Parece macabro, mas é verdade. Quando Carlos Costa vem dizer que o BCE foi para além daquilo que propusera está apenas a confirmar essa verdade. O resto é jogo de palavras.
Depois de Carlos Costa ter ido dizer à Comissão Parlamentar de Inquérito dizer que não tinha culpa nenhuma no que nos aconteceu com o Banif. E de Maria Luís Albuquerque, logo de seguida, lhe ter seguido as pisadas, que também não, que nem por sombras tem alguma responsabilidade naquilo, foi a vez de Mario Centeno desdizer isso tudo. E desancar de alto a baixo em ambos.
Mais esclarecedor não pode ser. Agora é só esperar pelo Relatório, que vai dar no mesmo. Por entrepostas pessoas, à medida da representação parlamentar das mesmas teses.
Mario Draghi veio cá ao Conselho de Estado - orgão consultivo do Presidente da Repúbica, é bom não esquecer - explicar o que os mails (que ordenaram a venda do Banif ao Santander) já tinham explicado: quem é que manda. Ao que parece, de forma menos cuidada. Ou mais arrogante, como se queira...
As declarações prestadas ontem por Jorge Tomé - repito o que aqui já afirmei: um homem profundamente sério e um profissional altamente competente - na Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o Banif não podem cair em saco roto. Têm que ter consequências. Não sei quais, mas sei que não são simples declarações de oportunidade numa entrevista qualquer: são declarações numa Comissão Parlamentar de Inquérito, que tem de servir para muito mais que aquilo que outras têm servido: responsabilizar, desresponsabilizando.
A notícia da TVI, que deu a machadada final na liquidez do banco, (in)directamente ligada ao Santander, accionistas da também espanhola Prisa, dona da Media Capital, não pode ser deixada em paz. A alegada campanha do Santander na ilhas para que desviar depósitos do Banif, alegando o encerramento do banco, associada às conhecidas imposições da UE, serve para confirmar que, no Banif, há Santander a mais. Como, e ao contrário do que se quer fazer crer, há também governo (de Passos) a mais. Há governo a mais quando Jorge Tomé afirma que o Banco de Portugal tirou o tapete ao Banif logo a seguir às eleições de 4 de Outubro. Mas há muito governo a mais em tudo o que quis que parecesse governo a menos...
O meu amigo Jorge Tomé disse ontem que lhe parecia que o Banif, a que presidira, tinha sido usado como moeda de troca. Que parecia que há muito estaria prometido ao Santander...
Não disse mais - o Jorge Tomé para além de extraordinariamente competente, é incondicionalmente institucional. Mas nós podemos especular. Ou nem tanto: apenas lembrar a velha estória dos Swaps da Maria Luís. E vem-nos à memória que a coisa com o Santander era um bocado complicada...
Moeda de troca, Jorge. Bem lembrado... Também há quem diga que uma mão lava a outra...
Depois do que fez - e não fez - com o BES e com o Banif, e dos milhares de milhões que tudo isso custou, custa e vai continuar a custar aos portugueses, o governo de Passos Coelho, há poucos meses e em cima das eleições, reconduziu Carlos Costa na governação do Banco de Portugal. Desde então, falhou a venda do Novo Banco, fez explodir o Banif e, para capitalizar o Novo Banco, não hesitou em deitar a mão a dois mil milhões de obrigações seniores detidas por investidores institucionais, decisão estrategicamente muito arriscada, para não dizer completamente errada, e de duvidosa legalidade, para não dizer muito provavelmente ilegal, como aqui se deu conta no final do ano passado.
Claro que os atingidos não acharam graça nenhuma à brincadeira e, primeiro que tudo - quer dizer, primeiro que a inevitável litigância, ameaçam não financiar mais bancos portugueses, com sérios riscos de o mercado fechar as portas à banca nacional.
Admitia-se, e outra coisa não era de esperar, que tinha sido uma decisão concertada com o governo e respaldada no BCE. Nada disso: primeiro - mas mesmo assim tarde, apenas depois das reacções internacionais - foi o governo a vir dizer que estava frontalmente contra a medida; e logo depois o BCE veio deixar claro que não apoiou aquela decisão, remetendo-a para a exclusiva responsabilidade do Banco de Portugal.
Como - a não ser em condições muito excepcionais, que nem a excepcional gravidade das asneiras de Carlos Costa contemplam - não se pode demitir o governador do Banco de Portugal, tem que ser o governador do Banco de Portugal a demitir-se. Obviamente... demita-se Sr Carlos Costa! Sabemos que se ganha muito bem, bem mais que o congénere americano, mas também sabemos que as reformas do Banco de Portugal não são nada más...
Ia já alta a noite de domingo quando, de repente, o primeiro-ministro nos entrou casa dentro. Não eram horas para boas notícias, as boas notícias têm outras horas. E para a mensagem de Natal era cedo, e tarde, ainda pela hora.
Disse logo ao que vinha, mesmo que começando por simplesmente dizer que o Banif tinha sido vendido. Sabia-se que as propostas de compra tinham sido entregues, como teriam de ter sido, até sexta-feira. Tão rapidamente notícias da venda, não podiam ser boas …
António Costa não disse muito, e pode até dizer-se que nem precisava. Lembramo-nos logo que a meados de Outubro, no meio das reuniões com a coligação PaF, numa entrevista TVI, tinha dito que em “cada nova reunião deixavam cair uma nova surpresa desagradável”. Questionado se vinha aí algo de “grande gravidade económica”, António Costa respondeu que sim. E disse ainda que havia “um limite para a capacidade do Governo omitir e esconder ao país dados sobre a situação efectiva e real em que nos encontramos.” E lembramo-nos também que, logo no dia seguinte, Assunção Cristas foi à mesma TVI chamar tudo a António Costa, acusando-o de “falta de seriedade e honestidade intelectual” e desafiando-o a concretizar, mas isso só nos ajuda a lembrar que o anterior primeiro-ministro garantia que os dinheiros públicos não só não estavam em risco como ainda estava a render bons juros.
