É também por isto que o futebol é um jogo apaixonante. O Benfica desta noite, em Leiria, não teve nada, mesmo nada, a ver com o de domingo, na Luz. Concomitantemente - uma equipa joga o que a outra deixa, não é? - o Braga não teve nada a ver com aquele que no domingo passado ganhou na Luz, e deixou os benfiquistas á beira da depressão.
O único amargo que sentimos nesta noite leiriense - o Dr Magalhães Pessoa foi um mini Estádio da Luz - foi precisamente o proveniente da noite de domingo. Na verdade o vendaval de futebol com que o Benfica atropelou o Braga só teve o condão de tornar ainda mais amarga a derrota da Luz, no passado domingo, no fecho da primeira volta do campeonato.
Como é possível que as mesmas equipas possam ter duas caras opostas em dois jogos no espaço de três dias?
Não tem explicação. É futebol!
Bruno Lage promoveu três alterações relativamente ao jogo anterior: entraram António Silva, Florentino e Schjelderup, e saíram Bah, Leandro Barreiro e Akturkoglu. Os dois últimos em troca directa, e António Silva para o lugar de Tomás Araújo, que derivou para a lateral direita, para o lugar de Bah. Pese embora as boas prestações dos que entraram de novo, na linha do resto dos jogadores, não terá sido apenas por essas trocas que o Benfica passou do oito ao oitenta em apenas três dias. Foi também pelo inexplicável em que o futebol é tantas vezes fértil.
A equipa teve energia, teve classe, teve força. Teve tudo, e reduziu o Braga - que chegou a Leiria com a mesma receita que levara, e tinha sido bem sucedida, para a Luz - á ínfima espécie. Sem qualquer condição de discutir o jogo.
A receita do Braga - postura ultra-defensiva, queimar tempo e esperar por uma oportunidade para surpreender em contra-ataque - foi rapidamente destruída pela avalanche benfiquista. Na verdade, em todo o jogo, o Braga dispôs apenas de uma saída em contra-ataque: foi à entrada da segunda metade da primeira parte, a bola acabou até por entrar na baliza de Trubin, mas em claro fora de jogo de Bruma, prontamente assinalado.
Nessa altura já o Benfica tinha desperdiçado quatro grandes oportunidades de golo (Tomás Araújo, à trave, logo aos cinco minutos, Di Maria, Carreras e Pavlidis). Logo a seguir, e no espaço de 10 minutos, entre os 27 e os 37, marcou os três golos. Primeiro por Di Maria, depois de despachar dois adversários dentro da área; logo no minuto seguinte por Carreras, repetindo exactamente o que tinha feito uns minutos antes, só que desta vez acabando num remate indefensável para o guarda-redes Matheus; e finalmente no bis de Di Maria, a concluir uma excelente jogada colectiva, ainda adornada na assistência de Pavlidis.
Se antes dos três golos o Benfica tinha desperdiçado quatro claras oportunidades de golo, depois, na segunda parte, voltou a desperdiçar outras tantas: Schjelderup, logo a abrir, depois de ter sentado o guarda-redes, Pavlidis, por duas vezes, e Akturkoglu. E houve ainda um golo anulado a Pavlidis, por um fora de jogo de 11 cm, depois de mais uma excelente jogada de Schjelderup.
Aos três golos marcados na primeira parte, o Benfica somou mais nove oportunidades. Quer isto dizer que ao Braga o melhor que lhe aconteceu foi o resultado. E que, esta noite sim, Bruno Lage tem razões para se queixar da eficácia. Falhar golos é preocupante. Mas é sempre mais preocupante não criar condições para os marcar.
Por isso, mesmo saindo de Leiria com o amargo da derrota do último domingo mais vivo, os benfiquistas vieram em festa. E com justificada esperança de, no próximo sábado, em mais um dérbi eterno, voltar às habituais conquistas da Taça da Liga, há tanto interrompidas.
Depois de falhar com o Sporting, na última jornada, no passado domingo, o Benfica voltou hoje a falhar o bónus que ontem recebera de Guimarães. Depois de no domingo falhar a liderança isolada, hoje falhou a oportunidade de a passar a partilhar com o Sporting.
Com duas derrotas consecutivas - e se não iguais, em circunstâncias muito semelhantes - o Benfica corre o risco de terminar a primeira volta a 5 pontos do Porto. Basta que, seja lá quando for, ganhe o jogo com o Nacional, na Madeira, ontem interrompido aos 15 minutos da primeira parte, novamente pelo nevoeiro.
O que é o mais provável, já que se há campeonato em que o Porto não perde é no dos outros. Perdeu os jogos com o Sporting e com o Benfica - logo aí 6 pontos - e, ainda assim, e a faltar-lhe um jogo, tem mais dois pontos (podem ser 5) que o Benfica. E menos um (que podem ser mais dois) que o Sporting.
Quer isto dizer que no fim da primeira volta o Benfica já está fora da rota do título?
Só isso não. Mas se lhe acrescentarmos o que vimos nestes dois últimos jogos, está. Claramente.
Hoje, na Luz cheia que nem um ovo, como sempre, o Benfica voltou, perante o Braga, a repetir a primeira parte de Alvalade. Sem atitude, sem intensidade, sem classe e sem rumo. Também sem sorte, mas sem nada fazer para a merecer. À primeira oportunidade de golo, logo aos 19 minutos, no primeiro erro gritante no comportamento defensivo do Benfica, o Braga marcou. Mas foi já á terceira, vinte minutos depois, no primeiro dos dois cantos de todo o jogo, que marcou o segundo.
Na segunda parte, tal como em Alvalade, a atitude dos jogadores melhorou. E isso foi suficiente para o Benfica empurrar o Braga para a sua área, e para não lhe permitir mais transições ofensivas, mas não deu para criar mais que duas ou três situações de golo. O que Arthur Cabral (entrou ao intervalo, para substituir Aursenes), marcou à entrada do último quarto de hora (bem a tempo da reviravolta, se a equipa tivesse mentalidade e querer, como se vira na véspera em Guimarães, com o Vitória a passar o 1-3 para 4-3) resultou dessa atitude. Resultou de um mau passe (Ricardo Horta) interceptado por Leandro Barreiros, que deixou a bola no ponta de lança brasileiro, que rematou de fora da área; e não de uma jogada construída.
