Fugiu - em legítima defesa, diz ele. Não há fugas legítimas, mas há fugas permitidas. Esta foi uma delas, curiosamente dada a conhecer no dia em que voltava a ser condenado a mais uma pena de prisão efectiva. Ainda não é desta que um banqueiro é preso em Portugal, depois de tudo o que se tem visto que tantos fizeram.
O mais chocante é que se trata uma fuga anunciada. E pelo próprio. Mas nem isso levou a Justiça portuguesa a achá-la provável, e a determinar medidas para a evitar. E para evitar mais um passo gigante na sua própria descredibilização. Mais um, apenas mais um!
No dia a seguir ao Natal as notícias costumam ficar-se pelo rescaldo das festividades e pelos números – sempre dramáticos - da operação da brigada de trânsito da GNR. Desta vez poderiam passar ainda pela mensagem natalícia do primeiro-ministro, exclusivamente dedicada à Saúde, até porque as cheias já aconteceram há muito tempo, e são assunto arrumado pelo ministro do Ambiente, e entrar directamente na intrujice.
Mas como intrujice é coisa que por cá não falta, a notícia do dia foi outra. É revelada por um jornal diário e diz que um banco pagava 2 mil euros por mês à mulher do seu presidente, que não era funcionária nem prestava qualquer serviço ao banco.
O rumor correu muito tempo pelos corredores do banco, e acabou por chegar ao Banco de Portugal. O banqueiro, que primeiro se achava apenas vítima de perseguição e de calúnia anónima, viria a confirmar tal situação numa carta, justificando que esse era o preço a pagar à mulher pela estabilidade emocional que lhe garantia, indispensável ao seu bom desempenho. Que a mulher era o seu fator de equilíbrio, que era professora e abandonara a profissão para se dedicar em exclusivo à tarefa de velar pelo seu equilíbrio emocional, e que tinha colocado essa condição quando tinha aceitado a presidência do banco.
No que toca a remuneração de banqueiros já nada nos surpreende. Estamos habituados a tudo, de remunerações milionárias a pensões pornográficas. E normalmente perdoamos-lhe tudo, mesmo quando acabamos por perceber que afinal somos nós sempre a pagar isso tudo.
Só que a “estória” não acaba aqui. O homem terminou o seu mandato, bem-sucedido certamente, e foi no mês passado reeleito para um segundo. A circunstância motivou uma entrevista a uma estação de rádio e a um jornal durante a qual, questionado sobre a subvenção da mulher, negou tudo. Negou o que afirmara por escrito e até que o tivesse feito, e garantiu mesmo que a mulher era professora e que nada tinha a ver com o banco.
Apanhado, não deu mais respostas. E foi então fonte oficial do banco a vir a público garantir que o seu presidente se referira apenas à situação no seu atual mandato.
É isto. São estas as elites que temos… e é nesta intrujice que vamos vivendo. E parece que já nem se pode dizer que a falta de vergonha desta gente é uma vergonha. Mas é mesmo!
Os vencimentos da nova administração da Caixa Geral de Depósitos voltaram à ordem do dia, e prometem algumas fissuras no edifício que alberga a propalada geringonça.
O tema não é novo. Nem pacífico, sabendo-se que o novo responsável máximo da Caixa – o CEO como agora se diz – não exigiu apenas um salário confortável, ao nível do melhor que se pratica na praça, logo a seguir ao que pagam BPI e Santander Totta, e acima de todos os restantes. Mas sabendo-se também que apenas aceitou o cargo depois de ver garantidas as condições de sucesso, designadamente de capital, que lhe permitam atingir os objectivos que lhe possam garantir os ainda mais chorudos prémios.
Não admira que o Bloco tenha declarado inaceitáveis esses “salários milionários”, e que não dará o tema por encerrado. Nem que o PCP tenha levado ao Parlamento, à Comissão de Orçamento e Finanças; uma proposta para limitar as remunerações dos gestores. Se calhar não admira que tenha sido prontamente chumbada pelos votos do PS e do PSD, mesmo que admire que o CDS tenha votado a favor, ao lado dos partidos do lado esquerdo de geringonça. Ou que o Presidente da República se tenha juntado ao coro de protestos, mesmo depois de ter promulgado o diploma que o governo já fizera à medida das exigências do novo “patrão” da Caixa.
Nada disto deixa de ser engraçado. Mas, graça mesmo, têm as justificações do primeiro-ministro. Poderia simplesmente dizer que os gestores bancários constituem um mundo à parte. Tão à parte que destroem bancos e ainda recebem prémios por isso. Mas, não. Teve de dizer que têm de ganhar bem para que não sofram pressões do accionista.
Sei que são sempre os mesmos que comem, e sei que não fazem ideia do que é a moral... E que a vergonha há muito que também fez as malas e desapareceu deste país!
Há seis meses, com o governo a acabar de refinanciar a banca, em plena lua-de-mel, a austeridade não era problema. Interrogando-se se o país aguentaria mais austeridade, os banqueiros não hesitavam na resposta: "ai aguenta, aguenta" - dizia Ulrich, sem complacências.
Na semana passada, no entanto, os banqueiros já vinham a terreiro, por Ricardo Salgado, dizer que não. Que o país já não aguenta mais austeridade!
Poderá o leitor achar que é normal. Foi descoberto o tal erro na folha de Excel de que Vítor Gaspar tinha feito o (in)devido uso, e finalmente está toda a gente, António Borges incluído, convencida que a insistência na austeridade não leva a outro lado que não o aprofundar da espiral recessiva. Até Durão Barroso já descolou da austeridade, e fez já mea culpa.
