Continua o desfile de caloteiros - a expressão é do Ricardo Araújo Pereira - na Comissão Parlamentar de Inquérito ao Novo Banco, na Assembleia da República. Para esta semana está previsto o de Nuno Vasconcellos - o génio dessa mirabolante On Going - em modo virtual. Porque será via internet, e porque ninguém sabe se acontecerá. Até porque, sabe-se, a internet falha muitas vezes.
Depois do outro, que só tinha um palheiro, este só tem uma mota de água. Origens...
Nem só de caloteiros se faz esse desfile. Por lá também continua a desfilar gente dita de boas contas, o que não quer dizer de bons exemplos. Gente idónea para ser governador do Banco de Portugal. O último, Carlos Costa, passou por lá ontem em registo de vendedor de fruta. Do pregão só se percebe a parte em que diz que não tem culpa nenhuma. De nada.
Tudo aconteceu assim porque o cesto tinha fruta podre, e nunca encontraria cliente suficientemente generoso para pagar a fruta toda ao preço da boa. Por isso teve que fazer descontos... Ficava-lhe bem dizer que foi ele quem deixou a fruta podre no cesto, misturada com a boa. E ainda melhor lembrar-se que nos apresentou o cesto como todo ele fruta boa e rijinha. E que isso é aldrabice!
E que, ou é ignorância ou é dolo, desconhecer que não é preciso muito tempo para que a fruta podre comece a apodrecer a boa. Mas ele espera que a gente lhe perdoe. Afinal o negócio dele não é fruta. É bancos.
E como não percebe que a fruta podre contamina a boa, também percebe que aí já não tem desculpa!
Hoje já se sabe que, por vontade do Banco de Portugal, nunca virá a chegar ao conhecimento público. Nem ao do governo, nem ao dos deputados. Se não for obrigado por ordem judicial, o Banco de Portugal nunca permitirá a sua divulgação para fora do restrito meio dos reguladores e do Fundo de Resolução que, pelo que se vai percebendo das entrevistas do presidente do Novo Banco, é visita da mesma casa.
Já vi escrito que este era apenas o primeiro episódio do capítulo das incompatibilidades apontadas à nomeação de Mário Centeno. Expressei aqui várias vezes, em diversas circunstâncias, que a transferência de Centeno do Ministério das Finanças para o Banco de Portugal não era sequer aceitável, pelo que estou bastante à vontade para contrariar este tese.
Não. Não é por Mário Centeno vir do Ministério das Finanças que o Banco de Portugal não autoriza a divulgação do Relatório. É apenas porque, como o seu antecessor, é governador do Banco de Portugal. E no Banco de Portugal é assim. Não é de agora. O Banco de Portugal sempre recusou a divulgação de todas as anteriores auditorias desde 2014.
A justificação é a mesma de sempre: "sujeito a dever de segredo". A carta de recusa do pedido do grupo parlamentar do Bloco de Esquerda, assinada pelo secretário geral do Banco de Portugal, conclui muito simplesmente que "não se encontrando verificada nenhuma das circunstâncias legalmente previstas que determinam o afastamento do referido dever legal de segredo, o Banco de Portugal encontra‐ se impedido de proceder ao envio".
É sua majestade o segredo bancário. O mesmo que impede a divulgação da lista de devedores. O mesmo que há-de sempre, nalgum ponto, impedir que se siga o rasto do dinheiro. É o que tem que ser... E - como se diz - o que tem que ser tem muita força.
Mário Centeno não faz, nem nunca faria, diferente. Poderá acertar mais nas decisões que tiver de tomar que o seu antecessor. Mas, mesmo que isso já faça muita diferença, é só isso!
Uma semana depois do deputado da Iniciativa Liberal a ter anunciado, o Supremo Tribunal Administrativo recusou a providência cautelar à nomeação de Máio Centeno para a governação do Banco de Portugal, dizendo o que só poderia dizer:
“Ainda que se pudesse censurar eticamente toda a situação de facto invocado pelo requerente, na realidade não deixa de estar em causa, perante a lei, um ato político, sem que esteja em causa a censurabilidade de qualquer questão de legalidade relativa ao mesmo". Obviamente!
Tão óbvio que deixa a iniciativa da Iniciativa ao nível da brincadeira. Para não dizer má-fé!
Chegou ao fim o (segundo) mandato de Carlos Costa, que ficará como o mais polémico governador do Banco de Portugal. A seu respeito não surgem opiniões favoráveis ou juízos positivos ao seu desempenho ao longo de 10 anos à frente do Banco Central, seja de que quadrante for.
Confirmado para o segundo mandato por Passos Coelho a poucos dias das eleições de 2015, já depois do que fora todo o desastre do BES e o cataclismo que foi a resolução, em condições nada escrupulosas, Carlos Costa foi sempre um governador hesitante e sem qualquer capacidade de antecipação, limitando-se a acompanhar as desgraças que ora lhe surgim, ora ele próprio provocava.
