Do Bidonville à Sorbonne
Por Portomaravilha
Penso que foi Carlos Batista, actual tradutor de Lobo Antunes, quem melhor resumiu ou sintetizou a evolução e a presença da Cultura Portuguesa em França.
Em meio século a Cultura Portuguesa conheceu três etapas distintas em França.
A primeira corresponde ao período do Fascismo. É a noite de breu e a história da foto cortada ou rasgada em dois. Uma maneira de lutar contra os passadores e outros negreiros. A fome era tanta que só “O Salto” antevia a vida.
A e/imigração condensa-se nos bairros de lata na periferia de Paris. Analfabeta, habituada a trabalhar de sol a sol, a e/imigração Portuguesa começa a integrar no seu vocabulário conceitos que lhe eram desconhecidos: Vacanças (por férias), Retrete (por reforma) …
A chegada de intelectuais e de refugiados políticos, já urbanizados, influenciará a história da e/imigração Portuguesa que, debaixo da ajuda do movimento associativo Espanhol, se começa a organizar. Talvez seja bom lembrar que Manuel Alegre foi militante associativo em França.
Há que recordar que o movimento associativo Espanhol tinha e tem uma consideração enorme em França. Qualquer pessoa sabe que a primeira coluna das tropas do General Leclercq que libertou Paris era composta por Republicanos e Anarquistas Espanhóis.
Apesar desta evolução e organização da e/imigração Portuguesa, a cultura Portuguesa continuava sem existência palpável na sociedade Francesa. Os pensadores Franceses que se interessavam por Portugal nem sempre eram bem vistos pelos já quadros da e/imigração Portuguesa. Estes, condicionados pelo “orgulhosamente sós”, nem sempre viam com agrado quem os questionasse, com argumentos, sobre os seus mitos, a sua literatura...
Sobre a problemática do “orgulhosamente sós”, creio que Manoel de Oliveira, no seu filme “Non ou a vã glória de mandar”, faz uma abordagem pertinente.
Fernando Namora, na sua obra Diálogo em Setembro, (1966) resume muito bem este primeiro patamar. Passo a citar: “ Que é isso um português? Donde vem? Onde se esconde a sua terra?...Que jornais há em Portugal? E existem lá pintores, sábios, cidades?...”
O segundo patamar corresponde ao desencadear da Revolução dos Cravos e à queda do Fascismo. A actualidade Portuguesa desagua na imprensa Francesa e torna-se Francesa. A tal ponto que Mário Soares e Cunhal debatem (na antiga ORTF) em directo num excelente Francês.
Uma espécie de parto tinha visto o dia. Porém, o que parece mostrar a validade conceptual do primeiro patamar é a incapacidade da imprensa Francesa em transcrever, correctamente, os nomes Portugueses nos primeiros dias da Revolução.
Junto da sociedade Francesa nasce a ideia que a e/imigração Portuguesa também têm uma história, uma memória e uma existência. Já é palpável.
A Cultura Portuguesa passou da não existência a Cultura de porteiro/a...
Esta existência, por mínima que fosse, graças ao 25 de Abril, permitiu um melhor diálogo e o conhecimento, por exemplo, de quem há anos trabalhava sobre Fernando Pessoa.
As pesquisas de Armand Guibert, Bréchon, a tese de Seabra, dirigida por Barthes (e que me perdoem os não citados), começaram a serem lidas por um número de leitores cada vez mais importante.
Pois: Quando se começa a prestar atenção ao porteiro/a...
E, assim, finalmente, chega-se ao terceiro patamar. A afirmação da Cultura Portuguesa passa a existir, em França, no âmbito do diálogo cultural da universalidade com as suas especificidades próprias e que alimentam o conhecimento humano.
Para este patamar muito contribuiu a divulgação da obra de Pessoa (graças a Bréchon e Guibert., citando os mais conhecidos). A obra de Pessoa é, nos anos oitenta, uma revelação para os leitores Franceses não iniciados. Com especial destaque para “O Livro do Desassossego”, Pessoa é o único autor Português que está publicado na prestigiada colecção La Pléiade.
A descoberta de Pessoa alargará portas a uma escola de tradução Francesa que se empenhará no estudo da Língua Portuguesa. Teria, sem esta escola, Saramago chegado ao Prémio Nobel?
É muito difícil sintetizar, em poucas linhas, a evolução e a presença da Língua e da Cultura portuguesas em França. E seria injusto esquecer o apoio das artes Brasileiras nos momentos mais difíceis. Mas uma data como marco: 25 de Abril de 1974. Que a tese de Carlos Batista lembra como a caravela que permitiu ao homem do leme navegar!
Nuno