dominado pelo tema da "inflação". E, aí está: o que o governo não resolveu, vai resolver. Sobre o aumento dos preços dos produtos alimentares António Costa garantiu que o governo tem feito “um trabalho mais discreto ou menos discreto com os diferentes agentes da cadeia alimentar”. E que ainda esta manhã tinha ocorrido “uma reunião muito importante da Plataforma de Acompanhamento das Relações na Cadeia Agroalimentar (PARCA)”, em que todos haviam concordado com a "necessidade de haver maior transparência em toda a cadeia, para não andarmos a apontar com maior ou menor injustiça a este ou àquele agente económico".
Coisa "Parca", que é mesmo coisa nenhuma!
Como daí, do lado dos preços, de não vem nada - ah... pode ser que se mexa no IVA, esperando que não acabe como acabou em Espanha, a dar em nada nos preços - vamos aos salários, para lhe fazer frente. E aí, o primeiro-ministro diz que o governo tem o dever de rever os salários da função pública. Foram negociados no pressuposto de uma inflação de 7,4%, mas ela foi de 7,8%, e há que corrigir isso.
Dito assim, fica bem. Dito assim, e como as coisas estão, vem-nos à memória que para o ano há eleições.
Mas, se os 7,4% de inflação serviram de base para o aumento de 2% nos salários, na mesma linha, os 7,8 servirem para passar a 2,1%, "o tiro sai pela culatra". Se for assim, o governo está a dizer que não se preocupou, nem se preocupa, com os 5,4 pontos percentuais do diferencial entre a inflação e o aumento que estabeleceu para os salários. Mas que, agora magnânimo, se preocupa com os 0,4 do diferencial entre a inflação então estimada e a real no fim do ano. Que não se preocupou com os 75% da inflação que o aumento dos salários não cobriu, mas que, agora magnânimo, se preocupa com os 5% que a inflação cresceu.
E isto é apenas mais do mesmo. Do mesmo que, a António Costa, não tem corrido nada bem... Nem a nós!
Este governo não está apenas em desorientação total, com casos e casinhos diários; continua sem rumo, sem estratégia e sem seriedade.
Na sua proposta salarial para a administração pública, ontem apresentada pela ministra Mariana Vieira da Silva, insiste em trapalhadas, habilidades e truques, como já fizera no anúncio da actualização das pensões. Mistura números para atirar com números, e chegar a médias a partir de somas de alhos com bugalhos.
De tudo isso ressalta que não tem uma estratégia para o país, e que, afinal, a maioria absoluta não serve para mais nada que gerir o curto prazo. Que a estratégia para o país não vai além da orçamental, e que, para além do curto prazo do orçamento anual, apenas vê o médio prazo das próximas eleições.
Há poucas semanas o governo reconhecia que tinha um problema de salários no problema do Serviço Nacional de Saúde. E prometia resolvê-lo, em particular no caso dos médicos. Há poucos meses reconhecia que o país tinha um problema de salários. E que nem era tanto de salário mínimo, mas de salário médio. Há poucos meses anunciava que o objectivo da legislatura era aproximar o peso dos salários no PIB ao da média da média europeia, o que implicaria um aumento médio dos salários em reais em 20% no conjunto dos próximos quatro anos. Há poucas semanas, ou meses, reconhecia a necessidade absoluta de reter cérebros, de evitar que os mais qualificados continuassem a sair do país. Há poucas semanas, ou meses, reconhecia que a Administração Pública, a Saúde, ou a Educação, teria que ter condições para atrair os melhores. Há poucas semanas, ou meses, dizia que isso se conseguiria premiando os melhores desempenhos.
Ontem, com a proposta apresentada, percebeu-se que nada disso era para levar a sério, e que tudo é para continuar inamovível. Que apenas os salários alinhados com o SMN são aumentados em linha com a inflação. E que basta um vencimento bruto acima de 2.600 euros para se ficar com 2% de aumento nominal, e voltar a cortar - o governo não gosta do verbo, mas é o que é, sem volta a dar-lhe - mais 6% nos salários.
Nas palavras, a solução é aumentar salários. Nos actos, é cortá-los. É esta a estratégia errática de António Costa!
As vagas de desinformação e populismo não param. Sucedem-se umas atrás das outras ao ritmo das marés vivas nas praias que não podemos pisar.
A última vaga foi a do aumento dos funcionários públicos. Não importa se foi um aumento de 0,3%, qualquer coisa como 3 a 4 euros no ordenado, em média. Depois de anos de cortes salariais. Isso não importa mas, acima de tudo, não importa mesmo nada que se trate simplesmente de uma consequência da entrada em vigor do Orçamento de Estado para este ano, superavitário e produzido e aprovado quando não havia bola de cristal que permitisse vislumbrar as circunstâncias que vivemos.
Em vez de oops - este aumento é tão bom, não era? - ouviu-se a palavra mágica da desinformação, da demagogia e do populismo: vergonha! Desta vez até Rui Rio cedeu.
Hoje ou tudo é uma vergonha, ou tudo se resume na sua expressão mais simples a uma vergonha. Não é preciso saber nada de coisa nenhuma. É uma vergonha e ponto final.
De tal forma que, por vergonha, não digo que é uma vergonha que o Ministério da Saúde tenha permitido que os seus profissionais tenham os únicos a ficar privados dos seus 3 ou 4 euros deste mês. Logo eles, médicos e enfermeiros hoje por hoje a tropa de elite do país que a nação aplaude... Mas digo que é mais um tiro no pé do Ministério de Marta Temido!
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