Ainda hoje, e a propósito da falta de escrutínio aos negócios que levam às perdas que determinam as sucessivas injecções de dinheiros públicos, é manchete no Público que o "Novo Banco perde 329 milhões de euros em venda a Fundo ligado ao seu chairman".
E começa o de Mário Centeno. Mal!
Não começa mal por não começar hoje, mas apenas no início da próxima semana, depois de abandonar a liderança do euro-grupo. E isso obrigar também Carlos Costa a mais uns dias extraordinários. Nem porque Mário Centeno não tenha preparação para o cargo. Nem porque seja proibido, era só que faltava: insistir em ocupar um lugar para que estava impedido.
Mário Centeno diz que não conhece país algum que proíba por lei a transição de um ministro das finanças para a governação do seu banco central. Acredito que não conheça, como acredito até que não haja. Por duas razões muito simples: em países onde valha tudo, se vale tudo, não se proíbe. Nos países onde a regulação e a independência são levados a sério, isso é tão óbvio que nem é preciso ser proibido.
E que não é a primeira vez que por cá acontece. É verdade. Já aconteceu uma vez, num dos governos de Cavaco Silva. Que talvez não seja o melhor dos exemplos no funcionamento das instituições.
Tudo e apenas argumentos de falta de exigência e da transparência que têm de ser indiscutíveis nas instituições de regulação de um regime democrático num Estado de direito.
E isto não carece sequer de demonstração. É intuitivo. Acho eu...
Mantendo o registo na metáfora do futebol pode dizer-se que António Costa e Mário Centeno acordaram as condições da rescisão e, como sucede quando os presidentes reafirmam a confiança nos treinadores, Centeno foi ontem despedido. A prazo. Sim, não há só contratos a prazo, também há despedimentos a prazo.
Não sendo naturalmente conhecidas as condições de rescisão acordadas, há no entanto uma certeza. É que o orçamento suplementar, e o fim de dois mandatos - os do governador do Banco de Portugal e do presidente do eurogrupo - têm encontro marcado na mesma estação do calendário, algures ali por volta de Junho -Julho.
E esta certeza dá como certo o prazo. Com o comunicado divulgado, esta certeza dá como certa a indemnização: o lugar de Carlos Costa no Banco de Portugal. Que não é menos que absolutamente lamentável!
António Costa aproveitou o debate quinzenal de ontem no Parlamento para anunciar a guia de marcha a Carlos Costa: "no final do mandato do governador, o governo exercerá a sua competência e designará um novo governador” - disse, numa resposta a Catarina Martins.
Não há aqui novidade nenhuma, Carlos Costa foi claramente o pior governador do Banco de Portugal de sempre. Não tem nada de subjectivo, são os resultados que o dizem. São as dezenas de milhares de milhões de euros que nos saíram do pêlo que fazem dele o pior de sempre. São as catastróficas resoluções dos BES e do BANIF, foi e é o desastre do Novo Banco, são as permanentes suspeitas de lavagem de dinheiro, são mentiras e contradições, e é a própria gestão interna do Banco de Portugal, onde não faltam acusações, como a anulação de um concurso para director do Gabinete de Estudos, só porque foi ganho por quem ele não queria que fosse ganho. Por acaso, na altura, Mário Centeno!
Se já a sua recondução, em 2015, fora escandalosa - pelo seu desempenho e por Passos Coelho o ter feito em final de mandato, a escassos dois meses das eleições - nova confirmação nesta altura seria simplesmente impensável.
Nada a apontar portanto ao primeiro-ministro. Nem na decisão, nem na sua comunicação. Outra coisa bem diferente seria se, para a sua substituição, tivesse na cabeça, como corre por aí, o nome de Mário Centeno.
Poderá não ter. Mas não custa nada a admitir que tenha tido. Sabe-se que tentação é grande. Quem se lembra de Vitalino Canas para o Tribunal Constitucional é capaz de se lembrar de tudo. Mas até por isso, pela lição que daí terá de tirar, é impossível que António Costa continue a pensar no ministro das finanças para substituir Carlos Costa.
Já que não é possível tomar decisões por razões de Estado, e pela observação dos princípios fundamentais que devem reger as instituições do regime, que seja ao menos por pressão da opinião pública...
Sem surpresa, o Luanda Leaks volta a mostrar-nos a verdadeira face das nossas elites e das nossas instituições. De repente, percebemos que tudo o que todos nós, simples cidadãos comuns, há muito tínhamos percebido, é uma enorme surpresa para quem tem por responsabilidade tomar conta disto.