Se todo o desempenho da equipa é perturbador, a passividade com que os jogadores abordam os jogos, a falta de rotinas e de soluções, e o estado de negação de Bruno Lage (parece a reencarnação de Schmidt) são assustadores. Já se pode dizer que por menos o alemão foi despedido. E creio que, também, que os jogadores já não estão com o treinador. E que tudo isto é a ponta do iceberg que é a (falta de) liderança no Benfica.
Nestas alturas fala-se de sorte e de arbitragens. Já falei da sorte, que a equipa não tem, nem merece. Passa-se o mesmo com as arbitragens. Não é pelas arbitragens que o Benfica está a perder os jogos, mas hoje o Luís Godinho foi tão habilidoso - em tudo - quanto fora Fábio Veríssimo.
Não é assim com os rivais, mas não é novidade. Na Madeira, logo aos 2 minutos e apesar do nevoeiro, toda a gente viu o Rodrigo Mora entrar de pitons, por trás, ao tendão de aquiles de um adversário. O Tiago Martins que, consegue até ver uma moeda num relvado inteiro, qualquer coisa como conseguir ver uma agulha num palheiro, não tinha visto ali nada mais que uma simples falta. Chamado pelo VAR a ver o que toda a gente vira, saiu do monitor a declarar que o menino de ouro do Porto tinha simplesmente sido negligente. E, seja lá quando for, o Porto vai acabar de disputar o jogo com onze jogadores.
Também em Guimarães foi mais do mesmo. St Juste empurrou pelas costas o avançado do Vitória, na sua grande área. Mas não se passou nada, como nunca nada se passa com o Matheus Reis. Com carta branca para tudo.
O Benfica voltou à Luz, pela penúltima vez neste campeonato. Para defrontar o Braga, sempre um adversário complicado, envolvido na disputa do terceiro lugar, com o Porto - hoje em eleições - num jogo de grande expectativa. À volta do jogo, e do resultado, mas também nas bancadas. Com mais de 55 mil!
Sem João Neves, com o nariz partido em Faro, e surpreendentemente no banco, substituído por João Mário, Roger Schmidt regressou às suas opções habituais. E o Benfica não foi apenas a equipa tipo desta época, foi também a imagem do que tem sido.
A equipa entrou bem, (parte) das bancadas não. A tensão era alta. As claques entraram caladas, e seria bem melhor se assim tivessem continuado. Caladas e quietas.
Nos primeiros quinze a vinte minutos o Benfica dominou o jogo e criou duas claras oportunidades para marcar, entre elas aquela bola de Cabral à trave. Não há equipa que mais tenha rematado aos ferros da baliza, e a conta do Arthur Cabral já vai em cinco. A partir daí, fosse pelo que vinha das bancadas, fosse por crescimento "orgânico" do Braga, o jogo passou a ser mais repartido.
E, à beira da meia hora, o Braga aproveitou a primeira oportunidade, num contra-ataque em que o Djaló passou que nem um foguete por Otamendi, deixando-o batido logo na recepção da bola, foi à linha centrar a bola e atrasada para, à entrada da área, para Ricardo Horta marcar. Por entre as pernas do Trubin.
Era necessário e urgente que a equipa reagisse ao golo. O pessoal das claques achou que não. Que importante era levantar tarjas e arremessar tochas para o relvado, para que o jogo fosse interrompido. Uma vez, e outra vez!
E a equipa, em vez de poder reagir, passou até pela sua pior fase do jogo. Repetindo o afunilamento do jogo, cruzamentos com os adversários de frente para a bola, passes para o lado e para trás, falta de ideias, que tem acontecido frequentemente ao longo da época. Ainda assim dispôs de mais uma clara oportunidade para empatar, com Aursenes "a conseguir", em cima da linha de golo, rematar por cima da barra.
O futebol que se vira em Faro, com os corredores laterais a serem bem ocupados, a alargar o campo, desaparecera.
Regressou na segunda parte. Não logo ao intervalo, que aí nada mudou. Mas quando Bah teve que sair, lesionado, entrando Carreras, com Aursenes a passar para a direita.
O que mudou ao intervalo foi a postura do Braga, que entrou decidido a defender a vantagem daquele golinho. Passou à fase do "autocarro", e o jogo já só tinha apenas o sentido da baliza do Matheus.
Faltavam 20 minutos para o fim quando Schmidt entendeu trocar Rafa por Kokçu - opção inatacável - e Arthur Cabral (discutível naquela altura) por Marcus Leonardo. E o joker voltou. Na primeira vez que tocou na bola, como tantas vezes no seu início, marcou. Um bom golo, pela execução e pela decisão e rapidez a chegar à bola, na ressaca de um livre cobrado por Di Maria. Exactamente um golo que Cabral dificilmente marcaria.
Continuava a ser um resultado interessante para o Braga, pelo que decidiu manter-se lá atrás. E lá manteve o autocarro, à espera de arriscar qualquer coisa nos últimos dez minutos, quando refrescou as alas com as entradas de Rony Lopes e Bruma.
Quando arriscou, num contra-ataque em que chegou à área de Trubin com quatro (avançados) para dois (defesas adversários), Bruma decidiu fazer como se estivesse sozinho. Rematou, para defesa tranquila do guarda-redes do Benfica, que de imediato lançou a bola para Kokçu, que abriu na esquerda em Di Maria, que cruzou milimetricamente para Neres entrar de cabeça, no poste esquerdo.
Era a reviravolta, a cinco minutos dos 90, e o golo que fez explodir a Luz, que não as tochas.
Depois foi controlar o jogo. E tempo ainda para, nos sete minutos de compensação, Leonardo fechar com o seu segundo golo. No seguimento de um lançamento lateral, que se seguiu a um pontapé de canto. Um daqueles que só marca quem tem fome de golo, e moral cheia.
