A reunião do Eurogrupo donde sairia a resposta europeia à devastação que a pandemia vai criando nos seus países ficou em nada. E só não acabou em nada porque está suspensa, está inconclusiva, não acabou ainda. Mas sabe-se que o melhor a que se poderá chegar é a activação dos meios do mecanismo europeu de estabilidade (MEE) com condições, mesmo que mitigadas, do que, pelo menos Finlândia e Holanda, não estão dispostas a abrir mão. E que esse melhor será dificilmente aceitável, particularmente para a Itália. Mas também para Espanha e Portugal.
É no entanto notória, pela primeira vez visivelmente notória, uma diferença de posições entre os órgãos que representam e vinculam da União e os que, na União, representam os países que a integram. Tivemos oportunidade de, pela primeira vez, percebermos claramente que a Comissão Europeia, da Senhora Van der Leyen, e o Banco Central Europeu, da Senhora Lagarde, têm uma visão europeia do problema, e que o Eurogrupo se guia pelos interesses particulares dos países, de cada país, com mais propriedade..
E é esta a contradição central da União Europeia, o nó górdio do bloqueamento da construção europeia. Que não se reduz à simples dimensão do tabuleiro do xadrez institucional da União. Antes fosse. Isso seria resolúvel, com maior ou menor dificuldade. Mas não é. O pior é que são na realidade os cidadãos europeus que bloqueiam o processo de integração que, evidentemente, não tem por onde progredir sem passar pelo federalismo. E este é o círculo vicioso que alimenta o nó: os cidadãos desconfiam da União e, por isso, não lhes dão condições para demonstrar que merece a confiança que lhe negam.
Não é por serem governados por gente ignorante, mal formada e egocêntrica que os países mais ricos do norte não querem partilhar coisa nenhuma com os mais pobres do sul. É apenas por democraticamente serem governados por políticos que precisam dos votos dos seus cidadãos para serem eleitos!
Alguém fez com que, ao fim de mais de meio século, as coisas chegassem aqui. E somos bem capazes de ficar surpreendidos quando começarmos a pensar nisto, a passar o filme atrás e a ver passar nas imagens muitos dos que nos habituamos a chamar grandes estadistas europeus.
Percebemos que o governo tinha de rapidamente anunciar qualquer coisa que pudesse ajudar-nos a pensar que o país não vai colapsar, e que vamos resistir a este primeiro embate com o monstro que anda à solta. Como começamos a perceber que anunciou uma mão cheia de nada, e que na realidade o governo apenas tratou de ganhar tempo, porque não havia tempo para perder.
Percebemos isto na sexta-feira à noite quando, estando anunciada uma conferência de imprensa para a hora dos telejornais para anunciar novas medidas - o que por si só já confirmava que as primeiras anunciadas, dois ou três dias antes, tinham apenas por destino satisfazer o tempo -, vimos que foi sucessivamente adiada (novamente o tempo) até, já noite dentro, ter acabado em ... nada a declarar. Nada a declarar, e nada a revelar que não o estado de exaustão da ministra Mariana da Silva, a quem nem a juventude valeu.
É claro que o governo está à espera da União Europeia, donde nada chegou até agora. Espera agora que alguma coisa possa vir da reunião do Eurogrupo, amanhã. Ironicamente presidido por Centeno.
É este o drama da (falta) liderança europeia. Quando tinha que haver uma voz a fazer-se ouvir, vemo-los todos a olhar uns para os outros, sem ninguém a perceber que nesta altura, hoje precisamente, a União Europeia só tem um caminho: reforçar-se, reforçando de vez e irreversivelmente, todos os mecanismos da união. Não há outro caminho, fora desse simplesmente desaparece.
Se a União não conseguir dar uma resposta colectiva a esta crise desaparece. E sem deixar saudades... Porque, se não serve para um momento como este, não serve para mais nada!
A primeira coisa que a Srª Lagarde fez foi dizer que isto não é problema do BCE. Depois emendou a mão, mas já o Banco Central Alemão tinha dito que sim senhor, assim é que é falar... E ficou dito. A Srª Van der Leyen veio dizer que suspendia as regras orçamentais, e que os países - nunca a União - poderiam gastar o que quisessem para enfrentar a crise sem quaisquer preocupações com o défice, como se não soubesse que os países não podem gastar dinheiro que não têm. E que não têm condições de pedir emprestado, como é o caso de Itália, de Portugal e até de Espanha.
A Srª Merkel - vejam bem, já é a luz ao fundo do túnel - veio dizer o óbvio, que a resposta, como o seu financiamento, têm de ser europeus. E abrir agora a porta às eurobonds. Que o seu Parlamento nunca autorizará.
