Está cumprida a primeira semana do Tour, na sua 110ª edição. Amanhã será dia de descanso.
Foi uma primeira semana completamente diferente daquilo que é habitualmente a semana inicial do Tour, tudo por força de se ter iniciado no País Basco, com os Pirineus ali tão perto. Se nas duas primeiras etapas Pogacar fez questão de mostrar que estava forte - provavelmente para esconder as fraquezas de uma preparação interrompida com a queda em Abril, na clássica Liège-Bastonne-Liège, com a fractura de um pulso a obrigar intervenção cirúrgica - para impor respeito aos seus mais directos adversários e ganhar tempo de recuperação, a quinta, a primeira a sério nos Pirineus, entre Pau e Larons, encarregou-se de lhe desmontar a estratégia.
Uma fuga numerosa, que incluía Jay Hindley, o australiano em estreia no Tour, mas já com provas dadas, acabou por ditar a história da etapa. A fuga conquistou um vantagem apreciável que, a não ser reduzida, transformaria o ciclista australiano, que ganhou a etapa e conquistou a amarela, numa séria ameaça para os principais favoritos.
A equipa da Emirates acabou por ficar sozinha nessa tarefa de reduzir o tempo para Hindley. Conseguiu reduzir a diferença para a casa dos dois minutos, mas "rebentou" aí. Esgotada fisicamente, ou esgotado o sentido colectivo da equipa nessa tarefa, deixou Pogacar sozinho, à mercê da estratégia da Jumbo Visma. Que, se em individualidades não lhe fica atrás, em sentido colectivo e estratégico, fica-lhe muito à frente.
Com Pogacar desguardado, a estratégia era testar as suas verdadeiras capacidades. Assim foi e, no momento certoVingegaard atacou sem que o esloveno conseguisse responder. Ganhou-lhe mais de um minuto, e acabou a meio minuto de Hindley. Mas, mais que tudo isso, mais que derrotar circunstancialmente Pogacar, levantava dúvidas sobre a sua real condição para discutir a vitória neste Tour.
Dúvidas que duraram pouco. Logo no dia seguinte, na curta (faltavam 100 metros para os 145 quilómetros) etapa de despedida dos Pirineus, entre Tarbes e Cauterets, com passagem pelos míticos Col de Aspin e Tourmalet, antes dos quase 16 quilómetros finais da subida ao Cambasque, onde Rúben Guerreiro acabou em quarto - depois de integrar a fuga do dia e andar sempre na frente - Pogacar tratou da "vingança".
A etapa acabou por ter muitas semelhanças com a anterior. Também a Bora, à semelhança da Emirates no dia anterior, se esgotou na perseguição à fuga para defender a amarela de Hindley. E a Jumbo também apostou na mesma estratégia da véspera. Só que, desta vez, quando Pogacar e Vingegaard ficaram a sós, foi o ciclista esloveno quem atacou. E foi por aí acima, até ganhar na meta. Com escassos 24 segundos de vantagem para o ciclista dinamarquês - que assim "roubou" a amarela ao australiano, que caiu para terceiro na geral -, recuperando metade do tempo que perdera na véspera, mas a toda a condição de principal favorito.
Com os Pirineus para trás seguiram-se duas etapas para roladores e sprinters. A primeira - a sétima - partiu de Monte-de-Marsan - em homenagem a Luís Ocãna, vencedor do Tour em 1973, para assinalar o cinquentenário dessa vitória na terra que o grande ciclista espanhol escolheu para viver - e, por entre vinhedos donde saem dos mais famosos vinhos do mundo, acabou em Bordéus. Apostava-se que fosse a etapa em que Mark Cavendish alcançaria a sua 45ª vitória no Tour, e desempataria com Eddy Merckx. Mas Philipsen, eventualmente até com uma irregularidade no sprint, não o permitiu, e atingiu ele próprio a sua terceira vitória ao sprint neste Tour. Não teria sido um drama, se na etapa seguinte, a de ontem, Cavendish não tivesse ficado de fora da corrida, numa queda estúpida (que também atingiu Rúben Guerreiro) que lhe fracturou uma clavícula, já literalmente presa por arames (um dos ferros que a segurava acabou até por saltar).
Era o seu Tour de despedida. Como que se fosse vontade dos deuses que este fosse um recorde a manter dividido entre o maior sprinter e o maior ciclista da História.
Ironicamente, o melhor sprinter deste Tour, que até aqui tinha ganho todas as chegadas ao sprint, não conseguiu vencer, em Limoges, a etapa que destruiu o sonho do melhor de sempre.
