Dois anos e dois dias depois, em Brasília, o bolsonarismo repetiu o trumpismo, replicando no Palácio do Planalto o assalto ao Capitólio. Com maior gravidade, e com consequências ainda por determinar, porque as Instituições no Brasil não têm a solidez das americanas.
Bolsonaro fugiu do país, mas o bolsonarismo ficou instalado. No país, e em todo o aparelho de Estado, como se as Instituições brasileiras fossem um campo de guerra minado e armadilhado. Não acredito que Bolsonaro seja o criador do monstro que é o bolsonarismo. É demasiado indigente - idiota, mesmo - para criar o que quer que seja. Foi o idiota útil, uma espécie barriga de aluguer a quem a cria não foi retirada na altura do parto.
À entrada para a segunda metade dos oitavos de final, o primeiro empate, o primeiro prolongamento ... e a primeira decisão através dos pontapés da marca de penálti.
Foi assim, com o guarda-redes Livakovic a defender três dos quatro "penáltis" (mal) cobrados pelos jogadores japoneses, que a Croácia seguiu para os quartos de final, deixando o Japão de fora.
Depois de ganhar à Alemanha e à Espanha, deixando desde logo um os germânicos de fora, o Japão era a sensação do momento. A Croácia estava longe do desempenho que há quatro anos a levara à final, em Moscovo. A conjugação destas duas circunstâncias acabava até por, pasme-se, fazer pender o favoritismo para a selecção asiática.
Que confirmou durante primeira parte, onde jogou mais e melhor que os croatas, justificando claramente a vantagem com que chegou ao intervalo. Enquanto "teve pilhas" o Japão jogou o seu futebol rigoroso, que quer a bola apenas para chegar depressa à baliza adversária. A maioria das ideias de posse de bola parte do princípio - verdadeiro e indiscutível - que quando se tem a bola não se poder sofrer golo, e esgota-se muitas vezes no objectivo de evitar que o adversário a tenha. A ideia do Japão é diferente, quer apenas ter a bola para atingir a baliza adversária. Depois, é reconquistá-la depressa, para voltar, igualmente depressa, à outra baliza.
Mas ... lá está. Isto precisa de pilhas. Muitas pilhas, bem carregadas. E, à segunda parte do quarto jogo, elas começaram a faltar.
E como a Croácia empatou - e pareceu que era tudo o que queria -, num golo de Perisic, mais ou menos caído do céu, logo no início da segunda parte, o jogo acabou. E passou a simplesmente ser uma coisa qualquer entre uma equipa que não queria mais e outra que não podia mais.
E foi mais de uma hora - o que faltava da segunda parte, mais a meia hora do prolongamento - do mais enfadonho que viu deste o Catar. De sonolência absoluta!
Valha que logo a seguir deu para acordar com o Brasil. Que, já com Neymar recuperado e no onze, despachou "a nossa" Coreia em dez minutos. Depois ... foi show de bola, com quatro golos - sublimes, daqueles que já não imaginávamos possíveis, a que nem o penálti de Neymar escapa - em pouco mais de meia hora. Um regalo para a vista, na homenagem a Pelé.
Em matéria de golos o Brasil ficou por aí, fechou a loja aos 35 minutos. Porque o grau de eficácia baixou e porque à medida que o tempo ia passando levantou o pé. Golos - e apenas um - só para a Coreia. E dos bons. E bem merecido, até porque o Alisson evitou mais com quatro grandes defesas.
E um jogo que à meia hora parecia ir acabar num massacre acabou numa goleada, é certo, mas um resultado que não humilha ninguém. E com a selecção coreana a sair inteira. Como inteiro saiu Paulo Bento, a anunciar que deu por concluída a sua missão na Coreia do Sul.
Lula venceu as eleições, e é, de novo, 12 anos depois, Presidente do Brasil. Com mais 2 milhões de votos que Bolsonaro, mas apenas 1% de vantagem.
Respira-se de alívio. Mas também se pode conter a respiração, de medo. O país está dividido ao meio e carregado de ódio. E de armas. As instituições estão minadas. O sistema político é complexo e anacrónico, e o judicial pouco menos que isso. Não se sabe como Bolsonaro reagirá à derrota. Nem, mesmo que aceite como veredicto democrático, o que fará do país daqui até Janeiro, quando entregar o poder.
Com menos de 51% dos votos, minoritário na câmara dos deputados e no senado, e com a teia de compromissos contraditórios, muitos deles não menos anacrónicos, que teve de construir para garantir a eleição, Lula da Silva tem pela frente uma espécie de missão impossível.
Para esta missão impossível tem a seu favor o apoio internacional, e o das figuras mais marcantes da sociedade brasileira. E a esperança que tenha aprendido com o passado...
O Brasil comemora hoje os 200 anos de independência, diz-se. E escreve-se.
Não estou tão seguro disso. Parece-me mais que hoje o Brasil celebra mais o medo que a independência. Pessoas com medo de sair à rua, que Bolsonaro quer encher de camiões e tractores, e desfiles oficiais inundados de cartazes de activistas pró ditadura militar (1964-1985) dão mais uma imagem de medo do que de festa da independência!
