Em Leiria, hoje casa emprestada ao Casa Pia, no seu regresso ao escalão maior do futebol nacional, com o Estádio esgotado e todo vestido de vermelho, o Benfica entrou com 11 Chalanas, repetindo a homenagem que já tinha acontecido com Eusébio. E com a novidade de Diogo Gonçalves a ser um deles, a única na constituição da equipa inicial. Porque já chega de Chiquinho, e David Neres continua afastado. E a falta que faz... logo ele que é o único capaz de nos trazer vagamente um cheirinho a ... Chalana.
O jogo começou com sensações estranhas. Duas falhas de Morato - primeiro num passe, e depois num corte - logo seguidas de uma falta, empurraram o Casa Pia para um arranque atrevido, e o jogo para uma inesperada zona de instabilidade.
Durou cinco minutos essa instabilidade. Depois o jogo normalizou-se, com o Benfica a atacar - muito, mas nem sempre bem - e o Casa Pia a defender. Também muito, mas bem. E com muitos. Com todos, num 5x4x1que deixava frequentemente nove jogadores dentro da sua área.
A meio da primeira parte, e apesar do acerto defensivo dos jogadores casapianos, ficava a ideia que a asfixia haveria de dar resultado. Mesmo sem grandes criar grande oportunidades para sequer rematar, em algum momento aquilo iria dar em atrapalhação, e a bola haveria de acabar dentro da baliza.
Esteve quase. Mas só por uma vez, aos 24 minutos. Entretanto o Casa Pia começava, de quando em vez, a conseguir sair num ou noutro lance de contra-ataque, sempre pela esquerda (uma novidade, o habitual é tentarem as apregoadas fragilidades de Grimaldo), e sempre por Godwin, um nigeriano que desconfio que vai dar que falar.
Acaba por se poder resumir a primeira parte a um jogo em que o Benfica atacava mas não conseguia rematar, porque o adversário não lho permitia; e o Casa Pia rematava sem conseguir atacar, porque tinha espaço para isso. E no fim, só mesmo nos remates, e no resultado, conseguiu empatar.
A segunda parte foi diferente, mas nem tanto. Foi diferente porque o Benfica aumentou a intensidade, porque ao intervalo Roger Schemidt trocou Gilberto ( castigado pelo Godwin, e ineficaz no ataque) por Bah, e resultou bem ... e porque conseguiu marcar. Mas nem tanto, porque continuou com grandes dificuldades em rematar; e porque o Casa Pia continuou a defender com bem, e com todos os jogadores. Mesmo depois de sofrer o golo, ainda antes de se ter esgotado primeiro quarto de hora.
O golo de Gonçalo Ramos, aos 58 minutos - quando o treinador já aprontara as entradas de Yaremchuk e Weigl em substituição de Diogo Gonçalves, o mais apagado dos da frente, e Florentino, já com amarelo - concluindo "à ponta de lança" mais uma boa jogada de ataque, não mudou apenas o resultado. Mudou também o jogo, mesmo que nada tivesse mudado no adversário. O Benfica manteve o mesmo domínio de jogo, mas agora com mais circulação de bola, e em segurança absoluta. E até com mais remates, e mais ocasiões para marcar. Não tantos assim mas, ainda assim, mais!
Claro que a vantagem mínima, mesmo com bola e com o controlo total do jogo, comporta sempre riscos. Sabe-se como há acidentes. E incidentes.
Não chegou a haver acidentes, e valeu que o incidente da expulsão de Otamendi - incidentes nas arbitragens de Tiago Martins não são contingências, são tão certos como é certo o sol nascer todos os dias - aconteceu já no segundo dos 6 minutos de compensação.
No fim este acabou por ser um dos tais jogos com que os profetas da desgraça vinham ameaçando Roger Schemidt. Dos tais jogos com as competitivas equipas do nosso futebol, orientadas pelos sagazes treinadores portugueses, que defendem com 10 com um ala velocíssimo à espreita do contra-ataque. E se não se poderá dizer que o Benfica tenha passado no teste com distinção, também não se poderá dizer que tenha sido "à rasquinha"!
Partiu o maior génio do futebol português. Quando a bitola for génio puro, o puro génio da arte da bola, Chalana é o maior de todos. A sorte não lhe foi talhada à medida da sua genialidade, e a vida acabou por ser-lhe madrasta, negando-lhe o seu verdadeiro lugar no futebol mundial.