Portugal constituiu uma plataforma decisiva no processo de enriquecimento ilícito e despudorado de Isabel dos Santos. Lavando-lhe, por um lado, o dinheiro e dando-lhe, por outro, credibilidade internacional. Todos sabemos como o país se pôs de cócoras perante o dinheiro da elite corrupta angolana, é coisa tão recente que nem é preciso apelar à memória. O país precisava de dinheiro, e sabe-se como, em Portugal, a necessidade de dinheiro corre em sentido contrário ao da vergonha. Quanto maior é a necessidade de dinheiro menor é a vergonha!
Por isso, os que ajudaram Isabel dos Santos a lavar o dinheiro e a imagem, e que foram os facilitadores da sua projecção internacional, vendendo uma história de sucesso em vez de mais uma história de corrupção num país africano pobre, são os mesmos que hoje suspiram ais de preocupação ou anunciam aos sete ventos o corte de relações comerciais.
Curioso é que, por exemplo, o Banco de Portugal (sempre o Banco de Portugal!), para além de nunca se ter preocupado com a origem dos capitais que cá chegavam, nunca tenha encontrado qualquer problema no facto do banco de Isabel dos Santos ser presidido pelo ministro das finanças que lho entregou nas condições que todos nos lembramos. Ex-ministro que ontem foi dos primeiros a anunciar o corte de relações com a patroa, sem que ninguém saiba muito bem o que isso quer dizer...
Esta semana o Banco de Portugal presenteou-nos com mais um dos seus “tesourinhos deprimentes”, a lembrar-nos as rábulas do(s) saudoso(s) Gato Fedorento. Depois de ter finalmente entregado a lista com as 128 entidades incumpridoras, que nos obrigaram a sair em resgate dos bancos, uma mão cheia de nada que nos deu a saber coisa nenhuma, o Banco de Portugal montou um espectáculo de stand up comedy .
Mais ou menos assim:
- Então é esta a lista dos caloteiros, quer dizer, dos grandes devedores da banca?
- Sim, mas sem nomes. Os nomes são sigilosos.
- É possível, mesmo assim, fazer alguma leitura dos números?
- É. Mas é preciso muito cuidado, porque são coisas muito complexas!
- Mas … os dados revelados, ao menos estão certos?
- Sim, mas se não estiverem a responsabilidade é dos bancos, deles próprios.
- E a informação divulgada, é suficiente?
- Quem definiu o que devia ser divulgado foi o Parlamento.
- Então, e para terminar, agora que ninguém nos ouve: o Berardo não deve nada, ou é o 12 e deve aquilo tudo?
- Essa é uma das coisas muito complexas…
- Percebemos. Obrigado! Estamos agradecidos e esclarecidos…
Finalmente, depois de negas e mais negas, que até obrigaram a fazer leis para o efeito, depois do consentimento final e, depois disso e disso tudo, depois mais fintas e jogadas de cintura, em mais meses de espera, o Banco de Portugal lá entregou no Parlamento a lista dos grandes devedores à banca. A lista daqueles que nos obrigaram a trabalhar uma década inteira para os bancos, e que temos o direito de saber quem são.
Ficamos finalmente a conhecê-los, um a um. E não deixamos de ficar surpreendidos. Por exemplo, falava-se do malandro do Berardo quando, na verdade, como o próprio garantira na Assembleia da República, ele não deve nada. E o maior devedor da CGD é afinal o 012, esse sem vergonha.
Do 086 e do 029 já há muito que se desconfiava. Aqueles iates ... não podia ser... Mas, francamente, quem diria que o 040 não era de boas contas?
Vítor Constâncio não se lembrava de nada, e não percebia que ninguém percebesse que era normal não se lembrar de qualquer coisa que se tenha passado há tantos anos. Há 12, podemos ajudar... Como podemos ajudar lembrando que, em causa, estava a tomada de uma posição qualificada no maior banco privado português, integralmente financiada pelo banco público. No montante de 350 milhões de euros... E que isso implicava uma avaliação de idoneidade do investidor, um juízo de sensibilidade sobre a operação de crédito, e uma avaliação das garantias prestadas...
Podemos ainda dar uma ajuda de memória de contexto relembrando que, muito pouco tempo depois, o presidente do banco público que aprovou a operação, passou a presidir ao banco privado objecto de tomada da posição qualificada.
Depois destas ajudas de memória certamente que também já Vítor Constâncio percebe que não se percebe que não se lembre. E se calhar até já percebe que, ter estado ou não presente na Reunião do Conselho de Administração do Banco de Portugal "que decidiu não objectar" à participação qualificada da Fundação Berardo no capital do BCP, não contribui nada para perceber o que ele pretensamente não percebia que não se percebesse.
Francisco Assis garante que Vítor Constâncio é um homem sério. Será! O problema é não perceber que, nesta altura, ninguém se esquece da mulher de César...
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