E, sim. O Benfica regressou à sua imagem desta época. Nada de novo. Nem nos golos. Que só de bola parada e em transição rápida. Nem na patetice dos (alguns, sempre os mesmos) adeptos.
Tenho referido aqui que, nos últimos jogos do Benfica, "o diabo tinha deixado de estar sempre atrás da porta". E como isso ajudava...
Hoje, com a Luz cheia, como é habitual, com perto de 60 mil nas bancadas, lá espreitou ele. Não sou supersticioso mas há coisas que não me trazem boas sensações. Uma delas é quando a águia Vitória se distrai, e não leva o seu papel muito a sério. Deve ter sido isso, deve ter sido a nossa Vitória a trazer o "diabo para trás da porta". É que o Benfica entrou bem no jogo mas, à primeira perda de bola (de Di Maria, que iniciou o jogo com passes de lés a lés), o primeiro remate do Braga (e também do jogo), a primeira defesa de Trubin, o primeiro canto ... e golo. Para que não ficassem dúvidas que aquilo era obra do diabo, Trubin enquadrou-se com a bola rematada por um tal Zalazar mas, à última hora, ela bateu em João Mário e desviou-se do caminho que levava, direitinha às mãos do guarda-redes do Benfica.
E rapidamente o Benfica se viu com trabalhos dobrados - dar a volta ao diabo e ao resultado. A tarefa não ia fácil. Aqui e ali com dificuldades na ligação do seu jogo, que o Braga complicava, tapando bem os caminhos para a sua baliza - e queimando tempo, desde muito cedo - o Benfica ia somando ... cantos. Ia a dizer que com cantos não se ganham jogos, mas o diabo diz-me que é melhor não...
Até que, já com o intervalo à vista, surgiu a expressão da dimensão do futebol do Benfica. João Neves a servir Kokçu que, de primeira, como sempre, lançou a bola por entre os centrais do Braga, a deixar Rafa, em desmarcação em excesso de velocidade (o VAR não tem os aparelhos da polícia) na cara do guarda-redes. Que saiu bem, exigindo-lhe uma grande execução para meter a bola na baliza. Dois minutos depois, o primeiro momento de Arthur Cabral, e reviravolta no marcador.
O lance é curioso, e merece ser descrito. Num lançamento de linha lateral, na esquerda e já perto da grande área, João Mário pegou na bola, para a devolver rapidamente ao terreno de jogo. Hesitou, e depois decidiu entregá-la a Morato. A ideia era óbvia - ele, João Mário, teria mais condições de a segurar no meio daquela gente toda do Braga. O Morato não esteve pelos ajustes e lançou-a para Cabral, já na quina da pequena área. Recebeu-a, rodou, ganhou a frente ao defesa que o marcava, e disparou de imediato. Aquela bola só teria que entrar, nem que fosse por entre as pernas do guarda-redes.
Daí até ser esgotado o período de compensação o Benfica procurou o terceiro. A maré era favorável, e era o que tinha de fazer. Poderia ter surgido, mas não aconteceu. Virado o resultado, ao intervalo o mais difícil estava feito. Pensava-se.
Só que o diabo continuava lá. E já tinha nome, mesmo que esquisito - chamava-se Zalazar. A abrir a segunda parte, no segundo canto do jogo, o diabo voltou a dar sinal de vida. Se no primeiro, mesmo com "canto trabalhado", foi o desvio em João Mário que encaminhou a bola para o golo, neste não houve nem jogada trabalhada, nem desvio em ninguém. Otamendi interceptou a bola, para a frente - é certo - mas para muito longe, para uma zona donde nunca se marcam golos. Mas o Zalazar não tinha apenas o diabo no corpo, era o próprio diabo. E dali uma bomba dos diabos, inacreditável. E indefensável!
Na realidade, em tempo de jogo, bastaram 5 minutos para três golos, e para o resultado voltar a ficar empatado.Nas outras duas vezes o jogo tinha estado empatado durante pouco tempo. Sete minutos, a zero, e apenas dois, a um. Desta vez durou bastante mais. Vinte e dois minutos - meia parte!
E não foi fácil para o Benfica essa meia parte. O Braga controlou sempre e, tem de dizer-se, jogou bem melhor. Não criou oportunidades de golo, é verdade. Mas jogou mais à bola, e tornou cada canto, e cada um dos muitos livres assinalados pelo Nuno Almeida (mais uma arbitragem habilidosa, com ponto alto naquela entrada de Abel Ruiz sobre João Neves, igualzinho - veja-se bem - , àquele em que, no ano passado, em Braga, nos quartos de final da Taça, Bah foi expulso; e teve ainda a lata de marcar falta a João Neves) em coisas do diabo. Nesse período o Benfica fez ... um remate!
Estava o jogo assim, sem se ver muito bem como o Benfica lhe poderia dar volta quando o segundo momento de Cabral o virou do avesso. Com um toque de calcanhar - é especialista, já se vê - deixou Aursenes pronto para o remate do 3-2 final. Então sim, a partir daí, desse minuto 70, o Benfica controlou em absoluto o jogo.
De tal modo que, nos restantes 25 minutos que o jogo durou, apenas dois merecem menção. E pelas melhores razões: os aplausos da Luz a Pizzi, quando entrou ao minuto 88; e, logo no minuto seguinte, a Arthur Cabral, quando saiu para a entrada de Musa.
Foi um grande jogo de futebol, o desta noite, em Braga, com tudo o que o jogo precisa para ser um grande espectáculo.
É grande a responsabilidade do Benfica na qualidade do espectáculo, mas há que dizer que também o Braga foi um parceiro que não regateou a parte que lhe cabia, dando também a sua forte contribuição.
O jogo começou com um cartão amarelo para Morato, que continua a jogar a defesa esquerdo. No primeiro minuto. Na primeira das três faltas cometidas pelo Benfica - tantas quantas as do Braga - de toda a primeira parte. Do livre a favor do Braga, numa transição rápida, e perfeita, Tengestedt marcou o golo do Benfica. Na primeira saída para o ataque e, naturalmente, no primeiro remate do jogo.