Como é habitual, o reconhecimento chega com a morte. E os vivas a Chalana só chegam agora, quando ele já os não pode ouvir.
Não se adivinhava fácil este jogo de hoje na Luz, engalanada para comemorar o 60º aniversário do nosso mágico, o inesquecível Chalana, a passar mais uma vez por momentos difíceis. Como tanto lhe tem acontecido…
Pelo adversário, o inconstante Nacional de Costinha, capaz do melhor – pôs Alvalade em sentido quando o Sporting respirava os melhores ares do arranque de Keizer, e assustou o Dragão, apesar de tudo - e do pior, reflectido na defesa mais batida da competição, o que leva sempre a desconfiar, mas por si próprio. Pela euforia que indesmentivelmente se sente nos adeptos à volta da equipa e porque, se até agora o desafio era não perder terreno para a frente, agora era o da aproximação decisiva, do penúltimo ataque ao primeiro lugar da Liga, há muito dado por irreversivelmente utópico.
Depois de irrepreensivelmente cumpridos os desafios do início da segunda volta, os tais testes dados por inultrapassáveis por Bruno Lage, este era mais um desafio, mas agora à maturidade competitiva da equipa. Vencida a batalha exibicional, agora era a batalha da consistência competitiva, o velho chavão do estofo, introduzido no léxico da bola há umas décadas pelo mentor da guerra norte/sul. No futebol, e não só…
Pode parecer despropositado começar com esta introdução para escrever sobre um jogo que acabou em 10-0, um resultado invulgar, verdadeiramente excepcional. Histórico!
Não me parece. A envolvência era aquela, e os desafios estavam lá, e eram aqueles. E a resposta foi esta, a confirmar o estofo desta equipa que está a praticar um futebol de sonho. Perfeita, com uma exibição de luxo, coroada com 10 golos. Dez. Do número da gloriosa camisola de Fernando Chalana!
Um resultado de 10-0 não se explica. Saboreia-se. Desfruta-se, responsavelmente. E com humildade. E com respeito, muito respeito pelo adversário. Como o Benfica fez, como fizeram os jogadores e o treinador. A exibição sim, essa explica-se. E explica-se pelo que o Benfica tem vindo a fazer, pelo extraordinário crescimento da qualidade de jogo em apenas um mês. Pela qualidade de jogadores fantásticos que, há um mês, não passavam de jogadores banais, perdidos em campo sem saber o que fazer, incapazes de correr, ou sequer de saber para onde correr. Se pudessem...
Poderá dizer-se que um golo na bola de saída, aos trinta e poucos segundos, ajuda. Sem dúvida nenhuma que é melhor começar o jogo a ganhar que a perder. Mas todos nos lembramos que, há muito pouco tempo, também o Benfica entrou a ganhar no jogo com o Moreirense, na Luz. E do que se seguiu…
O golo no pontapé de saída, que começou a ser construído a partir da defesa, não foi um incidente do jogo. Foi a afirmação da qualidade do jogo que está implementada, da vontade da equipa em iniciar o seu trabalho logo ao primeiro segundo, e da consciência do que estava em jogo, conforme aquela introdução inicial, não tão despropositada quanto poderia parecer.
A partir daí tudo foi fácil. Fácil e muito bonito, porque são as coisas fáceis que fazem o futebol bonito. Ora em jogadas envolventes, com requintes técnicos de arregalar, pela direita, pela esquerda ou pelo centro; ora em passes a rasgar a estrutura defensiva adversária a solicitar desmarcações de laboratório; ora em lances de bola parada, que agora dão golo, ou muito perto disso. Sempre assim, 90 minutos assim…As oportunidades de golo sucederam-se a um ritmo alucinante. E os golos a metade desse ritmo: Grimaldo, Seferovic (duas vezes), João Félix, Pizzi, Ferro, na estreia a titular, Rúben Dias, Jonas (também por duas vezes), no regresso à equipa, e Rafa…
E aí está, a um ponto do primeiro lugar. Há um mês eram sete!
A reconquista de 2014 começou com onze Eusébios. A de 2019 arrancou com 10 Chalanas… Porque o Odysseas, que até garantiu o zero, não tem o número 1. Se o tivesse, o seu 1, como 0 que garantiu, também dava 10!
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