Até poderá ser que assim seja, que os banqueiros tenham visto passar esta carruagem e decidido embarcar nela. Para não perder este comboio. Mas fico com a ideia que não foi esta a carruagem que avistaram, nem era este o comboio que não queriam perder.
Sabe-se como se trata de gente que cheira, melhor que ninguém, o apodrecimento do poder. E que perante esse cheiro é ágil e rápida em tudo o que possa precipitar os acontecimentos. Bem nos lembramos que Sócrates atirou a toalha ao chão precisamente depois de os ter recebido na véspera!
Claro que o governo, sempre pouco hábil nestas coisas, deu um bom pretexto quando decidiu incluir a banca, logo a seguir ao Tribunal Constitucional, no lote dos responsáveis sobre quem sacode a água do capote. Passos Coelho – mais uma vez bem acolitado por António Borges, que tomou para si, veja-se bem, as dores do ataque à banca - pretende que o governo tudo faz para que a economia cresça, só que a banca, fechando-se ao crédito, não deixa. E de tudo tem feito para pressionar os bancos a abrir os cordões à bolsa, esquecendo-se que o poderia ter feito sem se expor a este ridículo se tivesse incluído nos contratos de recapitalização qualquer coisa a esse respeito.
Toda a gente percebe que não há crescimento porque não há investimento. Nem consumo. E não porque não haja crédito. Crédito para quê?
É evidente que nas condições actuais da nossa economia as empresas não precisam de crédito para fazer crescer o seu volume de negócios. Precisarão dele eventualmente para financiar prejuízos e fundo de maneio, penalizado pela degradação das suas próprias cobranças, para se aguentarem, para não fechar portas… Ora, o crédito bancário – que procuram nessas circunstâncias já depois, como bem se sabe, de ter esgotado o dos seus fornecedores e de lhe ter agravado também as dificuldades – não deve servir para isso. É que isso chama mais por capital que por crédito... E é bem compreensível que, depois de tudo o que se passou, a banca não pretenda entrar por aí…
O resto é demagogia. E o governo – e António Borges (tem sempre que se falar assim, porque ele é governo sem ser do governo) – faria bem melhor se, em vez de se perder em demagogias e à procura de desculpas, fosse directo ao assunto. E ir directo ao assunto é, nesta matéria, pôr rapidamente o Estado a pagar as suas dívidas. É fazer com que o Estado deixe de ser o maior caloteiro do país, e passe a pagar a tempo e horas. Depois, bem … depois é traçar uma política de crescimento económico porque, de austeridade, o país não precisa mais. O Estado precisa, o país não!
Nem é preciso nenhum estudo especial. Basta olhar para a política fiscal: está lá quase tudo!
De repente, no último dia do ano e pela calada da noite, o governo de Passos e Gaspar, que tudo quer privatizar, nacionalizou um banco. O governo, que desesperadamente à procura de dinheiro nos vai aos bolsos de toda a maneira e feitio, e que de tesoura em riste corta em tudo o que seja despesa de saúde e afins – o SNS é insustentável, não é? - de repente agarra em 1.100 milhões e compra um banco!
Acabou afinal em mais do triplo e num montante bem acima dos capitais próprios do banco…
É uma espécie de privatização da RTP ao contrário: o Estado entra com a maioria do capital mas fica com a minoria. Na privatização da RTP o Estado cede 49% … e a gestão. Agora, no BANIF, adquire 49% sem a gestão!
Quer dizer: nacionaliza e privatiza em simultâneo! E isso custa-nos 1.110 milhões de euros. Por enquanto…
Acompanhei mais uma entrevista de um banqueiro. Desta vez foi Nuno Amado, o presidente do BCP, na TVI 24.
Que, também ele, fale como um banqueiro e que digam todos o mesmo não surpreende. O que surpreende é que agora todos falem do Tribunal Constitucional. Ao que dizem, o diabo que agora ameaça dar cabo do país!
O que surpreende é que, quando toda a gente, de todos os quadrantes – sejam eles quais forem – já se pôs de fora das opções políticas e económicas do governo, os banqueiros permaneçam firmes e hirtos na defesa desta política de destruição da economia que o governo prossegue. E que, eles e apenas eles, não poupem elogios ao ministro das finanças!
Por que será? Estranho, não é?
Ah! Já sei: se calhar é por isto. Se calhar é porque é muito interessante ir buscar dinheiro ao BCE de borla e aplicá-lo na dívida pública às taxas de juro dos malandrosdos mercados. Se calhar é porque se a política fosse outra, e como o dinheiro não estica, para financiarem a economia não poderiam meter a mão no pote destas rendas. Sim, também os banqueiros gozam de rendas, não são apenas as EDP´s, as PT`s ou as grandes distribuidoras…
Ah! Percebo: os banqueiros são coniventes com este processo de destruição do país. Com tamanha lata que nem se preocupam em disfarçar um bocadinho…
Acompanhei a entrevista de Fernando Ulrich na RTP. Que fale como um banqueiro não surpreende ninguém. Também a hipocrisia não surpreende: embora não pareça rima com banqueiro.
Mas a lata surpreende. Nem é por dizer que as empresas portuguesas não têm falta de crédito, que têm é falta de capitais próprios e de mercados. Ou que o não há milhares de portugueses a ficar sem as suas casas, obrigados a entregá-las aos bancos. Que no BPI não acontece nada disso. Ou que a Banca não teve nada a ver com a decisão dos portugueses de comprar habitação, e que essa foi uma decisão exclusiva dos portugueses, por sinal a melhor que tomaram… É por dizer que o governo deveria pôr os desempregados a trabalhar – de borla, evidentemente – nas grandes empresas. No seu BPI, pois claro…
É preciso ter lata!
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