Não costuma ser assim. O golo tem estado muito caro, e a exigir vultuosos investimentos. Depois tudo passou a ser o que é costume. O Benfica partiu para uma grande exibição, não naquele registo mais habitual, de muita posse, muita circulação, pressão e asfixia do adversário. Mas nem sempre é preciso isso para jogar bem.
E o Benfica jogou mesmo muito bem. Controlando o jogo lá atrás e saindo em sucessivas transições rápidas, sempre com os jogadores a tomarem as melhores decisões em todas as zonas do campo, e sempre praticamente sem falharem um passe, numa primeira parte de antologia.
Poderia ter aí resolvido o jogo e o resultado, não tivesse o lance do golo sido a excepção à regra que é o desperdício na hora de meter a bola na baliza. E a mala-pata das bolas nos ferros da baliza. Desta foi por duas vezes - primeiro foi Di María, na barra, na fase mais frenética do jogo, a concluir com um remate perfeito, em arco, uma das muitas jogadas espectaculares de todo o jogo; depois foi Otamendi, num cabeceamento na sequência de um canto de Di Maria, a acertar no poste.
Para além destas duas bolas nos ferros, e de um golo anulado a Rafa por fora de jogo (milimétrico, com muitas dúvidas, mas que as linhas marotas indicaram ser 60 centímetros quando, no golo anulado ao Ricardo Horta, em que o fora de jogo era evidente na jogada corrida, passaram a indicar 11), o Benfica dispôs de mais três bolas para golo cantado, através de António Silva, Di María e Tengstedt.
À meia hora o treinador do Braga alterou a estrutura da equipa (retirou Zalazar e fez entrar Andrè Horta) para tentar abrigar-se daquele vendaval de transições. Nem assim as feições do jogo se alteraram, e o Benfica poderia ter chegado ao intervalo a ganhar por quatro ou cinco golos. Mas o resultado manteve-se no magro 1-0, com tudo o que isso representa nesta fase que a equipa tem atravessado.
Na entrada para a segunda parte percebeu-se que, então sim, o jogo poderia ter outra cara. Ainda assim foi de João Mário a primeira grande oportunidade da segunda parte para marcar o segundo golo. Mas as coisas já não saíam da mesma forma. A precisão do passe já não era a mesma, e as transições começaram a falhar, o que pesou decididamente no rumo que o jogo tomou. O Braga cresceu e tornou-se mais agressivo e pressionante; e o Benfica viu-se obrigado a optar por um futebol mais directo. E a saber sofrer. E como souberam, todos eles...
O treinador do Braga não quis correr riscos e, ao contrário de Roger Schmidt, que manteve Morato em campo durante todo o jogo, substituiu os centrais à medida que iam sendo amarelados. As duas substituições que lhe restavam foram usadas para reforçar o ataque, com mais um ponta de lança (Abel Ruiz) e um ala (Rony Lopes), precisamente para cima de Morato. Que se aguentou, muito pelo esforço de João Mário, na ajuda por aquele lado esquerdo.
Schmidt começou por trocar (bem cedo, no fim do primeiro quarto de hora) Tengestedt por Musa. E bem, era o ponta de lança quem mais se aproximava da ideia que tinha trazido para o jogo, e mais ainda das novas necessidades que o jogo impunha. E, depois, quando a pressão do Braga era já intensa na procura do empate, trocou os esgotados Di Maria e Rafa por Guedes e Florentino. Bem, novamente!
O resto foi aguentar. Sofrer e ... Trubin. Que acabou por ser o "homem do jogo" com três defesas de grande valia, a última já no terceiro dos longos sete minutos de compensação, a segurar a vitória. Importante, com o Benfica a voltar a dizer "presente" nas grandes decisões. E sofrida - o Braga tinha marcado em todos os jogos, e virado muitas vezes resultados nos descontos -, é certo. Mas esse foi o preço a pagar por tanto desperdício!
Mais uma vez a Luz em festa, cheia, a empurrar a equipa para uma noite de gala, e para a vitória, decisiva na caminhada para o ansiado, e adiado, 38.
E a equipa respondeu, com uma exibição que, se não foi de luxo, também não andou lá muito longe, asfixiando por completo o Braga, durante a maior parte do jogo. A equipa do melhor futebol desta fase do campeonato, naquilo que é a opinião publicada, limitou-se a defender com tudo o que pôde ... e a parar o jogo, a tentar quebrar-lhe o ritmo.
O Benfica entrou bem, de novo com Aursenes na lateral direita da defesa - Bah, que regressara mas para o banco, voltou a lesionar-se, e continua a ser baixa - e, desta vez, sem Florentino, com o regresso de Chiquinho à titularidade. Dominou por completo durante toda a primeira parte, com posse bola na ordem dos 80% mas, nos momentos decisivos, lá estava um pé, uma perna e até uma mão, dos jogadores do Braga a anular finalização das jogadas. Por isso, os remates tardaram. Mas apareceram.
E lá estava Luís Godinho, sempre pronto a inclinar o campo. Se os jogadores bracarenses cometiam falta, o árbitro usava um critérios largo, e mandava jogar. Logo a seguir, alterava o critério e assinalava faltas que nem precisavam de existir, se favorecessem o Braga. Coisa pouca, daquelas habilidades a que estamos habituados. Gritante foi mesmo um penálti por assinalar, por mão de um defesa bracarense. E outro, cometido pelo guarda-redes Matheus, sobre Gonçalo Ramos. Que se desequilibrou, mas não caiu, como fazem todos, mas ele não fez. E o amarelo a Otamendi - que o retira do próximo jogo, em Portimão -, numa bola dividida, em que foi ele a sofrer falta, na sequência imediata de mais "um critério largo", em que deixara passar uma falta clara sobre o Chiquinho.
Ainda assim o Benfica criou oportunidades suficientes para terminar a primeira parte com dois ou três golos de vantagem. O Braga, nenhuma, e nem um remate. Só defendeu, e Borja, Niakaté ou Tormena, especialmente o primeiro, ainda devem estar a agradecer aos deuses os cortes milagrosos com que evitaram os golos que o jogo ficou a dever ao líder do campeonato. A perdida de Gonçalo Ramos, já nos 5 minutos de compensação da primeira parte (pouco para as paragens que os jogadores do Braga forçaram) foi a última imagem de um jogo ingrato, que nada deu ao Benfica, que lhe deu tudo.