Teme-se até que já não sejam a solução. Não há sequer tempo para preparar toda a legislação e de dar resposta a toda a carga burocrática que as ponha de pé. A solução estará apenas e só na injecção de liquidez do BCE: emprestando dinheiro directamente aos governos, através do Banco Europeu de Investimento (BEI), com protocolos de cobranças com as Autoridades Tributárias dos países, para não envolver os bancos (ainda em convalescença, é bom não esquecer) nisto; ou, eventualmente mais ajustado nesta altura, pondo as rotativas a trabalhar.
Provoca inflação? Sim, e ainda bem. Faz falta, como se tem visto.
Os alemães nem querem ouvir falar nisso? Nem nisso, nem noutra coisa... É para isso que servem as lideranças.
Reparem que só falamos em três líderes. Em três senhoras. Das três só conhecemos uma, e não gostávamos muito dela. As outras duas não começaram nada bem...
Ficamos a saber através de Marques Mendes - uns, logo na trasmissão em directo da sua homilia dominical na SIC, outros pelas onde de choque que provoca em todo o sistema mediático nacional - que a obcessão pelo plano B também atinge a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos.
Disse-nos este alcoviteiro dos domingos que o BCE enviou uma carta ao governo português, já há mais de um mês, a exigir um plano alternativo de recapitalização, para a eventualidade do plano apresentado - de capitalização pelo Estado, accionista único do banco público - não vir a ser aprovado pelas instâncias europeias. Curiosamente, o alcoviteiro que também é membro do Conselho de Estado, o que não deixa de ser outra curiosidade, passou por cima desta revelação a grande velocidade, como se estivesse a pisar uma braseira, para passar ás recomendações sobre a constituição da administração, da mesma referida carta. Que 19 é muito, quinze chegam bem. E que saibam do negócio, que tenham experiência em banca.
Não se percebe por que estas recomendações prenderam tanto a atenção de Marques Mendes: já toda a gente tinha dito que 19 administradores são administradores a mais; e que para administrar o maior banco português seja requerida experiência na banca é também do mais elementar bom senso. Para adminsitrar os maiores bancos mundiais é que não é preciso nada disso, como acaba de se ver com Durão Barroso...
O que se percebe, mesmo que o comentador e conselheiro de estado não queira que se perceba, é que o plano alternativo que o BCE reclama é a privatização da Caixa. A alternativa ao capital do estado é o capital privado. Este plano B é exactamente isso, é a alternativa que não deixa alternativa. Como, de resto, tudo o que é plano B que os exilados não páram de exigir aos usurpadores do governo.
Não importa que não haja capital para isso. Não há cá mas há noutro lado qualquer. E com tudo o que se tem vindo a fazer à Caixa para a desvalorizar, quaisquer que sejam os valores da recapitalização são suficientes para garantir uma posição maioritária de capital.
No último momento, à beira do precipício, quer dizer, mesmo à entrada da última hora do último dia, como num filme de suspense, os catalães do CaixaBank e a angolana Isabel dos Santos chegaram a entendimento. Fica cumprida mais uma ordem do BCE. No mesmo sentido das outras, mas certamente por mera coincidência...
O BPI fica a ganhar? Não. Ao perder a sua maior fonte de rendimento, só pode mesmo ficar a perder...
São os Moscovici, os Dijsselbloem, os Juncker e os Schauble deste mundo que obrigam Draghi a gastar os trunfos todos. Está aqui, está teso... Daqui a pouco não há mais trunfos. Mas também já não há mais jogo...
Há quem destrunfe para ganhar. Mas também há quem o faça por mero desepero, já quando o jogo está perdido. Às vezes é só mesmo arrear os trunfos.
Na imagem - a imagem do dia, do mês ou até do ano - da jovem a saltar para a mesa de Draghi o que é aterrador é o medo do patrão do BCE, face á aparente tranquilidade da expressão de Vitor Constâncio. Sabendo nós do tradicional medinho do português, imagine-se o estado emque terá ficado, no italiano, aquela coisa que tem quem tem medo...
Quando aqui me referi ao programa do BCE conhecido por QE (Quantitative Easing), chamando-lhe euromilhões, deixava em nota de graça - não era das notas de graça que o BCE vai imprimir - um alerta para as condições de rating que eram exigidas para acesso ao programa.
São tantas as pantominices que ouvimos do lado da propaganda oficial do governo, a começar na patética pirueta de Passos Coelho, e passando pelos saltos mortais de Portas e pelos passes de mágica de deputados, comunicadores e opinadores que constituem o spin governamental, que não poderia deixar de regressar a essa peqeuenina nota.