A etapa de hoje, a fechar a primeira semana, era apontada como uma das mais importantes deste Tour. Eram pouco mais de 182 quilómetros, entre Saint Léonard de Noblat e o mítico Puy de Dôme, onde a competição não chegava há 35 anos. Onde Poulidor ganhou em 1964, batendo Anquetil num duelo espectacular, quando mais perto esteve de vestir a amarela. Que o "eterno segundo" nunca vestiu, apesar dos seus oito pódios no Tour. Por isso a partida foi motivo para mais uma homenagem ao, ainda hoje, quatro anos depois do seu falecimento, mais popular ciclista francês, centrada no seu neto, Mathieu Van der Poel, o ciclista neerlandês, nascido na Bélgica, da Alpecin- Deceuninck.
Não foi a etapa espectacular que se poderia esperar. O grupo numeroso que desde cedo se formou na frente não incluía nenhum ciclista que representasse qualquer incómodo aos da frente da classificação. Por isso foi ganhando vantagem, que chegou aos 16 minutos, já em plena subida para o Puy de Dôme, quando o grupo se começou a desfazer. E quando o pelotão passou a deixar de o ser.
Na frente saltou o americano Matteo Jorgenson, da Movistar, e parecia que ganharia a etapa. Mas aqueles últimos 4 quilómetros são certamente dos mais difíceis da prova e acabou por sucumbir já dentro do último. O primeiro, numa subida, essa sim, espectacular, vindo de trás e passando sucessivamente todos os que seguiam à sua frente, foi o veterano canadiano Michael Woods, da Israel. Pierre Latour (o francês da TotalEnergies) e o esloveno - mais um! - Matej Mohoric, da Bahrain, chegaram a seguir, e à frente do americano da Movistar.
No grupo dos principais protagonistas a história repetiu-se, com Pogacar e Vingegaard entregues um ao outro, porque são na realidade muito melhores que os outros. Pogacar atacou a 2,5 quilómetros da meta e foi embora, repetindo a cena do último do episódio. Mas, desta vez, ganhando ainda menos - 8 segundos, apenas.
Vingegaard não conseguiu responder de imediato, mas conseguiu resistir. E mostrar que tem argumentos para continuar de amarelo. Mesmo que a camisola esteja presa por apenas 17 segundos.
Dos outros, apenas salientar que, ao conservar o terceiro lugar com cómoda vantagem, Jay Hindley está a justificar o pavor que lançou nos favoritos naquela fuga dos Pirinéus. E que a jovem promessa espanhola, Carlos Rodriguez, da Ineos, mas já a caminho da Movistar, é um candidato ao pódio.
O quarto dia do Tour, o primeiro integralmente corrido em solo francês, volta a ser dia de más notícias. Más notícias - mais dois nomes grandes que ficam pelo caminho - pelas piores razões: Sagan por um comportamento inaceitável e impróprio de um campeão, e Cavendish com uma clavícula fracturada.
Peter Sagan, o eslovaco bicampeão de mundo e um dos nomes maiors do Tour, tinha ganho na véspera, numa etapa que terminava à sua medida, num sprint depois de um a ligeira subida. Esta chegada à estância termal de Vittel era diferente, mais dirigida aos mais puros dos sprinters. Boa parte deles tinha ficado fora do momento de decisão, numa queda na última curva - que atingiu também o camisola amarela, Geraint Thomas - e Sagan já só praticamente teria que se haver com Mark Cavendish, ainda o maior dos maiores sprinters do Tour.
Propositadamente ou não - nunca se saberá - resolveu a coisa com uma cotovelada que mandou o britânico contra a vedação e daí para o hospital. Ficaria em segundo - ganhou o francês Arnaud Demare - mas por pouco tempo. Foi desclassificado e expulso.
Cá está de novo o Tour, na sua 101ª edição. Começou em Inglaterra, e por lá andou estes três primeiros dias.
Hoje chegou a Londres, e lá esteve José Mourinho a receber Rui Costa. Bonito de ver! É sempre bonito, portugueses a ver portugueses que o mundo admira...
E portugueses é coisa que não falta neste Tour. Em destaque em várias funções, mas também no pelotão, em cima da bicicleta:o campeão do mundo não está só, está até muito bem acompanhado. Disso e doutras coisas falaremos aqui ao longo destas três semanas!
Com mais regularidade lá mais para a frente, quando as coisas aquecerem... Na linha dos anos anteriores!
Por agora ainda não há muito a dizer. A não ser que está a começar como acabou a última, com Marcel Kittel a ganhar. Das três etapas inglesas, ganhou duas... Nibali ganhou a segunda, ontem. Ou que Mark Cavendish, a quem Kittel inequivocamente sucede como rei dos sprinters, voltou a não ter sorte e abandonou, por queda, logo na primeira etapa. E que se espera um duelo entre Froome e Contador... E que estamos todos com uma expectativa enorme à volta do nosso campeão do mundo!