A segunda parte arrancou no mesmo registo de superioridade avassaladora benfiquista, e de desperdício. De novo com Gonçalo Ramos a transformar um "golo cantado", fabricado por Grimaldo, num remate ao poste. Pouco depois foi Neres - que grande exibição! - a estar perto de marcar.
O treinador do Braga teve de começar a fazer substituições, retirando os mais cansados de tanto defenderem, e de tanto correrem atrás da bola. Já tinha trocado Borja por Sequeira, e chegara a altura de trocar Yuri Medeiros - que devia ter saída há muito, mas por expulsão, tantos foram os amarelos que Luís Godinho lhe perdoou - por Pizzi, ovacionado pelas bancadas, porque a Luz não esquece os seus, mesmo quando estão do outro lado.
Não é apenas pelo bonito gesto dos aplausos que trago aqui esse minuto 66. É que, logo a seguir, o Benfica marcou. Não conseguira marcar na mais de uma hora de ataque continuado, marcaria em contra-ataque, dando uso ao veneno que o adversário aguardava por utilizar. O passe é soberbo, de Neres. O resto foi a velocidade e a classe de Rafa, regressado ao seu nível, como vinha prometendo nos últimos jogos.
A Luz explodia em festa!
Dez minutos depois, logo a seguir à entrada de Musa para substituir o infeliz Gonçalo Ramos, de novo em transição rápida, Rafa, isolado, fez o chapéu a Matheus, quando tinha Neres em condições de concluir com menor risco. Saiu um tudo nada mais alto, e perdeu-se o 2-0.
A perder apenas por um golo, e tendo escapado à goleada (o que não tinham conseguido, por duas vezes, contra o Sporting em Alvalade, quando tentaram discutir os jogos, e "levaram" cinco, consentindo menos oportunidades que as criadas pelo Benfica neste jogo) o Braga arriscou finalmente alguma coisa. Esgotou as substituições para jogar com dois pontas de lança, juntando Banza a Ruiz. Mas apenas Bruma conseguia, uma ou outra vez, criar alguma instabilidade. Numa delas, aos 85 minutos, poderia ter marcado se o cruzamento tivesse dado a Banza a oportunidade de cabecear a preceito. Foi a única real oportunidade de golo do Braga em todo o jogo!
Neres já tinha saído, para a ovação merecida. E para Schemidt responder, com Gonçalo Guedes, ao balanceamento final do Braga. E Florentino ainda entrou, já em cima dos 90 minutos, para substituir João Mário, acabado, também ele, de ser amarelado.
Luís Godinho, desta vez, deu 8 minutos de tempo extra. Esgotaram-se com pouco jogo, e não foi por "manha" dos da casa. Foi porque os jogadores do Braga os passaram a fazer faltas para cortar as saídas do Benfica para o contra-golpe. Acabaram por ser 13, porque os de Braga, do presidente ao banco, seguem o menu do Porto. E, a perder, no menu tem de haver sarrabulho.
Foi um grande jogo do Benfica, decididamente de regresso às boas exibições que são o padrão desta época. Todos os jogadores estiveram em bom nível, sem elos mais fracos, nem mesmo Ramos, a quem as coisas continuam a não correr pelo melhor. Neres, e Rafa, já foram referidos. Falta referir João Neves, que fez um "jogão". Com apenas 18 anos, é o grande reforço para esta ponta final do campeonato.
No Braga, há dois jogadores a referir. Bruma, porque foi o único com um desempenho assinalável. E Ricardo Horta, porque confirmou que não poderá nunca voltar a ser jogador do Benfica. Não foi a primeira vez. E é, por isso, uma confirmação. Sempre que joga contra o Benfica comporta-se como os Taremis e os Octávios desta vida. Hoje simulou um penálti, com o descaramento do Taremi. Noutras vezes junta-lhe simulações de faltas, e até de agressões, com o descaramento do Octávio.
Esta noite, em Braga, estes jogadores desta equipa do Benfica disseram-nos que vão ser campeões. Por mais Tiagos Martins, Veríssimos, Soares Dias e mais não sei quantos que se lhe atravessem na frente, esta equipa está talhada para superar todas as dificuldades. Esta noite, em Braga, os jogadores mostraram que não quebram, nem torcem.
Estes quartos de final da Taça mostraram bem o que os espera. Nos jogos de ontem não houve expulsões, nem prolongamentos. No jogo de ontem, em Viseu, devia ter havido expulsões. João Mário, Uribe e Zaidu tudo fizeram para serem expulsos. Mas não, os cartões vermelhos estavam todos bem guardados para hoje. E em dupla dose dupla: dois para o Casa Pia, e outros dois para o Benfica. Acabaram ambas as equipas em nove contra onze.
No caso do Benfica foi contra muitos mais, para aí dezasseis.
O Benfica entrou na Pedreira, com meia casa - os dirigentes bracarenses preferiram as bancadas meio vazias, a cheias com adeptos do Benfica, impedidos de comprar bilhetes para o jogo - com o onze dos últimos jogos, apesar de já ter Rafa e Gonçalo Ramos no banco. E com o mesmo futebol, bonito, autoritário e seguro. Sem qualquer memória daquele jogo de Dezembro, que continua a marcar a única derrota da época.
Entrou a dominar por completo o jogo e o adversário, e aos quinze minutos marcou. Na sequência de um canto, que era coisa que chegou a parecer perdida, com Neres a assistir Gonçalo Guedes, para um espectacular golo de cabeça. Logo a seguir, o mesmo Gonçalo Guedes foi carregado dentro da área do Braga. Penálti, a que Tiago Martins fez vista grossa. O VAR, também não quis ver.
