Acolhendo e dando forma à proposta do Ministério Público o juiz Carlos Alexandre suspendeu António Mexia e Manso Neto das suas funções no topo da gestão da EDP e da EDP Renováveis, para além de lhes impôr uma série de proibições e restrições e uma caução de um milhão de euros a cada um.
A decisão do juiz mais discutido do país teve como consequência imediata um rombo de 700 milhões de euros nas duas empresas. Só a EDP mãe perdeu de imediato em bolsa perto de 500 milhões de euros!
E muito provavelmente com a sua carreira profissional de mais uma das estrelas da gestão portuguesa. Ou, dito de outra maneira, da última das estrelas da galáxia de Ricardo Salgado. António Mexia parecia ter-lhe sobrevivido, mas não passou de uma ilusão provocada por um raio de luz. O raio da luz onde pagamos tudo.
Esperemos que Carlos Alexandre se esteja a guiar por padrões de rigor e competência, e não por meros instintos mais ou menos primários, como tantas vezes a se vê. E que o Ministério Público tenha feito bem o trabalho que tinha a fazer, para que nada venha a cair que nem um baralho de cartas, como já se teme que esteja para acontecer com o processo Sócrates.
Ser forte com os fortes é ser sólido na acusação. Sem factos probatórios sobram apenas fogachos que acabam por destruir o que ainda vai sobrando da credibilidade da Justiça. Esperemos que não seja assim...
O Juiz Carlos Alexandre queria ouvir, pessoalmente e ao vivo, o primeiro-ministro como testemunha no âmbito da instrução do Processo Tancos. Contrariado, teve de lhe colocar as questões por escrito, e aguardar pela mesma forma as respostas, o que acabou de acontecer.
E de deixar o juiz muito incomodado, porque o primeiro-ministro publicou no portal do governo as respostas que lhe deu às 100 perguntas que ele colocara … nos jornais. E quer, por isso, que o Ministério Público acuse António Costa do crime de violação do segredo de justiça.
O Juiz Carlos Alexandre é muito dado a estas coisas, e é se calhar por isso que toca tão fundo no mais profundo do coração das almas do populismo. As perguntas não estão sujeitas a segredo de justiça. Só as respostas... Fazer chegar aos jornais - sempre aos mesmos de sempre, e sempre sem qualquer transparência - as perguntas que fez ao primeiro-ministro, não viola o segredo de justiça. Publicar as respostas, dadas na qualidade de primeiro-ministro, num órgão oficial do governo da República, já viola o segredo de justiça e impõe procedimento criminal.
E, pelo menos a avaliar pela lixeira tribalista das redes sociais, há quem ache que é isto que deve ser a Justiça. Não é. E não é por acaso que os que fazem do populismo bandeira, e os que, por todos os meios, se encarregam de minar a democracia e afrontar os princípios do Estado de Direito, se colam a estas posições e até exactamente a esta figura. É que o princípio de tudo está em tratar de maneira igual o que é igual, princípio que protege e garante a igualdade dos cidadãos perante a lei. Romper com isto, mesmo que pretendendo dar uma ideia de equilíbrio justiceiro pelo desfavorecimento dos mais fortes, mesmo que não se perceba onde proteja os mais fracos, é simplesmente abrir o caminho para a arbitrariedade e para a selva. Onde, depois, tarde de mais, se acabará por ver quem é quem!
A passagem da semana anterior para esta foi verdadeiramente vertiginosa. Alucinante!
Começou com a demissão do ministro da defesa, por causa de Tancos. De que, quanto mais se sabe, mais sabemos que falta saber, e mais desconfiamos que vai acabar mal. Com a demissão do ministro, e agora com a do Chefe do Estado-maior do Exército, nada acabou nem nada se esclareceu, e é grande a probabilidade de estarmos perante um sério problema de regime.
Logo a seguir veio o furacão Leslie, com os primeiros estragos a acabarem por acontecer nas televisões, com imagens degradantes de um jornalismo desesperado, à espera de bater no fundo. Insuficientes no entanto para esconder os empurrões do Bloco e do PCP, acotovelando-se para ver quem se chegava à frente para apresentar primeiro a sua medidazinha no Orçamento que aí haveria de vir. Não bastava que se tivessem colocado em posição de terem de se contentar com umas migalhazitas, foi ainda preciso prestarem-se a esta triste representação, talvez a mais deprimente imagem da geringonça, a fazer finalmente jus ao nome que Vasco Pulido Valente lhe deu.
De seguida, e sem pausa para um café que fosse, apanhamos com a remodelação do governo, logo engolida pela entrega do Orçamento. À maneira antiga, como manda a tradição, à última da hora e com muito aparato, muitos carros, muitos jornalistas, muitas câmaras, muitas máquinas fotográficas e … uma pen, essa relíquia de museu transformada em estrela da noite, posando envergonhadamente para as câmaras no alto do braço erguido da segunda figura do Estado.
Finalmente uma pausa, um bocadinho para olhar para o Orçamento…
Pura ilusão. O alto da actualidade era já dominado pela maior inquietação dos jornalistas. E de repente o problema principal da República, que já rasgava o país a meio, era o de confirmar que o orçamento era eleitoralista. Era já só o que faltava…
Valeu-nos - como sempre, o que seria de nós sem ele? - o Presidente da República. Rapidamente sossegou os jornalistas, e tranquilizou o país: “não é um orçamento eleitoralista, mas pode estar contaminado pelo clima eleitoral”.
Ainda bem. Ainda bem que é só isso. Com contaminações sabemos nós lidar…
Mais do que um país dado a mitos, somos um país marcado por mitos. Os mitos são como as fadas: há os bons e os maus, como nos revela a nossa História. Camões mostrou-nos o melhor dos nossos mitos - o Adamastor. Um mito desafiador, que despertou o que de melhor temos escondido para nos lançar no mais empreendedor dos feitos históricos da humanidade. Ironicamente, pouco depois da sua morte, surgia o pior dos nossos mitos - o sebastianismo - nas antípodas, a puxar-nos para baixo, virados para trás.
O juiz Carlos Alexandre é provavelmente um dos nossos mais recentes mitos. Rapidamente se instalou a ideia que seria o nosso Baltasar Garzon, ou o nosso Giovane Falconi, o único magistrado capaz de enfrentar os poderosos e o crime de alto nível. Foi até criada uma página do facebook de "apoio ao juiz Carlos Alexandre". Se o título não enganasse, seria uma vaga de fundo, como se todo um país se transformasse na sua claque de apoio. Como o título engana, é apenas uma página de fake news, pejada do mais abjecto populismo.
Ontem, numa coisa que não é uma entrevista nem se sabe bem o que é, que passou na RTP, o Sr Juiz voltou a mostrar pés de barro. Pode até ter granjeado mais umas centenas de apoiantes para essa página do facebook, mas cavou mais uns metros na sepultura da transparência, da credibilidade e até da dignidade. Da sua própria, mas também do sistema judiciário que integra.
Só não matou o mito, porque o mito virou fantasma. E esses não se conseguem matar...
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