No meio de toda a pouca vergonha que tem dominado a actualidade política só faltava mesmo esta da Câmara de Espinho, a atingir, não um, mas dois presidentes. O actual - que já não é -, e o anterior, que ainda é deputado e vice-presidente da bancada parlamentar do PSD e vice-presidente de Luís Montenegro. Não um, mas os dois partidos de poder.
O actual, que já não é, começou por dizer que "a investigação incide essencialmente sobre operações urbanísticas realizadas no mandato anterior". E o anterior, que isso era apenas para "desviar o foco da investigação" pois que "o contexto investigatório reporta ao ano de 2022 e respeita a intenções de investimento não concretizadas e a operações urbanísticas tramitadas no actual mandato autárquico, ainda que algumas possam ter transitado de mandatos anteriores"
Diz-se que o actual, que já não é, foi fotografado com "a boca na botija", e escutado a acertar com que notas se fariam os 25 mil euros do seu preço pela aprovação de uns projectos manhosos. As tais "operações urbanísticas realizadas no mandato anterior" que talvez sejam "operações urbanísticas tramitadas no actual mandato autárquico, ainda que algumas possam ter transitado de mandatos anteriores", porque que vai tudo dar no mesmo.
Com os resultados eleitorais de 2015, a esquerda encontrou a oportunidade para dizer ao regime que também contava. E o regime respondeu-lhe que sim. Que contava. Tanto que lhe iria entregar a nobre missão de aprovar orçamentos.
Emergiu a novidade que viria a ficar conhecida por geringonça, e seguiram-se quatro anos de harmonia, com a esquerda a levar a preceito a missão que lhe fora confiada. Vieram novas eleições e os resultados eleitorais confirmavam a nova fórmula que o regime tinha encontrado.
Mas já não era bem a mesma coisa. A esquerda tinha dúvidas se tinha ganho alguma coisa com a missão, e o governo do PS e de António Costa, inchado com mais umas dúzias de votos, achou que tinha posto aquela tropa em sentido. Impávida e serena à espera de ordens.
A missão reservada à esquerda era a mesma - aprovar os orçamentos - mas agora menos por missão e mais por obrigação. O regime entendeu que era assim. Que António Costa e Rui Rio se entenderiam em tudo o que de fundamental houvesse para decidir, e repartiriam pelos seus dois partidos todas as instituições do Estado, nem que para isso tivessem que inventar os mais fantasiados simulacros, como aconteceu na distribuição das CCDR, para recorrer a exemplo recentíssimo. A esquerda ficava com a obrigação de aprovar os orçamentos, porque o bloco central não é bom para o regime.
É neste ponto que estamos, no momento em que o regime exige à esquerda que cumpra a missão que à socapa lhe atribuiu.
O regime vive de alternância, mas só tem uma. E por isso tem que a preservar, custe lá o que custar. A bem da Nação. A bem do regime!
E depois admiram-se com os populismos e os extremismos...
As selecções de futebol de Portugal e Espanha empataram a zero naquele que foi o primeiro jogo de primeiro plano com público nas bancadas. O primeiro ocorrera no passado fim-de-semana, nos Açores, entre o Santa Clara e o Gil Vicente, com 800 espectadores. No de ontem estiveram 2.500, e quase não se deu por eles...
Desse jogo saiu como notícia que as duas federações ibéricas vão apresentar uma candidatura à realização do campeonato do mundo de futebol em 2030, o que deixa muita gente de cabelos em pé. Até porque os tempos que correm na península não vão muito entusiasmantes.
Não é só pela pandemia. É pelo pantanal político que se vive nos dois países. Cada um com a sua realidade, mas no mesmo terreno escorregadio.
O actual momento político em Portugal, dominado cenário de aprovação do orçamento, e pela escolha do presidente do Tribunal de Contas, não poderia de resto ser mais eloquente. O presidente empurra, empurrou sempre, a aprovação do orçamento para a esquerda, para libertar o PSD para a alternância. Mas reforça institucionalmente o bloco central, reforçando-lhe o poder no aparelho de Estado.