Mas viu que a falta de Bah - desnecessária e despropositada - era merecedora de vermelho, e não do amarelo com que Tiago Martins tinha penalizado o lateral direito do Benfica. E era. O problema é que já não tinha visto o penálti sobre Gonçalo Guedes. E que também não iria ver, já na segunda parte, que a falta de Racic sobre o Aursenes foi exactamente igual, decidindo manter o cartão amarelo que o árbitro exibiu ao centro campista do Braga. Nem uma mão de um defesa do Braga dentro da área, em cima do intervalo.
Esta é a folha de serviço do VAR. A de Tiago Martins não lhe fica atrás. Permitiu tudo aos jogadores do Braga - agarrar os jogadores do Benfica que lhes fugiam, atropelos sucessivos dos centrais, e todo o tipo de entradas. Para os do Benfica era amarelo certinho cada vez que se chegavam aos adversários. O primeiro amarelo a Morato, sem o qual o segundo, que o levou à expulsão, seria apenas primeiro, é apenas um exemplo. É certo que acabou por mostrar amarelos a quase todos os jogadores do Braga, mas quando o fez já havia perdoado dois ou três a cada um.
À meia hora de jogo, quando dominava completamente o jogo, e jogava o seu futebol prático e vistoso, o Benfica fica a jogar com 10. O jogo muda, como não poderia deixar de ser, e o Braga empata logo de seguida. No primeiro remate à baliza de Vlachodimos. E único, de toda a primeira parte.
O jogo mudou, mas não mudou como costuma mudar nestas circunstâncias. Roger Schemidt reconstruiu a equipa, deu-lhe um novo figurino táctico, com a entrada de Morato para passar a jogar com três centrais, e continuou a controlar por completo o jogo. Em mais de 90 minutos com superioridade numérica, apenas em três ou quatro, à volta dos 75 minutos, o Braga encostou o Benfica à sua área. Só nesses minutos obrigou Vlachodimos a duas defesas com algum grau de dificuldade.
Tudo o resto foi a demonstração do querer, da união, do estoicismo, e da categoria desta equipa do Benfica. Acabou por cair nos penáltis (o guarda redes do Braga defendeu o de Aursenes, enquanto Vlachodimos não conseguiu defender nenhum) mas só teve que chegar a essa forma de desempate porque, hoje, a arbitragem não olhou a meios para conseguir o que sistematicamente persegue.
Hoje, ao Benfica foi negada a possibilidade de continuar a disputar a Taça de Portugal. Hoje, o Benfica viu fugir o segundo dos objectivos para esta época. Mas ficou claro que, nem com muitas mais arbitragens como esta, vão conseguir impedir estes jogadores de serem campeões em Maio!
Era muito importante para o Benfica ganhar este jogo em Braga. Todos os percebíamos, e percebeu-o também Rui Costa que, a acreditar nas notícias vindas a público, se decidira por um prémio de jogo mais que generoso, falando-se de 2 milhões de euros.
Era muito importante manter a invencibilidade. É sempre importante, nesta fase da época - e mais a mais desta época atípica - já dentro das quatro últimas jornadas da primeira volta, e na antevéspera do jogo com o Sporting, mais importante era ainda. Não seria razoável, embora pudesse ser um desejo secreto, exigir um campeonato sem derrotas. Mas seria exigível que, aqui chegados sem derrotas, ela não surgisse nesta altura. Com o Porto embalado nos carris habituais - veja-se o último jogo, com um golo irregular logo aos 20 segundos (curiosamente, nos três jogos dos primeiros classificados, os da casa marcaram nos primeiros dois minutos, e começaram o jogo já a ganhar) e mais um penálti perdoado - e o Sporting a aproveitar o interregno para acertar agulhas e ganhar embalagem e confiança, era importante que o Benfica não cedesse.
O universo benfiquista estava receoso deste interregno de mais de mês e meio. Quando tudo está afinado, como estava o Benfica, desligar o interruptor é sempre arriscado. Quando tudo está mal, ao voltar a ligá-lo, pode sempre correr melhor. Quando tudo está no ponto, melhorar é impossível, e piorar é provável.
Acresce que tudo o que se tem passado com Enzo Fernandez também não ajudava. Nada!
Roger Schemidt tranquilizou-nos, dizendo que todos tinham trabalhado bem e que tudo estava preparado para o arranque. Mas não estava!
O Benfica não entrou na Pedreira para este jogo fundamental com uma equipa, mas com um equívoco. Com 11 jogadores equivocados, não com 11 jogadores preparados para ganhar o jogo, como o treinador tinha garantido. Com trabalho bem feito, e contra um adversário que vinha de um jogo em que tinha sido trucidado, uma equipa preparada nunca poderia ter entrado com equívocos. Esses teriam de estar do outro lado.
E não é o golo aos 63 segundos que serve de desculpa. Porque bastaram esses segundos para se perceber que estava tudo errado. E que era o Braga que entrava com tudo. Na disputa da bola, na pressão, e na velocidade. Esse golo só aconteceu porque a equipa não estava preparada. O golo começou logo na falta displicente de Bah, passou pela passividade na disputa de segunda bola - na primeira parte os jogadores do Benfica perderam todas a segundas bolas e todos os duelos - e acabou com o Abel Ruiz sozinho, na zona onde tinha de estar o mesmo Bah, a rematar para Odysseas defender ... para dentro da baliza.
A partir daí foi o descalabro. Apenas Rafa tentava reagir. Gonçalo Ramos também tentou, mas desse encarregou-se a equipa de arbitragem do João Pinheiro, ao fazer vista grossa às entradas de Niakaté, sempre nas barbas do árbitro assistente. O resto era com o meio campo do Braga ...
E quando, à meia hora, o Ricardo Horta marcou, novamente com Odysseas defender para dentro da baliza, mas agora com ar de frango inteiro, com penas e tudo, depois dos jogadores do Braga terem feito tudo o que quiseram dentro da área, o segundo golo do Braga era uma inevitabilidade, depois de dois ou três minutos de sufoco consecutivo.
Três remates, e só dois - um de Rafa, ao poste, mas sem grande possibilidade de golo e, no último minuto, um de cabeça de Otamendi, por cima da barra - dignos de registo, foi tudo o que o Benfica fez no pesadelo que foi a primeira parte.
