Se dizemos que a pantominice, e a sucessão de pantomineiros ao longo de muitos anos, são os responsáveis pelo crescimento da extrema direita, como é que se pode compreender que ela cresça com mais pantomineiros ainda?
André Ventura é o maior pantomineiro da História política portuguesa. Se alguém tinha dúvidas, a encenação destes últimos dias de campanha, acaba com elas: nunca uma personagem política portuguesa foi tão despudoradamente pantomineira. Nunca ninguém gozou tanto com a inteligência dos portugueses.
E no entanto, dizem as sondagens, depois de um ano de escândalos no Parlamento, André Ventura continua a crescer na votação e irá ultrapassar o milhão e cem mil votos de há um ano.
Há um ano, Passos entrou para, sob a bandeira da AD, fazer a campanha do Chega. Desta vez parece que já não é preciso.
Cavaco, das acções do BPN, da casa da Coelha, do aumento de capital do BES, não precisa de muito para sair do formol. Aprecia - e precisa - cada vez mais a bajulação e, ser declarado mentor e mestre de Montenegro é, por esta altura, o máximo a que pode aspirar. Por isso ainda ontem escrevia no "Observador" que não encontrou ninguém com qualquer "superioridade em relação ao actual Primeiro-Ministro na dimensão ética e moral na vida política".
Nem será tanto esta bênção a dizer muito da ética e dos princípios de Montenegro. Diz bem mais que estes dois, nas mesmas circunstâncias, nem sequer se tenham querido aproximar de outros. Como, por exemplo, de Rui Rio.
Há apoios de peso. Mas há também o peso dos apoios!
- O primeiro-ministro, como de resto todos os titulares de cargos políticos, e de altos cargos públicos, está obrigado, pela Lei nº 52-2019, a apresentar a "declaração de registo de interesses";
- Conforme estipulado no número 2 do artigo 15º dessa Lei, a “ Assembleia da República e o Governo publicam obrigatoriamente nos respectivos sítios da Internet os elementos da declaração única relativos ao registo de interesses dos respectivos titulares”;
- Luís Montenegro não cumpriu a Lei, como contornou outras, com a desmultiplicação de contas bancárias por forma a não atingir os saldos que tinham que obrigatoriamente de ser declarados;
- O Registo de Interesses que, por lei, como acima se viu, tem obrigatoriamente que ser publicado no site do governo, foi tornado público por outra forma no dia seguinte;
- Ou seja, foi tornada pública uma coisa que, por lei, teria de ser tornada pública;
É isto, não é?
É. E, para os talibãs, é este o problema!
O problema não é Luís Montenegro não ter cumprido com as obrigações legais a que estava obrigado.
O problema não é que, por se recusar a cumprir com essas obrigações, Luís Montenegro tenha mandado o país para eleições.
O problema não é Luís Montenegro ter começado por apresentar uma empresa de gestão de património familiar, ter depois passado a especialista em protecção de dados, para - até ver, aconselha a prudência - acabar especialista em reestruturação de empresas, e em consultadoria de gestão.
O problema não é o jurista Luís Montenegro, a meias com três pessoas, uma das quais educadora de infância, e dois estudantes, numa empresa sediada na sua sala de jantar, prestar serviços de consultadoria de gestão a empresas que facturam dezenas ou centenas de milhões de euros.
O problema não é por que empresas de grande dimensão, e com negócios de milhões com o Estado, recorrem aos serviços de Luís Montenegro, e não às consultores de nomeada que operam no país.
O problema - querem eles que seja - é a Declaração de Interesses de Montenegro ter sido tornada pública, quando era mesmo obrigatório que fosse pública.
Não! O problema é que tudo isto tresanda a esquemas manhosos. Tão fétido que já não se aguenta.
Ontem foi notícia - em primeira mão no Observador, e depois replicada em toda a comunicação social - que o Ministério Público tinha aberto uma "averiguação preventiva" a Pedro Nuno Santos, pela compra de uma casa em Lisboa, e outra em Montemor-o-Novo.
