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Quinta Emenda

Tenho o direito de ficar calado. Mas não fico!

Quinta Emenda

Tenho o direito de ficar calado. Mas não fico!

Mártires da banca*

Convidada: Clarisse Louro

 

Ia já alta a noite de domingo quando, de repente, o primeiro-ministro nos entrou casa dentro. Não eram horas para boas notícias, as boas notícias têm outras horas. E para a mensagem de Natal era cedo, e tarde, ainda pela hora.

Disse logo ao que vinha, mesmo que começando por simplesmente dizer que o Banif tinha sido vendido. Sabia-se que as propostas de compra tinham sido entregues, como teriam de ter sido, até sexta-feira. Tão rapidamente notícias da venda, não podiam ser boas …

António Costa não disse muito, e pode até dizer-se que nem precisava. Lembramo-nos logo que a meados de Outubro, no meio das reuniões com a coligação PaF, numa entrevista TVI, tinha dito que em “cada nova reunião deixavam cair uma nova surpresa desagradável”. Questionado se vinha aí algo de “grande gravidade económica”, António Costa respondeu que sim. E disse ainda que havia “um limite para a capacidade do Governo omitir e esconder ao país dados sobre a situação efectiva e real em que nos encontramos.” E lembramo-nos também que, logo no dia seguinte, Assunção Cristas foi à mesma TVI chamar tudo a António Costa, acusando-o de “falta de seriedade e honestidade intelectual” e desafiando-o a concretizar, mas isso só nos ajuda a lembrar que o anterior primeiro-ministro garantia que os dinheiros públicos não só não estavam em risco como ainda estava a render bons juros.

O primeiro-ministro não precisou mesmo de nos dizer mais nada para rapidamente ficarmos a saber que a incompetência e a irresponsabilidade de banqueiros e políticos nos iria custar mais três mil milhões de euros. Que cada família portuguesa vai ser chamada a mandar mais mil euros para este poço sem fundo em que se tornou a banca portuguesa. 

E é aqui, neste poço sem fundo, que, a meu ver, vamos encontrar os maiores motivos para a acusação ao anterior governo.

Há evidentemente razões de sobra para acusar o governo anterior de irresponsabilidade e incompetência no estouro do Banif, que nem sequer tem nada a ver com o que se passou no BES: não houve manipulação de informação, nem suspeitas de práticas criminosas. Os auditores avisaram a tempo e a própria Comissão Europeia deu prazos para ser encontrada a solução. O governo sabia que, não fazendo nada, como não fez, se iria chegar exactamente aqui.

Mas é na forma como este governo conseguiu passar estes decisivos quatro anos e meio, exclusivamente preocupado em cortar, privatizar e cobrar impostos, e sem tocar em nenhum dos grandes problemas do país, que reside a fatia maior da sua irresponsabilidade e incompetência. Entre eles ressaltam a reforma do Estado e a do sistema financeiro. Devolveu inclusivamente metade dos 12 mil milhões de euros do fundo de resgate lhe reservara, fazendo de Portugal o único país da Comunidade que não resolveu os problemas do seu sistema financeiro. E dos portugueses os mártires da banca.

 

* Publicado hoje no Diário de Leiria

Choremos, não nos resta outra coisa…*

Convidada: Clarisse Louro

 

Na passada sexta-feira, à entrada de um fim-de-semana que será recordado como um dos mais trágicos das últimas décadas, enquanto uma parte do mundo adormecia em sobressalto, outra voltava a acordar para a violência e o terror de gente que, de gente, não tem nada.

Mascarado de fanatismo islâmico, o terrorismo voltou a entrar-nos violentamente pela porta dentro, arrombando-nos a casa, destroçando-nos a intimidade e estilhaçando-nos até as entranhas. Numa sexta-feira feira à noite, depois de uma semana de trabalho, com um fim-de-semana pela frente, numa cidade que chamam do amor, onde tudo pode acontecer…

Fim-de-semana, restaurantes, bares, uma sala de espectáculos, um concerto, um estádio de futebol, um jogo de futebol… Bem ou mal, pouco interessa, é o nosso modo de vida. É a forma como vivemos. Como gostamos de viver, e como temos o direito de poder viver. Livres, sem medo…

É do medo que vivem, é no medo que assentam toda as estruturas de terror que os mantém activos. Por isso não lhes basta matar, às dezenas, às centenas, aos milhares. Mais que violar e matar inocentes eles querem matar-nos a todos, matando a maneira como vivemos.

E lembrarmo-nos como tudo isto começou. Lembrarmo-nos como há quase quarenta anos os Estado Unidos armaram os talibãs, porque do outro lado estavam os soviéticos. Lembrarmo-nos como, atraídos pelo cheiro do petróleo, Bush e Blair, com Asnar e Durão Barroso como acólitos, destruíram um Estado – uma ditadura, sim, uma ditadura como todas as outras da região – e o entregaram, em mão, a estes bandos de terroristas, nascidos no Afeganistão e criados pela ditadura saudita. Essa boa, porque amiga. Lembrarmo-nos como há apenas três anos, os mesmos, sempre os mesmos, como se não tivessem memória, armaram mais e mais terroristas para destruir a Líbia e executar barbaramente Kadhafi. Pouco antes, um amigo, como já fora Sadam… E, como se tudo isto não bastasse, lembrarmo-nos de Assad, na Síria, hoje pátria do terrorismo internacional e sede do poder do auto denominado Estado Islâmico, o mais sanguinário e bárbaro eixo do fundamentalismo islâmico que a monarquia saudita, incólume na sua redoma de petróleo, financia e alimenta ao longo das últimas décadas.

