Bem lá no alto das montanhas do Jura, onde o Tour nunca tinha chegado, a provar que nem só de Pirinéus e Alpes se fazem as grandes montanhas da Volta a França, conclui-se hoje com a 15ª etapa, entre Lyon e o Grand Colombier.
Foi uma segunda semana intensa, e com muita histórias, que fará a História do Tour deste ano.Foram seis etapas, onde apenas as duas primeiras foram decididas ao sprint, e ganhas por dois dos melhores desta edição: Sam Bennet, na primeira, a décima, e Cabel Ewan na seguinte. No resto foram fugas bem sucedidas, com vitória dos suíços Mark Hirschi (12ª) e Kragh Andersen (ontem, que se adiantou já muito próximo da meta); ou montanha, anteontem (13ª, ganha pelo colombiano Daniel Martinez) e hoje, provavelmente a etapa-rainha da prova, que deixou muita coisa para contar.
A etapa 13, anteontem, entre Châtel-Guyon e Puy Mary Cantal, já mexeu bem na tabela classificativa, com o miúdo Pogacar, o esloveno da Emirates, a subir do 7º lugar que trouxera dos Pirinéus para segundo. E com Romain Bardet, que era quarto, a sair dos 10 primeiros. Saber-se-ia depois que o francês fora mais uma vítima das incontornáveis quedas, sendo-lhe diagnosticada uma comoção cerebral já depois de concluir a etapa, pelo que já não alinhou à partida para a de ontem. Mais uma grande baixa no Tour.
A etapa de hoje, de grande dureza, foi de confirmação das suspeitas que andavam no ar. Suspeitava-se que os dois eslovenos, Pogacar, da Emirates, e Roglic, da Jumbo, eram os corredores mais fortes do pelotão. Que o colombiano Bernal estava longe de capaz de capaz de igualar os grandes feitos do ano passado, e que o também colombiano Quintana não estava muito melhor do que nos últimos anos, e longe, portanto, de poder recuperar tudo o que prometera em meados da última década.
Pogacar voltou a ganhar, seguido do seu compatriota Roglic, como há precisamente uma semana, na despedida dos Pirinéus. E Bernal "estoirou", e caiu pela classificação abaixo com grande estrondo. É agora 14º, a oito minutos e meio de Roglic. Quintana, dos corredores em prova a vítima maior das quedas, com pensos e ligaduras por todo o lado, também cedeu. Mas bem menos que o seu jovem compatriota, e é agora 9º, a cinco minutos do esloveno que vai de amarelo.
Vamos entrar da última semana, com os Alpes e o contra-relógio (também com uma subida acentuada), e ninguém aposta as fichas noutros que não os dois eslovenos. Roglic tem a seu favor o facto de estar num grande momento de forma. O problema é que esses momentos passam - por isso se lhes chamam momentos - e este já se prolonga há algum tempo.
E isso pode jogar a favor do miúdo de 20 anos. Inacreditável!
Acabaram as últimas pedaladas nos Alpes, amanhã serão as últimas deste Tour, em direcção à consagração final em Paris. À consagração do jovem Egan Bernal, com apenas 22 anos, da Ineos. O primeiro colombiano a ganhar o Tour!
Foram três dias em que aconteceu de tudo, nos Alpes. Tínhamos despedido dos Pirinéus, se bem se lembram, com Pinault como grande vencedor, e Quintana e Bardet como grandes vencidos. Pois... Logo no primeiro dia de Alpes, na quinta-feira, na 18ª etapa, a corrida foi deles. E não fizeram pouco: Quintana ganhou, depois de uma subida extraordinária, em que chegou a alcançar a liderança virtual. E Bardet foi segundo e conquistou a camisola da montanha, que conseguiu segurar e levar até Paris. E no dia seguinte, ontem, Pinault foi obrigado a abandonar, por lesão, depois de ter batido com o joelho ... no guiador. Veja-se bem.
O primeiro dia de Alpes teve uma corrida de loucos, cheia de golpes de teatro. Comecemos pelo fantástico ataque de Quintana que, como já referido, lhe chegou a dar virtualmente a amarela. E foi neste cenário que surpreendentemente vimos a sua equipa, a Movistar, na cabeça do pelotão a comandar a perseguição e a contribuir decisivamente para desfazer essa classificação virtual.
Nos Pirinéus tínhamos visto a Movistar a fazer um trabalho fantástico e Quintana a ficar para trás. Deixamos então aqui uma forte crítica ao corredor colombiano por ter tornado inglório esse esforço. Admitia que, se Quintana não estava em condições de tirar proveito desse trabalho, deveria disso ter informado a equipa. Foi essa a percepção daquele momento. Com o que se viu na quinta-feira, essa percepção foi completamente invertida. A ideia que ficou foi que Quintana e a equipa fizeram a corrida ao avesso, deixando-o para trás quando ele precisava de apoio, e perseguindo-o quando ele precisava que ela o deixasse em paz!
Mas não foi apenas na Movistar que se viram coisas ao contrário. Também na Ineos se viu disso quando, na parte final da etapa, Bernal atacou logo ali a camisola amarela de Alaphilippe e e foi Geraint Thomas, que nunca fez mais nada que ir com os outros da frente, quem assumiu a perseguição. Dir-se-á que também os galês tinha legítimas aspirações a vencer, mas... não foi bonito.
Bonito também não foi, ainda nessa mesma etapa, no sopé de La Sentinelle, ver o alemão Toni Martin, da Jumbo, antigo campeão do mundo, abalroar o britânico Rowe, da Ineos, que respondeu a soco. Foram ambos expulsos da corrida. E bem!
A etapa de ontem não foi apenas a decisiva. Foi a mais insólita, com um final de todo incomum. E com Pinault a despedir-se, em lágrimas.