Há 200 anos, D. Pedro gritou "independência ou morte" nas margens do Ipiranga. Hoje, o ponto de exclamação vira de interrogação: independência ou medo?
Não é só o governo que não larga as trapalhadas. O Presidente da República não lhe quer ficar atrás, e vai somando e seguindo.
Esta viagem ao Brasil já era mais uma trapalhada de Marcelo ainda antes de ele ter chegado ao aeroporto, ontem, para embarcar. Hoje, mais de 24 horas depois, a trapalhada passa a coisa mais séria. E grave!
A viagem, nas suas próprias palavras, tinha dois objectivos - assinalar o centenário da travesssia aérea do Atlântico, o feito de Gago Coutinho e Sacadura Cabral, no Rio de janeiro; e participar na abertura oficial da 26.ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, onde Portugal é país convidado de honra, em ano de celebração dos 200 anos anos da independência do Brasil. A deslocação a Brasília, a convite de Bolsonaro, estava na agenda mas, nas suas palavras à partida, surgia como uma espécie de complemento.
Isto porque, a poucas horas da partida, surgiu a notícia que Bolsonaro anulara essa visita, em retaliação por, em S. Paulo, o Presidente português se encontrar com Lula, que lhe vai disputar a eleição presidencial, ao que dizem as sondagens, como favorito. Na visita a S. Paulo, da agenda de Marcelo constam encontros com três ex-presidentes brasileiros: Fernando Henrique Cardoso, Michel Temer e ... Lula da Silva. Isto é, o Presidente brasileiro sentindo-se no direito de controlar a agenda do Presidente português, "desconvidou-o".
Marcelo não acha nisso mal nenhum. E não reagiu, limitando-se a dizer à partida, ainda no aeroporto, que não tinha recebido qualquer desconvite, acrescentando apenas o ditado popular que "a casamento e baptizado não vás sem ser convidado". Como, que se saiba, Bolsonaro não teria convidado para nenhum casamento, nem para nenhum baptizado, apenas somou trapalhada à trapalhada do "desconvite".
Já no Rio, a prioridade foi um mergulho - de resto devidamente anunciado como parte da agenda, para que não faltassem câmaras de televisão para captar as suas habituais banalidades - nas híper poluídas águas de Copacabana, onde afogou de vez, qualquer espécie de reacção firme ao desplante e ao enxovalho de Bolsonaro. Em Portugal, o povo que ele representa, também diz que "quem não se respeita não merece ser respeitado". Não tem receita apenas para casamentos e baptizados, também tem receita para respeito!
Não tem é receita para as trapalhadas dos que escolhe para o representarem.
"No Brasil nunca há problemas", disse-lhe o avô. Como toda a gente sabe!
A luta durou três assaltos, e perante uma multidão em êxtase dividida no apoio às duas partes, a coisa resolveu-se em prejuízo do prefeito em funções. No fim, o vencedor afirmou que tinha sido uma excelente jornada de propaganda de MMA.
Que se lixe a política. E o Brasil.
Bolsonaro não vai deixar de agarrar a ideia. Lula que se cuide!
... No Brasil, Bolsonaro continua a seguir as pisadas de Trump, pé por pé. Mas acelera o passo, e salta etapas. E como o Brasil não é a América, tudo pode ficar mais fácil. Ele acredita que sim, que os mesmos meios possam garantir os mesmos fins. E que, no fim, o seu fim seja diferente do fim do outro.
Até o inenarrável Sérgio Moro, o principal obreiro da sua eleição, já abandonou Bolsonaro. Que já entrou em decomposição e, fedorento, sem surpresa começa a cair de podre. Da última vez ainda encontrou um médico disposto a dar-lhe a mão. Agora já precisa de um juiz, e em breve não haverá quem lhe valha.
A surpresa não é que Bolsonaro, sozinho em marcha acelerada em contra-mão, tenha nesta altura demitido o ministro da saúde, o médico Luiz Henrique Mandetta. Surpreendente é que outro médico, Nelson Teich, um oncologista, tenha aceitado substituí-lo.
Uma mulher, ainda jovem mesmo que o não pareça, sem abrigo, pede uma esmola a um transeunte. De volta recebe um tiro, e cai morta.
Abeirara-se do transeunte, e pedira-lhe um real, para comprar pão. O assassino meteu a mão à mala mas, em vez da moeda pedida, tirou de lá a pistola que de imediato disparou friamente sobre a pobre jovem mulher. E seguiu caminho, como se nada mais tivesse acontecido que livrar-se de uma mosca incómoda que se lhe atravessara à frente. É um comerciante estabelecido na zona, e tem a porta do estabelecimento para abrir...
Aconteceu ontem, em Niterói, ali ao lado do Rio de Janeiro. No Brasil, de Bolsonaro.
Poderia não ser mais que mais um assassínio, num país em que acontecem a toda hora. Mas não é. Este é um crime com assinatura. Este é o tipo de crimes onde não é possível apagar o nome de Bolsonaro.
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