É assim nas CCDR, divididas, pataca a mim pataca a ti, entre o PS e o PSD, mas depois legitimadas por uma simulação democrática em Assembleias Municipais de ratificação das decisões dos directórios do Bloco Central. E foi assim com a nomeação do novo presidente do Tribunal de Contas que, de nomeado pelo Presidente sob proposta do governo, acabou nomeado pelo Presidente por escolha de Rui Rio.
O presidente, que nesta altura por força do calendário eleitoral não tem praticamente poderes, na realidade põe e dispõe. Põe à esquerda a responsabilidade por assegurar o regime, e dispõe que dele disponha o bloco central.
... O "Público" "diz" hoje que o ministro Vieira da Silva guardou na gaveta o relatório da auditoria à Santa Casa da Mersericórdia de Lisboa, particularmente negativo para a gestão de Santana Lopes.
Segundo o jornal, o relatório apresentava uma longa lista de irregularidades e denunciava pressões e condicionamento do trabalho dos auditores. De tal forma que o ministro achou que não seria muito conveniente homologá-lo - note-se bem, homologá-lo não é divugá-lo - antes das eleições internas do PSD.
Bloco central é isto, não é outra coisa. A outra coisa? Só por cima do cadáver de todos os Santana Lopes!
E o regime é isto, para que fique bem entendido...
As sondagens que se vão conhecendo - não me refiro às sondagens dessa espécie de sempre em pé chamado Marco António Costa - dão a indicação firme que, ao contrário do que sucede pela Europa fora, a bipolarização do regime político em Portugal não revela sinais de dar de si. A governação muda-se do PS para o PSD, com o CDS, especialmente na sua versão PP (Paulo Portas), sempre atrelado, e é esta alternância que há quarenta anos alimenta o regime. E é dela que depende a sua sobrevivência: é sempre preciso que mude alguma coisa para que tudo fique na mesma. É isto o regime!
Sem outro cimento a agarrá-lo, e com os sucessivos fracassos da governação, onde a regra é que a cada mau governo sucede outro ainda pior, o regime está esgotado. Frágil, pronto a cair ao primeiro abanão.
Ao contrário do que se poderia concluir, e por paradoxal que possa parecer, o empate técnico para que apontam actualmente as sondagens pode ser bem mais que esse abanão. É o bloqueamento de um regime que viveu para o seu próprio umbigo. A maioria agora no poder já não o é; nem nunca o poderia ser. Mesmo que, por impensável que seja, ganhasse as eleições, nunca o faria em condições de governar. Ao PS, como provável vencedor, não será fácil encontrar à esquerda soluções para formar governo. E se as encontrar terão sempre grandes dificuldades em resistir aos primeiros meses de exercício governativo. É um problema de genética!
O bloco central é uma tentação. Para muita gente. Para Cavaco, indisponível para dar posse a um governo minoritário, é mais que uma tentação: é a saída que vê para o beco - que não a tem - em que deixou o país. Mas não é mais que isso: uma tentação. Que tapa a última válvula de escape do regime. A seguir implode!
Começam a ser demasiados os equívocos que António Costa lança. Começa a parecer que o novo líder socialista se está a especializar nas artes da pesca, a começar pelo lançamento da rede...
Ontem, no jantar de Natal com o Grupo Parlamentar do PS, lançou a rede ao bloco central. Melhor dizendo - voltou a lançar a rede para aquele lado!
Hoje veio desmentir que o tivesse feito. Que, quando ontem evocou o bloco central de 1983-85, não pretendia recuperar essa fórmula, mas apenas "evocar o exemplo da liderança de Mário Soares". Ora, António Costa não está apenas a recuperar uma fórmula política, está a repetir a mais gasta formulação política do regime, que é justamente fazer de nós parvos.
