A bola é, como se sabe, o elemento fundamental do jogo. Podem faltar jogadores, como ainda não há muito se viu para as bandas de Leiria, que não deixa de haver jogo. Mas, se faltar a bola, é que nada feito…
É por ela que toda a gente corre e luta, é a bola que toda a gente quer possuir. E, no entanto - coisas do futebolês -, diz-se que às vezes queima!
E não é exactamente porque seja uma brasa, como aquela ideia de toda a gente a querer possuir poderá sugerir. A bola, por mais desejada que seja, nunca é uma brasa. Mas pode ser factor de desconforto: queimar!
Diz-se que a bola queima quando uma equipa está descrente, sem confiança. Quando os jogadores não se entendem em equipa, porque lhes falta uma ideia de jogo, porque lhes faltam os automatismos, porque desconfiam uns dos outros. Porque não confiam na liderança nem a liderança confia neles…
Daí que ninguém queira ter a bola, como se ela lhes queime os pés. Quem a recebe quer libertar-se dela o mais rapidamente possível, porque nem tem confiança para se aventurar numa relação mais longa e estável. Porque tem medo de falhar. Não a liberta rapidamente e com critério – o que é quase sempre uma boa decisão – para a endossar a um colega que lhe dê o melhor seguimento. Fá-lo apenas e só por medo, para endossar a outro não a bola mas a responsabilidade!
O melhor exemplo disto é o Sporting. O Sporting do Sá Pinto, que já era!
Os jogadores não têm a mínima ideia do que fazer dentro do campo. Nem com a bola nem sem a bola. Quando a não têm nota-se-lhes um certo alívio, a angústia chega-lhes logo com a bola, como se a bola fosse dois em um.
Acharam os dirigentes do Sporting que resolveriam o problema correndo com o Sá Pinto - essa lenda viva de sportinguismo com que, há poucos meses, prometiam amanhãs que cantam - sem perceberem que, antes de a bola queimar os pés dos jogadores, já eles a tinham posto a queimar as mãos e a cabeça do treinador que um dia a Juve Leo impôs a Godinho Lopes. É que o Sá Pinto garantiu, na época passada, o contrato que agora tanto jeito lhe dará, jogando à Beira-Mar ou à Rio Ave (sem qualquer menosprezo para estas agremiações): todos à defesa e à espera de um contra-ataque que pudesse dar um golo.
Godinho Lopes e a sua equipa, sempre com a mania das grandezas – candidatos ao título e tal… - acharam que aquilo não era à Sporting. Afinal tinha um treinador à Sporting mas que não jogava à Sporting… Jogava à Gil Vicente! E obrigaram Sá Pinto a mudar para uma estratégia de jogo compaginável com a grandeza do Sporting, que rapidamente se revelou uma impossibilidade. Como se isso não funcionasse acharam que ele não sabia sequer escolher a equipa e passaram eles próprios a impor-lhe o onze. “Não percebes nada disto, hoje jogam fulano, beltrano e sicrano”! “Sim senhor, têm toda a razão, eu é que andava distraído”…
Acham que há milagres, é o que é!
No Benfica não é muito frequente que a bola queime, mas às vezes acontece. Não foi o caso do jogo desta semana com o Barcelona: tiveram-na tão pouco tempo que nunca daria para queimar. Antes que pudesse queimar já a rapaziada do Barcelona lha havia tirado. A esses é que a bola nunca queima. Se queimasse não havia unidade de queimados que lhes valesse…
A quem também a bola não queima é ao James. Que grande golo aos novos milionários da bola, a dar os três pontos e mais um milhão ao Porto!
O verbo queimar é seguramente um dos mais ricos do futebolês. No futebolês, como numa incineradora, tudo se queima!
Não muito longe do que também acontece no futebol: muito se queima e muita coisa arde. Incendeia-se! Por tudo e por nada, ou mesmo por dá cá aquela palha, coisa altamente inflamável, como se sabe!