O primeiro-ministro não precisou mesmo de nos dizer mais nada para rapidamente ficarmos a saber que a incompetência e a irresponsabilidade de banqueiros e políticos nos iria custar mais três mil milhões de euros. Que cada família portuguesa vai ser chamada a mandar mais mil euros para este poço sem fundo em que se tornou a banca portuguesa.
E é aqui, neste poço sem fundo, que, a meu ver, vamos encontrar os maiores motivos para a acusação ao anterior governo.
Há evidentemente razões de sobra para acusar o governo anterior de irresponsabilidade e incompetência no estouro do Banif, que nem sequer tem nada a ver com o que se passou no BES: não houve manipulação de informação, nem suspeitas de práticas criminosas. Os auditores avisaram a tempo e a própria Comissão Europeia deu prazos para ser encontrada a solução. O governo sabia que, não fazendo nada, como não fez, se iria chegar exactamente aqui.
Mas é na forma como este governo conseguiu passar estes decisivos quatro anos e meio, exclusivamente preocupado em cortar, privatizar e cobrar impostos, e sem tocar em nenhum dos grandes problemas do país, que reside a fatia maior da sua irresponsabilidade e incompetência. Entre eles ressaltam a reforma do Estado e a do sistema financeiro. Devolveu inclusivamente metade dos 12 mil milhões de euros do fundo de resgate lhe reservara, fazendo de Portugal o único país da Comunidade que não resolveu os problemas do seu sistema financeiro. E dos portugueses os mártires da banca.
É hoje notícia, no dia em que será aprovado o orçamento rectificativo que vai acomodar a factura, que o Ministério Público está a analisar a situação do Banif. Que não recebeu qualquer participação, mas que está a analisar "os elementos que têm vindo a público relacionados com a situação do Banif".
Gostaríamos que sim. E que chegasse a conclusões. E que tivesse mão pesada...
Mas sabemos que, mesmo com pessoas como Horta Osório chocadas a clamar por responsabilização, não será assim. E que nem sequer nunca saberemos quem ficou com o dinheiro, quem da gestão aprovou o quê, quem da supervisão negligenciou... Nunca saberemos quem, um a um, aproveitou daquilo que nos é agora exigido que paguemos.
Sabemos é que aquele senhor que se está a despedir de Belém, e a distribuir comendas à pressa, aproveitou justamente esta altura para, depois de Rocha Vieira, condecorar Alberto João Jardim.
Em Espanha, o PP de Rajoy, dos negócios e das negociatas, ganhou as eleições. Não se sabe de que lhe serve, mas para já serviu para fazer de conta que ganhou alguma coisa. Não se sabe bem o quê.
Nada que se não tivesse passado com os seus amigos cá deste lado. Passos Coelho, que não teve uma palavra para dizer aos portugueses sobre o Banif que nos deixou, já correu a dizer que espera bem que os espanhóis deixem governar quem ganhou as eleições. Sobre o Banif é que... nada. Empurrou para a frente a atabalhoada Maria Luís e escondeu-se atrás dela.
A TVI, há precisamente uma semana, com uma notícia falsa, apressou o afundanço do Banif. E com isso deixou-o mais enfraquecido e mais vulnerável no processo de venda que estava em curso e sob forte pressão de calendário. Não se sabe que proveito disso terá tirado o Santander, mas sabe-se que o banco espanhol ficou com o lombo limpinho do Banif, com activos acima da dezena milhar de milhões de euros, por uns meros 150 milhões. Do resto, de tudo o resto, mandaram-nos a factura. E sabe-se que a TVI é detida pela espanhola PRISA que, por sua vez, é participada pelo Santander.
Se calhar estas coisas não têm nada a ver umas com as outras... E de Espanha só vêm mesmo bons ventos!
Está resolvido o problema do Banif, em modo misto BES/BPN... O Santander Totta vai ficar com a parte boa da exploração do negócio do banco, com a rede de balcões e com o pessoal por 150 milhões de euros.
Esta é a parte boa das notícias do tal dinheiro que Passos Coelho dizia que estava a render. Disse-o em plena campanha eleitoral, quando há muito sabia que o banco teria de ser vendido até ao final do ano. Fazendo as contas aos 700 milhões de euros que o governo de Passos Coelho lá meteu em capital, e aos 125 que, dos 400 milhões de empréstimos, estavam em atraso, diríamos que nos tinham saído na rifa mais quase 700 milhões. A pagar por nós, com os nossos impostos...
O pior é que há mais 2.255 milhões de euros de activos tóxicos - eufemismo para a massa com que alguns se abotoaram - para juntar à rifa que nos saiu. Tudo o que fica no banco mau - sim, a moda veio para ficar - de que o Estado - todos nós - vai pagar 1.776 milhões e o fundo de resolução - todos os bancos do sistema - os restantes 489 milhões de euros. De que a Caixa Geral de Depósitos, que também nos toca, tem a parte maior.
É esta a nossa sina. É disto que é feita a nossa vida... Mas é bom que se diga, e que todos entendam, que pagamos a taluda do BES porque a propaganda de Passos e Portas não quis que nada perturbasse a saída limpa. E que agora pagamos a do Banif porque a mesma propaganda, e a propaganda dos mesmos, não quis que nada perturbasse a campanha eleitoral que os devia levar a mais quatro anos de governação. Tóxica!
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