António Costa tem tido inúmeras ocasiões para evocar todos os exemplos de Mário Soares. E tem-nas aproveitado. Ainda há apenas uma semana, por ocasião dos seus 90 anos, teve mais uma oportunidade que - e muito bem - não desperdiçou.
Então para quê, completamente a despropósito, voltar ontem a fazê-lo? Não faz qualquer sentido. E muito menos sentido faz, nesta altura em que o antigo e carismático líder do PS está até voltado para outro lado, ir procurar ao quadro da única experiência de Bloco Central as melhores razões para evocar Mário Soares. Nesta altura, António Costa não precisa nada do bloco central para evocar Soares. Poderá é precisar de Soares para evocar o bloco central!
Do que não precisa mesmo é de nos tratar por parvos. Pode dar as voltas que quiser, do rotundo não do congresso a coligações com a direita, para o nim da semana passada a Passos Coelho, já com um depois das eleições a gente fala com vista privilegiada para os braços de Rui Rio. Mas sem truques. Nem outras habilidades circenses...
Ontem, com os resultados das eleições ainda quentes – em boa verdade as projecções, porque os resultados, por força de mais uma das muitas aberrações que por aí se vêm, ficaram congelados durante horas, pelo que já estavam bem frios quando apareceram – olhei-os à procura de surpresas e novidades. Hoje olho-os como um túnel, lá para o fundo, à procura da luz …
A coligação no governo, mesmo com o pior resultado de sempre, acha que não foi mau. Perderam por poucos, disseram. E isso deixou-os felizes e satisfeitos, prontos para voltar hoje ao trabalho, cheios de coragem e motivação.
Na verdade não perderam por poucos. O pior resultado de sempre não dá para perder por poucos… Apenas olham muito curto, só ali para o lado. Para o adversário que é também parceiro … de partilha do poder!
Pretendem ignorar a derrota escrita nos 28% dos votos, e procurar a vitória nos escassos 4 pontos de vantagem do PS, S de Seguro. Que por sua vez pretende fazer crer que são suficientes para reclamar legitimidades que não se vislumbram e para os festejos patéticos a que assistimos. Realça o pior resultado de sempre da direita, mas quer ignorar que, sobre o ponto mais baixo de sempre do adversário/parceiro, não conseguiu mais que uns escassos 4 pontos, menos do que os 5 que perdeu desde as autárquicas, há apenas 8 meses. E que o resultado que lhe assegura esta vitória está praticamente ao nível do que, há cinco anos, com Sócrates, se traduzira numa das maiores derrotas do partido.
Quer isto dizer que em boa verdade ambos – e este é um caso de ambos os três – perderam! Uns, perderam perdendo. Outro, perdeu mesmo ganhando!
Estes três partidos que têm dividido entre si o poder, e que por isso se intitulam do arco da governação, ficaram pela primeira vez aquém dos 60% dos votos. Há razões para acreditar que a coligação salvou Portas e o CDS de serem varridos do mapa político, e isso não vai passar despercebido.
Quer isto dizer que a única razão para que a coligação se mantenha para as legislativas do próximo ano é levar o governo até ao fim da legislatura. Se, e quando, Portas perceber que não há coligação faz cair o governo, disso não há qualquer dúvida.
Porque se percebe que a mudança, mesmo que lenta, está em curso e que os portugueses começaram mesmo a responsabizlizar estes três partidos pela destruição do país. PSD e CDS já não são capazes de garantir fórmulas governativas maioritárias, o que devolve o mais pequeno à marginalidade. É agora inevitável que o próximo governo saia do bloco central, e que Portas se torne descartável. A partir de agora, no ponto a que chegou o processo de erosão do campo da governação, apenas PSD e PS juntos conseguem formar soluções governativas maioritárias. Tanto destruíram, cada um para seu lado, que foram ficando sem espaço. Resta-lhes agora um pequeno reduto onde, para sobreviver, ambos, bem juntinhos, se vão acantonar.