Incendiários são coisa que não falta no futebol. Sempre prontos a incendiar os ânimos, em quaisquer circunstâncias. São os meninos das claques, que vivem obcecados por chamas e que queimam que se fartam: já não são só as verdadeiras queimadas que fazem nas bancadas, chegam até a queimar autocarros. São os dirigentes, sempre prontos a atear fogo com declarações incendiárias. E são os jornalistas (?), que na maioria das vezes são autênticos pirómanos. Não têm apenas intervenções provocatórias. São verdadeiramente incendiárias. Cirurgicamente!
Então os das televisões constituem autênticos case studies. Se um jogo até nem correu mal de todo – só foram lançados para o campo um ou dois telemóveis, duzentas ou trezentas bolas de golfe e o árbitro expulsou dois ou três jogadores, assinalou ou deixou de assinalar, mal, três ou quatro foras de jogo e dois ou três penaltis – está tudo bem. Quer dizer, está tudo devidamente incendiado, e eles limitam-se a manter a chama acesa, não vá o diabo tecê-las e aquilo entrar rapidamente em fase de rescaldo. Mas se o jogo correu mesmo mal – os adeptos portaram-se todos bem e da arbitragem não há nada dizer –, o que é raro mas às vezes acontece, então é vê-los desenfreadamente à procura de um problema, um pequenino problema, o suficiente para libertar uma pequena labareda que seja.
Para garantir a arte de bem foguear convidam ainda uns comentadores, os chamados paineleiros – atenção que escrevi paineleiro –, membros de um painel, constituído por representantes dos chamados três grandes, dispostos a mandar as suas achas para a fogueira. Não estão lá para outra coisa, apesar de uns mais passarinhos e outros mais passarões!
Não admira pois que, no jogo a sério, no jogo jogado, hajam jogadores a queimar tempo: apanham-se com o resultado que lhes dá jeito e pronto. Tudo serve para fazer com que o relógio ande e o jogo pare: rebolam-se no chão por tudo e por nada, o guarda-redes nunca mais repõe a bola, fogem com a bola para a sombra da bandeirola de canto … Enfim, mais umas coisas capazes de incendiar … as bancadas!
Enquanto isto, do outro lado, queimam-se os últimos cartuchos. Lança-se mão, com inevitável dramatismo, de todos os meios que permitam, à última da hora ou já mesmo fora-de-horas, inverter o tal resultado que, ao contrário, não lhes dá jeito nenhum. Nesta fase tudo é altamente inflamável.
Ao mínimo rastilho tudo se incendeia!
Se a bola queima a linha está lançada a confusão – saiu ou não saiu? Entrou ou não entrou? Se é uma falta a queimar a linha da grande área, a fogueira ateia-se mesmo: foi dentro, para uns. Fora, para outros. Queimar a linha é coisa de incendiário, está visto!
E quando o fumo, de tanto incêndio, deixa tudo negro, no campo a bola passa a queimar. A bola queima, os jogadores não a querem nos pés, querem ver-se livre dela como quem se quer livrar da batata quente. Era o que se via na selecção nacional ainda há bem pouco tempo. A mesma selecção, que não a mesma equipa, que tão mal estivera na África do Sul, que empatava com a selecção do Chipre e perdia com a Noruega, com a bola a queimar tudo e todos, dá um banho de bola e goleiaa selecção espanhola, campeã da Europa e do Mundo.
Só porque se mudou o treinador. Um treinador que queima jogadores (queimou os que levou para o Mundial mas também os que por cá deixou) torna-se rapidamente num treinador queimado pelos jogadores! Claro que um treinador pode queimar um jogador. Para queimar um treinador não basta um só um jogador. Mas uma equipa tem muitos!
Claro que há outras formas de queimar treinadores, os dirigentes também sabem da coisa. Há mesmo cemitérios de treinadores, com crematórios e tudo!
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