A 99ª edição do Tour chegou hoje aux Champs Eliysés, onde precisamente acaba todos os anos. Nem sempre foi assim – embora tenha acabado sempre em Paris - mas é assim nos últimos largos anos!
Foi o dia da consagração final de Bradley Wiggins (na foto), o digno vencedor, mas também de Mark Cavendish, que ganhou a etapa que toda a gente quer ganhar e, ganhando-a, igualou com três vitórias os seus rivais do sprint que na fase inicial da competição: o eslovaco Peter Sagen – uma das principais revelações deste Tour – e o alemão Andre Greipel, e tornou-se no ciclista em actividade com mais vitórias (23) em etapas desta que é a maior competição mundial de ciclismo, ultrapassou Lance Amstrong – vencedor de sete edições do Tour e de 22 etapas – e ameaça o recorde de 34 vitórias do mítico Eddy Merckx. Ao fazê-lo pela quarta vez consecutiva, igualou este lendário belga - o Canibal, como ficou conhecido - também ele vencedor por quatro vezes em Paris.
Hoje a festa foi britânica: um inglês inscreveu pela primeira vez o seu nome na lista de vencedores do Tour, outro inglês foi o segundo classificado e ainda outro ganhou a etapa. Todos da mesma equipa, a Sky, também inglesa!
Foi o corolário normal e esperado de três semanas de competição que estes ingleses dominaram por completo. Um domínio que não foi ainda maior pelos contratempos de Cavendish na primeira semana da competição, quando duas quedas lhe retiraram a possibilidade de outras tantas vitórias. Este trio inglês é composto apenas pelo melhor contra-relogista e campeão mundial da especialidade (Wiggins), pelo melhor trepador, mas também o segundo melhor no contra-relógio (Froome) e pelo melhor sprinter e campeão mundial de velocidade. E todos na mesma equipa!
Wiggins é um justo vencedor deste Tour, aquele que aqui dávamos pelo mais aberto dos últimos anos: Lance Amstrong já arrumara a bicicleta, Alberto Contador estava ainda impedido de competir e Andy Schleck estava afastado por lesão. Cadel Evans vencera no ano anterior, mas nunca estaria à altura destas três super estrelas. Tinha vencido um Tour onde não estava nenhum deles. Nem Wiggins, vítima de queda na primeira semana.
É injusto retirar mérito à vitória de Cadel Evans na competição do último ano pelo seu desempenho na deste ano. Mas já não é a imagem do ano passado que subsiste. Essa está esbatida. Bem nítida é a da sua impotência para seguir na roda do seu jovem companheiro de equipa – Van Garderen - nas montanhas deste ano nos Alpes e nos Pirenéus. Ou a da dobragem por esse mesmo jovem no contra-relógio de ontem, que tinha partido 3 minutos depois.
Wiggins justificou a vitória essencialmente nos dois contra-relógios. Que ganhou, sempre com o seu colega Froome logo atrás. Mas ficará para sempre a dúvida se o que lhe ganhou nessas duas etapas seria suficiente se Froome tivesse podido atacar nas montanhas, onde deixou evidente ser bem mais forte. Mas Wiggins justificou ainda pelos elogios que soube dirigir a este seu colega, e pela forma como soube trabalhar para as duas últimas vitórias de Cavendish: hoje e anteontem.
As figuras neste Tour não se esgotam nestes nomes. Voeckler, o vencedor do Prémio da Montanha, é uma figura incontornável do Tour. Como o já referido Peter Sagen, o vencedor da classificação por pontos que, aos 22 anos, deixou indicações para o futuro. E mais três jovens de respeito: o americano Van Garderen, também já referido, o melhor – no sexto lugar, à frente de Cadel Evans, o líder da equipa, que tanto rebocou - e por isso o camisola branca, e ainda as esperanças francesas Pierre Rolland e Thibaut Pinot, os melhores franceses, que fecharam o top tem.
Dos portugueses não há muito a acrescentar ao que foi dito nas últimas edições. Sérgio Paulinho não justificou mais qualquer registo. Já Rui Costa esforçou-se por dar nas vistas nas três últimas etapas em linha, sucessivamente em fuga. Incluindo hoje, em plenos Campos Elísios, onde tentou ganhar a mais improvável das etapas. Andou na frente, primeiro num grupo de onze fugitivos e, depois, num trio que seria alcançado pelo pelotão já nos últimos três quilómetros. Acabou num 18º lugar da geral que, sabendo a pouco, está longe de ser uma desilusão.
Acabou o Tour número 99. Viva o Tour centenário!
PS: Uma nota para a cobertura televisiva da RTP Informação. Um trabalho excelente, com o saber e a capacidade de comunicação de Marco Chagas a merecerem nota alta. Um reparo apenas para o excesso de patrioteirismo colocado na avaliação do desempenho dos portugueses. Acho que não se justifica e prejudica o excelente trabalho produzido!
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