Com Seguro e Passos juntos num governo também esse pequeno reduto será rapidamente destruído. Só então se verá o fundo do túnel em que estamos metidos. Se ainda houver país, pode ser que lá esteja alguma luz...
No PS, de há umas semanas a esta parte, não se fala noutra coisa que num próximo governo do bloco central. De Assis a Ana Gomes não tem faltado quem fale nisso, mesmo que esta última diga que teria de ser com outro PSD, que não este de Passos Coelho. Seguro já resolveu o problema, garantino que mesmo com maioria absoluta estabelecerá acordos parlamentares de governação. E ambos, Seguro e Coelho, em entrevistas nesta semana ao Expresso admitem que o casamento está à vista. Que na primeira página apenas dá mais ênfase à posição do actual patrão do governo...
Este é um namoro para um casamento por interesse. Um quer chegar ao pote de qualquer maneira, e outro não o quer largar de maneira nenhuma. E ambos sabem que dele depende a sua sobrevivência, que sem o pote do poder não valem nada. Desaparecem...
Já aqui referi que entendo o apelo de Cavaco - e dos seus compagnons de route deste 25 de Abril – como o reconhecimento do erro da convocação de eleições. E como medo das eleições!
Apesar das dramáticas circunstâncias em que o país se encontra não vejo outras razões que possam justificar esta febre da união ou, para não ferir susceptibilidades, deste dramatizado apelo à convergência dos partidos.
Outra coisa é o apelo à decência e à elevação do debate político e ao respeito entre os diversos agentes políticos. Mas esse é um apelo que se não pode esgotar nas actuais circunstâncias do país, essa é uma obrigação universal e permanente de todos e, em especial, do presidente da república. Pelo exemplo e pela responsabilidade cívica que lhe são exigíveis, os agentes políticos têm que estar obrigados a requisitos de educação e de comportamento urbano. Pelas responsabilidades políticas deve exigir-se-lhes que, por atitudes e comportamentos, não bloqueiem relações pessoais que ponham em causa cenários de negociação. Que birras e questões pessoais não transformem soluções em problemas, como vemos que acontece.
A convergência política dos três partidos do arco da governação – os outros dois encarregaram-se de deixar claro que pretendem manter-se afastados do poder, bem aconchegados nas barricadas do protesto – é importante nas questões de fundo do regime, na questão europeia e nada mais. E aí está assegurada, creio que ninguém tem dúvidas!
Fora disso não faz qualquer sentido: sem alternativas não há democracia!
Não aceito que se venha dizer que nesta altura isso não tem importância porque o que há para seguir é o programa da chamada ajuda externa. Concordo que, na execução desse programa, sobra muito pouco da governação para taylor made de cada partido. Mas há sempre esse muito pouco e há o que vai para além disso: a vertente do indispensável crescimento económico – não se espera que do programa da troika venham grandes contributos para a matéria - e toda a estratégia de preparação da saída. Sim, porque tem de haver uma saída para o país!
Não vejo como, com Sócrates, seja possível um governo de bloco central ou, pior, um governo do bloco do pleno, o bloco central alargado ao CDS. É de todo indesejável! E espero que desnecessário!
O argumento de que as reformas de que o país precisa carecem de um amplo apoio - que só o bloco central pode garantir - é a maior falácia da política portuguesa. A oposição às reformas não é, em primeira instância, feita na política: é pelos interesses, pelas corporações, pelos grupos de pressão… As reformas têm sucessivamente sido adiadas porque há interesses instalados que as bloqueiam. Por sua vez os políticos dividem-se em dois grupos (as excepções apenas confirmam a regra): os que integram esses interesses e os que deles estão reféns! Juntar os dois maiores partidos do sistema no governo não cria a mais ampla base de apoio às reformas: pelo contrário, junta no governo, todos os que as bloqueiam!
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