A entrada para segunda parte, com Musa a substituir o desastrado (mas quem o não foi, à excepção de Rafa?) Florentino, com Aursenes no meio do campo, em vez do equívoco que foi na ala esquerda, prometeu mudar o jogo. Mas foi sol de pouca dura. Bastaram dois ou três minutos para se voltar a ver um Braga confiante, e a empurrar o jogo para o que melhor lhe convinha.
O Benfica teve ainda mais bola - acabou com perto de dois terços de posse de bola - e rematou mais, acabando até com mais remates (14) que o Braga (11), mas nunca deixou a ideia de poder virar o resultado, e evitar a primeira derrota. Que se tornaria ainda mais pesada, e penosa, com terceiro golo, e segundo de Ricardo Horta. Mais um golo que uma equipa preparada nunca poderia sofrer. Golos em contra-ataque, quando se perde por 2-0, qualquer equipa pode sofrer. Aquele não foi um golo desses - foi um lançamento do guarda-redes Matheus, com o lateral dinamarquês - mais uma vez - a deixar fugir a bola para o Yuri Medeiros se isolar e ficar, com Ricardo Horta, na cara de Vlachodimos.
Faltavam 20 minutos para o fim, e ficava escrita a história da primeira derrota do Benfica da época. Roger Schemidt entendeu finalmente tirar o desastrado (apenas mais um) dinamarquês. E o ineficaz João Mário. Entraram Gilberto e Draxler. É o que há. E se calhar nem seria má ideia que deixasse de haver Draxler. Era de aproveitar para o devolver nesta janela de Janeiro.
Mais tarde, em cima dos 90 minutos, sairiam Gonçalo Ramos e Enzo, para entrarem Chiquinho e João Neves. Chiquinho ... pronto. Não aquecia nem arrefecia. Mas, lançar o miúdo aos 90 minutos num jogo para esquecer, foi o último dos equívocos do hoje equivocado Roger Schemidt.
Que os tenha esgotado hoje todos, é o que se deseja.
O Braga disputou esta noite, na Pedreira, com o Rangers, o jogo da primeira mão dos quartos de final da Liga Europa. Ganhou por 1-0, mas não é nem o jogo, nem o resultado, que trago aqui. O assunto é outro.
Estamos no Ramadão, período de jejum para os muçulmanos, durante o qual só podem ingerir alimentos após o pôr do sol. Para os jogadores de futebol, bem como para qualquer praticante de alta competição, a prática deste jejum é algo que, naturalmente, lhes complica seriamente a vida. Mas não apenas a eles, também aos clubes que lhes pagam, e aos treinadores que deles não consigam prescindir.
O Braga tem no plantel um desses jogadores, o líbio AL Musrati - justamente um dos imprescindíveis para Carlos Carvalhal. Como do imprescindível não se pode prescindir, Carvalhal lançou-o no jogo. Que se iniciou às 20 horas, altura em que por estes dias o sol já não brilhará muito, mas ainda lá está, mesmo que já bem baixo, a dar-nos luz.
Corria o jogo há 7 ou 8 minutos quando, timidamente, o sol se começou a esconder lá para trás da linha do horizonte. Do nada, surgiu no chão o guarda-redes Matheus, agarrado à perna direita. O árbitro interrompeu o jogo, como manda a lei, e a equipa médica do Braga mandou-se em esfregões e massagens à perna do jogador, que não escondia um esgar de dor e desconforto.
A realização televisiva ia buscar, em repetição, a última intervenção do guarda-redes. Não se via nada que pudesse ter magoado o guarda-redes bracarense, mas a realização insistia um sugerir às mentes mais criativas uma qualquer relação de causa e efeito entre o ligeiro contacto com um adversário, muito ligeiro e mais leve ainda, e a assistência médica em curso.
No banco do Braga o guarda-redes suplente levantava-se, e movimentava os braços. E as câmaras deslocaram-se da zona da baliza do Braga, onde a equipa médica continuava de volta da perna do Matheus, para o banco, para captar a imagem do guarda-redes suplente, a sugerir a hipótese da necessidade de substituição.
Passaram quatro minutos, afinal o tempo necessário para, sol posto, servir o jantar a AL Musrati. Não terá sido grande repasto, nem à luz da vela. Mas foi tranquilo. E, mais importante, fora da indiscrição das câmaras, com a realização televisiva entretida entre as repetições, a assistência médica e o guarda-redes suplente.
Mais que o insólito, foi a mestria com que o staf do Braga preparou esta operação que fez disto assunto. O assunto!
Haverá certamente a tentação de considerar este Braga - Benfica de hoje, na Pedreira, um grande jogo de futebol. Um jogo com cinco golos, a maioria deles em apenas cinco minutos, com voltas e reviravoltas no marcador, tenderá para isso, para um grande jogo. Não me parece que tenha sido. Foi, antes, mais um mau - muito mau mesmo - jogo ... do Benfica.
O Braga aprendeu a lição da goleada (6-1) da Luz, na primeira volta. Quis disputar esse jogo de igual para igual com o Benfica, e acabou goleado. Hoje não caiu nessa tentação. Hoje entrou para o jogo com o claro propósito de se juntar no seu meio campo, com a grande área e baliza bem defendidas. Saía para pressionar a saída de bola , recuava de imediato, em bloco, e esperava pelo erro para sair em contra-ataque, a aproveitar as costas da defesa do Benfica. Que não são bem costas, são mais calcanhar. O calcanhar de Aquiles da equipa.
Não vi todos os jogos do Braga, mas vi muitos. Vi todos os que disputou com o Porto e com o Sporting, e nunca os vi jogar assim, dessa forma. Da forma como jogam todas as equipas pequenas contra o Benfica.
É condenável que Carlos Carvalhal tenha optado por esta estratégia de jogo? Não, claro que não. Toda a gente sabe que a melhor forma de enfrentar este Benfica é essa. Sem espaços, com pressão e intensidade na disputa da bola, esta equipa fica sem saber o que fazer. Circula a bola, por um lado, pelo outro, e para trás, mas na maior parte das vezes não vai a lado nenhum. Muitas vezes começa até a falhar passes fáceis lá estão as costas. Os calcanhares.