O procedimento, idêntico ao utilizado para Luís Montenegro, decorreu de uma denúncia anónima. O objecto da denúncia - a compra das duas casas - já tinha sido notícia em 2023, e nessa altura esclarecido. Não é por isso muito difícil perceber a motivação dessa denúncia anónima, e não será especulação ilegítima afirmar que se pretendeu meter no mesmo saco as casas de Montenegro e as de Pedro Nuno Santos.
Não cabem no mesmo saco. Parece até que, para as de Montenegro, nem há saco em que caibam. Mas a reacção dos dois visados, essa, não tem mesmo comparação.
É que, enquanto Luís Montenegro continua a gaguejar, a responder ao que não lhe perguntam e a deixar sem resposta o que lhe perguntam, à espera que o tempo, e as eleições, tudo resolvam por esquecimento, Pedro Nuno Santos disponibilizou de imediato toda a documentação. E toda, é toda mesmo!
Chama-se a isto ir buscar lã e sair tosquiado. Ah ... e esta é bem apanhada: "as denúncias são anónimas, mas a verdade é pública"!
Há uma década Miguel Relvas era, à época, uma espécie de Miguel Arruda. Não que tivesse sido apanhado a roubar malas num aeroporto qualquer, tinha apenas sido apanhado a roubar licenciaturas. Queria ser doutor, sem ter estudado.
O vexame, então, não foi no entanto menor que o do açoriano, ex-deputado do Chega.
Uma década depois o doutor Relvas está de regresso às televisões, com tudo esquecido. Bota palavra, comenta tudo o que vem à mão, e do alto da sua cátedra diz a Montenegro que, formar governo com André Ventura, não é uma simples questão de oportunidade. É uma alta questão de responsabilidade!
A Lili Caneças disse que Pedro Nuno Santos parecia que estava sempre a ralhar com toda a gente, e o líder do PS, não só lhe respondeu de imediato, como - é já visível - alterou alguns padrões de imagem.
Pedro Nuno Santos já não aparece como se estivesse zangado com toda a gente, e está a sair beneficiado, com uma imagem de cordialidade, de pessoa cordata e dialogante.
A Lili Caneças prestou um bom serviço ao Pedro Nuno mas, sob pena de ser acusada de parcialidade, ficou com a responsabilidade de um gesto idêntico a favor Luís Montenegro. Que já tarda.
Custa-me a perceber como é que a senhora ainda não disse que, naquele sorrizinho, Montenegro parece que está sempre a gozar com os portugueses ... Vá, Lili. Diga-lhe isso. Já não vai a tempo de evitar a tolerância de ponto da quinta-feira santa, mas vai ver que o Luís não volta a obrigar mais ministro nenhum a fazer piruetas, mortais, carpados e flic-flacs quando falar em défice para os próximos anos. E que ainda acaba a dizer que ... realmente ... aquele hino ... pronto, não é para levar a sério...
Admitia-se que a ideia que Montenegro tinha por certa que, indo para eleições, resolvia todos os seus problemas, pudesse estar errada. As notícias não se vão limitando a confirmar que era mesmo errada, vão-se encarregando de destruir pela base os argumentos de Montenegro.
A de hoje, no Expresso, por exemplo, destrói o argumento "não posso ser culpado por ter trabalhado quando não estava em funções políticas". Ao revelar que a família Barros Rodrigues, dona da gasolineira em Braga a quem a Spinumviva facturou 200 mil euros em 2022, pelo dito trabalho de reestruturação financeira, não só é o principal doador do partido, como entregou a maior parte dos donativos depois de Luís Montenegro ter anunciado a sua candidatura à liderança, confirma a contaminação entre a actividade profissional e as funções políticas. Que Luís Montenegro sempre tem negado!
As projeções macroeconómicas do Conselho das Finanças Públicas preveem um saldo orçamental nulo para este ano e um regresso aos défices em 2026, e o Conselho de Finanças Públicas deixou o aviso.
Não me admirava nada se o portal das finanças começasse a ficar em baixo. É que não vai agradar nada ao governo que os reembolsos de IRS comecem a cair durante a campanha eleitoral.
Para baixar (baixou foi a retenção) os impostos no fim do Verão, fica agora mais difícil dizer que baixaram. Pois é ... são as percepções. E logo em cima das eleições ...
E com percepções Montenegro não brinca.
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