Bernal, que na véspera tinha dito ao que vinha, roubando o segundo lugar ao seu colega Thomas e deixando a amarela de Alaphilippe presa por minuto e meio, tomou conta das ocorrências e subiu ao Col d’Iseran, a quase 2700 metros de altitude, a dizer que queria trocar a camisola branca, que vestira à 10ª etapa, pela amarela. Quem mais perto dele se chegou foi Simon Yates. Todos ficaram para trás, e muito para trás, num esforço dramático, mas também heróico, ficava Alaphilippe, na despedida da amarela.
No cume do Col d’Iseran faltavam 40 quilómetros para a meta, feitos de uma longa descida e, no fim, mais uma parede de 14 quilómetros para trepar. Só que uns quilómetos mais à frente, lá em baixo, em vez de estrada havia um mar de lama, gelo e pedras deixado por derrocadas provocadas pela intempérie. E aos poucos lá foi chegando a informação aos corredores que a corrida tinha acabado mesmo lá na meta de montanha. Sem vencedor e com os tempos aí registados. Que valeriam a amarela a Bernal, e ainda o segundo lugar a Alaphilippe, provavelmente impossível noutras circunstâncias. Mas também a da montanha a Bardet.
Também a etapa de hoje sofreu com as condições climatéricas, e acabou encurtada de 130 para apenas 59 quilómetros, provavelmente a mais curta etapa em linha do Tour. A diferença é que era do conhecimento de toda a gente, logo à partida.
Foi mesmo assim uma grande corrida. E o ponto final na bonita aventura de Alaphilippe, que perdeu perto de 4 minutos para os da frente (da etapa e da geral) e caiu para o quinto lugar. Ganhou Nibali que, mesmo que muito inconstante, teve bons momentos ao logo da prova. Hoje foi só o melhor!
Dos portugueses ... tudo na mesma. Hoje Rui Costa integrou mais uma vez, em vão, uma fuga. Ainda deu para que a TV lhe desse o nome a um grupo: "group Costa"!
Não faltou animação na estapa raínha dos Pirinéus, mas no fim ficou a ideia que, afinal, não foi assim tão bom...
Esperava-se tudo desta etapa que partia do Santuário de Lourdes, ali num dos sopés daquele gigante montanhoso. Tudo o que para trás não tinha ficado resolvido teria de ficar hoje. E não foi bem assim: o que está resolvido, resolvido estava. Ou quase... Porque é quase sempre assim: quando as expectativas são demasiado altas, o bom não passa de sofrível e o excelente de suficiente.
A etapa foi bem viva, e muito mexida.Toda ela! Houve espectáculo e emoção, mas... Se calhar, numa etapa destas, colocar a meta vinte quilómetros depois do sítio onde ficava melhor, não é grande ideia. O ponto alto (literalmente), o clímax, encontrava-se no topo do L´Aubisque, mas aí só estava a meta de montanha. A da etapa estava em Laruns, 20 quilómetros depois, sempre a descer. Onde só não chegaram 10 corredores juntinhos porque, na descida, um adiantou-se um bocadinho (19 segundos) e outros dois atrasaram-se (12 segundos) outro bocadinho...
Mas uma etapa que faz perder mais de 7 minutos a Quintana - o grande perdedor do dia, talvez a ressentir-se da queda de ontem - e mais do dobro a Alejandro Valverde, não pode ser uma etapa mole.
Foram muitos os animadores, incluindo o rei da montanha, o francês Alphaville que, tendo andado muito tempo no grupo de frente, chegou à meta quase 20 minutos depois do polaco Roglic, o vencedor da etapa. E um dos vencedores do dia, ao subir ao terceiro lugar da geral. Mas Bardet e Mikel Landa fizeram tudo o que tinham a fazer para atacar os primeiros lugares, não ficaram a dever nada a ninguém.
Poderá parecer que não ganharam muito com isso, mas ganharam, e muito, em respeito e admiração. O francês seria terceiro na etapa, batido ao sprint pelo camisola amarela. E fixou-se no oitavo lugar da geral, logo atrás do colombiano: sétimo, na etapa e na geral. Que salvou "a honra do convento" da Movistar, depois do descalabro de Quintana e Valverde.
Mas - the last, not the least - esta etapa confirmou um miúdo de 21 anos como o grande ciclista da próxima década. Chama-se Bernal (na imagem) - Egan Bernal -, é colombiano, integra a equipa da Sky e, apesar da idade, é o pai de Froome. Também de Thomas, mas se hoje, mesmo perdendo o terceiro lugar, Froome não caiu desamparado pela classificação abaixo, foi apenas porque o miúdo o foi lá buscar e o rebocou montanha acima, até o levar ao grupeto dos primeiros. Aí chegado, passou para a frente e foi ele a puxar para ir buscar Bardet, que seguia lá na frente, já sem Landa, e até já sem Majka. Mesmo assim, depois de fazer isso tudo, chegou à meta logo a seguir ao grupo dos primeiros dez, pouco mais de minuto e meio depois do vencedor da etapa. E isto quer dizer duas coisas: a primeira é que, da Colômbia, continuam a chegar, todos os anos, grandes corredores para a elite do ciclismo mundial; e a segunda é que, noutra equipa, em que não tivesse de trabalhar para duas figuras como os dois britânicos, era menino para ganhar o Tour. Já e de caras!
Amanhã o contra-relógio fechará as contas finais. Os dois primeiros estão encontrados, só uma calamidade impedirá o galês de chegar, domingo, de amarelo aos Champs Elysées. E o holandês Dumoulin de ser segundo. Em aberto estará ainda o último lugar do pódio: Froome terá apenas que ganhar 13 segundos a Roglic, tarefa que há bem pouco tempo parecia fácil...
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