A primeira parte correspondeu por inteiro à óbvia e fácil estratégia do Braga. O Benfica teve bola (69 ou 70%) mas nunca encontrou a baliza do Matheus. Nas três únicas ocasiões em que conseguiu entrar na grande área adversária, e baralhar-lhes a defesa, os dois pontas de lança decidiram ser eles próprios a matar o perigo das jogadas. Primeiro Yaremchuck, que com Rafa liberto à frente da baliza, preferiu ser ele a rematar sem qualquer ângulo para isso, e naturalmente para fora. Depois foi Gonçalo Ramos a decidir rematar contra o defesa que tinha à frente, com o mesmo Rafa na mesma situação. Da última, em boa posição, à frente da baliza, Yaremchuck não teve engenho, nem arte, e nem sequer iniciativa para aproveitar o cruzamento rasteiro, perfeito, de Gilberto. E o Braga acabou até por rematar mais vezes que o Benfica, mesmo sem nunca acertar na baliza de Vlachodimos, que nem uma defesa fez em toda a primeira parte.
Não fosse a mão de Vertonghen e o jogo não dava em nada. Mas Vertonghen tem mão. Também tem azar, e também joga mal. Tão mal como hoje, é que nunca vi. A mão é que vem antes de tudo.
Ia a primeira parte a meio quando, num canto, Vertonghen marcou o golo que poderia - ou talvez não, já vimos tanta coisa - dar outro caminho ao jogo. O Hugo Miguel, lá no VAR, viu que a bola lhe raspou na mão. A mão que tinha encostadinha à barriga, mas é o que a lei diz. Quando é golo, tudo o que se sabe sobre a mão não vale de nada.
Logo a seguir, a mesma mão do capitão da selecção belga, que saltava nas alturas a cortar uma bola, e já não a podia ter encostada à barriga, tocou ao de leve no cabelo do Ricardo Horta, cá em baixo, apenas preocupado em empurrar-lhe ... os calcanhares. E o bom do Ricardo Horta, que dizem por aí que é benfiquista do coração e que está para ser contratado, caiu a rebolar-se agarrado à cara. E não foi só dessa vez que tentou enganar - o árbitro, os benfiquistas e até os braguistas.
Luís Godinho, chamou-lhe um figo - assinalou falta, ali em cima da linha da grande área, e mostrou o amarelo ao defesa do Benfica, o quinto. Foi incompetente. Mas não tanto quanto Vlachodimos, que deixou entrar na baliza a bola rematada pelo Yuri na cobrança do pontapé livre. Ah... um livre ali, em zona frontal e mesmo a queimar a linha da grande área, tem boas probabilidade de dar em golo. É verdade. Grandes executantes conseguem fazer a bola contornar a barreira e enfiar-se no cantinho do lado contrário ao do guarda-redes. Só que não foi assim. Foi um remate rasteiro justamente para o único lado que podia ir. Aquele onde estava Vlachodimos.
E lá ficou o Braga a ganhar. Com a incompetência do Luís Godinho e do Vlachodimos, mas sem a mão de Vertonghen era o Benfica que estaria a ganhar. E lá continuou tudo na mesma, até ao fim da primeira parte.
Só mudou na segunda. E como mudou ... Ao intervalo, Nelson Veríssimo tirou Everton e Gonçalo Ramos, para fazer entrar Darwin e .... João Mário. Lembram-se dele? O Yaremchuck continuou por lá, a fazer não se sabe bem o quê. Nem ele saberá. Carvalhal trocou só o Abel Ruiz pelo Vitinha, e acertou. E foi a desgraça. Seguiu-se meia hora tenebrosa. Ninguém ganhava uma bola, e ouviram-se até olés na Pedreira. Ainda o primeiro quarto de hora se não tinha esgotado e os irmãos Horta fizeram o que quiseram da defesa do Benfica, com o André a entrar com a bola pela baliza dentro. Não festejou. Foi só cínico.
A perder por dois, Veríssimo fez entrar Seferovic, Paulo Bernardo e Diogo Gonçalves, tirando Yaremchuk (finalmente), Meité e o desgraçado do Vertonghen, recuando Weigl para o eixo da defesa. Mas nem isso mudaria o jogo, parecia até aumentar o risco de um resultado ainda mais penoso. O que mudou o jogo foi um penálti, essa raridade, que só não caiu do céu porque veio pela mão do André Horta, a desviar uma bola que lhe fugia da coxa.
Darwin converteu-o, e aí sim. O jogo mudou. A equipa acreditou, foi para cima do adversário, e bastaram três minutos para empatar o jogo, por João Mário, assistido pelo Darwin. Acreditou-se então na vitória. O jogo só terminaria 20 minutos depois e, chegados ali, já nada pararia a avalanche do Benfica.
Nada disso. O Braga já lhe tinha tomado o pulso, e já não tinha medo. Não foi o Braga que nem deixou saborear o golo de João Mário. Foi mais uma vez a equipa. O Braga só fez o que lhe competia - não ajoelhar. A bola foi ao centro e daí praticamente para o remate espontâneo, mas fácil, de Vitinha. Que Vlachodimos defendeu para canto, só porque não estava suficientemente concentrado para fazer melhor. Do canto, a bola ressaltou na costas do Gilberto e ia para sair pela linha lateral do lado contrário quando o AL Musrati a foi tranquilamente buscar para a colocar no lado oposto, para o Vitinha, completamente sozinho na pequena área, nas barbas de Vlachodimos, marcar um golo fácil.
Faltavam 11 minutos para os 90, a que se seguiram mais 7 de descontos. Muito tempo - 18 minutos - mas o Braga regressou à fórmula da primeira parte. Os jogadores do Benfica quiseram, mas não puderam.
Se ainda havia quem pensasse no apuramento directo para a Champions, já não há. Acabou. Uma equipa que não consegue ganhar três jogos consecutivos não pode aspirar aos lugares da frente de qualquer campeonato minimamente competitivo. Dá para terceiro porque é em Portugal. E porque o quarto também não tem primado pela regularidade. E porque o quinto é o Gil Vicente.
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