Uns dizem que isto só é possível pelos sacrifícios todos por que passamos, e que esta é a recompensa por esse esforço. Outros, que é possível porque reconquistamos a credibilidade externa. Outros ainda porque já cá não está a troika. Há ainda os que vêm dizer que só é possível porque atingimos um défice de 3%, o que nem sequer é verdade. Esse é o objectivo para este ano, não está atingido.
Pantominices à parte, Portugal só não ficou de fora deste programa do BCE porque há uma agência de rating, a canadiana DBRS que, ao contrário de todas as outras que contam (Fitch, Moddy´s, Standard & Poors...) classifica o rating da República Portuguesa acima de lixo, condição de acesso ao programa. Diz-se por aí que este rating desta agência canadiana já tem uns anos, e nunca foi mexido. Que é até anterior à tomada de posse deste governo!
Já eram pantomineiros. Agora ainda são excêntricos...
Em Frankfurt, Draghi anunciou o euromilhões, a basuca ou, mais prosaicamente, simplesmente lançou mão da última arma de estímulo monetário. Tarde, depois de já não ter por onde mexer nas taxas de juro, mas também superando as expectativas, anunciou um programa de compra mensal de 60 mil milhões de euros de dívida soberana (88%) e privada (12%), durante, pelo menos, 19 meses.
Em Lisboa, a Oi (e os outros grandes accionistas) levou a melhor sobre o país, os pequenos accionistas e até o Presidente da Assembleia Geral, na decisão de vender a PT à Altice.
Hoje sentem-se as primeiras consequências. Que não deixam de ser curiosas: as acções da PT valorizaram mais 20% (40% em dois dias) e, a contar já com a desvalorização do euro, anunciam-se aumentos dos combustíveis já para a próxima segunda-feira!
É quinta-feira, não é nem terça nem sexta, mas hoje é que verdadeiramnete é dia de euromilhões. Excêntricos há muitos, o problema é se há ratings que vão deixar muitos prémios por levantar...
Os que se encarregaram glorificar a resolução do BES, porque eles próprios não acreditavam que fosse uma boa solução, e muito menos a melhor, foram os mesmos que, pouco a pouco, começaram a soltar notícias que deram para perceber que a solução do governo e do Banco de Portugal não era afinal nem do governo nem do Banco de Portugal – era do Banco Central Europeu (BCE).
Sabe-se por isso hoje que, mais uma vez, fomos enganados e que governo e Banco de Portugal andaram afinal a assobiar para o lado, e mais não fizeram do que aquilo que o BCE exactamente mandou. Nada assim de tão estranho, porque não tem sido outra coisa que o governo tem feito: obedecer a ordens do exterior, custe o que custar, e não tomar iniciativa nenhuma!
Mas não se pode deixar de denunciar a hipocrisia que reina no país. Creio não correr grandes riscos de errar se afirmar que nunca na História de Portugal se viveu num clima de tamanha hipocrisia.
Repare-se: O Banco de Portugal apresenta uma solução que, num momento, acaba com a maior marca da banca privada que, poucos dias antes, dava como um banco garantidamente seguro e solvente. Que dois dias antes tinha apresentado resultados catastróficos – que toda a gente entendeu como consequência de uma estratégia ultra defensiva da nova administração, decidida a, olhando fundamentalmente para o seu próprio interesse, criar provisões sobre tudo o que mexesse – mas, ainda assim, com capitais próprios de 3,2 mil milhões de euros. O governo, que criou toda a legislação relâmpago para o efeito, começou por se pôr de lado, como se nada tivesse a ver com aquilo. Só depois de ter colocado todo o exército em acção nas televisões e nos jornais, a preparar o terreno, é que apareceu. Depois da contestação começar a surgir e de se terem começado a pôr a nu as fragilidades da solução, começam a soltar-se informações para sacudir a água do capote e salpicar o BCE. Que na comunicação de Carlso Costa ao país, fez ontem uma semana, tinha apenas cortado o crédito ao BES e, com isso, obrigado o Banco de Portugal à solução anunciada. Quando, uma semana depois, ontem mesmo, se vem a ter conhecimento que, de acordo com a Acta da reunião desse mesmo dia do Conselho de Administração do Banco de Portugal, o BCE tinha ainda obrigado o BES a devolver os 10 mil milhões de euros de crédito concedido, e que isso tinha obrigado o banco central a entregar ao BES, quer dizer, a meter no buraco 3,5 mil milhões. Acta que é divulgada por uma sociedade de advogados!
Para compôr este inacreditável ramalhete, Marcelo Rebelo de Sousa dizia ontem, na sua tribuna dominical, que a inside information - cuja suspeita se levantou aqui desde a primeira hora - teria origem nas instituições europeias...
Não há memória de tanta hipocrisia e de tanta aldrabice. Mas também de tanta incompetência!
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