Choramos hoje Paris. Como amanhã choraremos uma outra das nossas cidades que amamos. Choremos os mortos. Choremos os feridos e espoliados. Choremos as famílias desfeitas. Choremos a hipocrisia…

 

 * Publicado hoje no Jornal de Leiria

 

Contas*

Convidada: Clarisse Louro

 

Percebo que para o negócio, nuns casos, jogo ou entretenimento, noutros, do comentário e da análise política dê muito jeito extrapolar e especular à volta do voto expresso por cada um dos portugueses. Nestas como em quaisquer outras eleições.

O espectáculo precisa disso, e o showbiz montado à sua volta mais, ainda. Por isso está praticamente institucionalizada a ideia de uma entidade colectiva chamada eleitorado, dotada de personalidade e vontade própria. Que, parece-me, mais não faz que procurar legitimar um imenso cardápio de especulações ilegítimas.

Tenho por indiscutível que cada voto tem uma motivação própria, e que os resultados eleitorais resultam de uma única conta: a soma de todos esses votos individuais. Ao expressar o seu voto cada eleitor espera com ele contribuir para o sucesso da sua própria motivação.

Dizer-se, por exemplo, que os portugueses quiseram que o governo se mantivesse em funções mas sob controlo, sem rédea solta, parece-me tão ilegítimo quanto disparatado. Os portugueses que se manifestaram pela continuação do governo foram os que votaram na coligação, não foram os outros. Disso não pode haver dúvidas. Como dúvidas não pode haver que esses, os que votaram na coligação, não pretendiam introduzir nenhum tipo de limitação à sua acção governativa. Pelo contrário, com o seu voto não pretendiam outra coisa se não a maioria absoluta!

Quem votou no PS não o fez para que o governo se mantivesse, mas agora sem maioria. Fê-lo para que o PS fosse governo. Como quem votou na CDU ou no Bloco de Esquerda não o fez por vontade em manter a governação do PSD e CDS.

Parece-me claro! Como é claro e fica por evidente que, mais que ilegítimo, é abusivo e intelectualmente desonesto, pretender que a vontade do todo seja exactamente o contrário da vontade de cada uma das partes.

A leitura séria e legítima dos resultados eleitorais – sejam eles quais forem – não se faz de interpretações subjectivas e de especulações oportunistas. Faz-se, em primeira análise, do xadrez de representação que produziram. E, depois, da concertação política que dessa representação resulte.

Tudo o resto, que diariamente vamos vendo, ouvindo e lendo, é democraticamente inaceitável, e deixa bem à vista um regime a apodrecer numa democracia de faz de conta: faz de conta que conta, mas não conta com todos, nem conta para todos. E nem todos contam…

Pelas contas de quem acredita que a democracia é a única forma de legitimar o poder, 40 anos teriam de ser tempo suficiente para amadurecer e apurar o regime democrático. Não foram!

 

* Publicado hoje no Jornal de Leiria

O drama dos refugiados… e da Europa …*

Convidada: Clarisse Louro

 

Depois de perseguidos e violentados nas suas terras, depois de arrancados às suas comunidades, e entregues a troco do dinheiro de toda uma vida às mãos criminosas do tráfico humano. Depois de resistirem – os que resistiram – a tudo isso e de resistirem aos maus-tratos, às más condições das embarcações e até ás armadilhas do mar; depois de conseguirem – os que conseguem – sobreviver ás viagens da morte e escapar do cemitério em que o Mediterrâneo está transformado, chegam aos milhares a Itália e à Grécia. Em vez da terra prometida encontram campos de refugiados, em vez de um ponto de chegada, um ponto de passagem, com novos destinos de não menores perigos.

Daí muitos partem por sua conta e risco para leste e para norte, continuando a escrever, muitas vezes com sangue, a saga da maior crise de refugiados e deslocados de que há memória: 60 milhões de pessoas, o maior número desde que a ONU procede ao seu registo, que fogem da sequela da dramaticamente invernosa Primavera Árabe, mas também das guerras síria, afegã ou sudanesa, das perseguições na Etiópia e na Eritreia, e de uma forma geral de circunstâncias de vida impróprias da condição humana, comuns a quase todo o continente africano.

Partem em direcção à Suécia, ainda o el dorado do acolhimento. E á Alemanha rica, cada vez mais rica, e por isso sempre atraente, sempre tentadora com a maior capacidade acolhedora. E à França, que ainda é quem mais refugiados recolhe. E partem para o Reino Unido, cujo passado imperial se projecta numa Commonwealth que ainda brilha e encanta. E faz sonhar mesmo quem já lhe perdeu o sentido…

E encontram o que a Europa tem para lhe oferecer. Mais campos de refugiados, mais improvisados ainda. Ou ainda pior: um muro de quatro metros de altura, à entrada da Hungria. Ou um túnel da morte, na Mancha, que todas as noites centenas e centenas tentam atravessar desafiando a morte. Que ganha muitas vezes, como no último fim de semana…

Sem uma política comum para lidar com este drama, esta Europa não tem mais para lhes oferecer. Nem uma simples estratégia de distribuição dos refugiados, nem um mero programa de emergência… Porque a Europa não tem – também neste domínio – uma estratégia para olhar para o mundo à sua volta. Nem sequer uma estratégia para um olhar obre si própria que vá para além do virar da própria esquina. Nada que lhe permita abrir caminhos que posam cruzar dramas como este com uma verdadeira estratégia para enfrentar muitos dos seus problemas fundamentais. Como a demografia. Ou como a segurança…

Por isso cada país olha para este drama como o problema que tem à porta. Como se de uma praga se trate –  “praga de pessoas que atravessam o Mediterrâneo, em busca de uma vida melhor”, nas próprias palavras de David Cameron.

Uma praga a que declaram guerra, valendo-se de tudo para a desviar para a porta do outro. Nem que a porta seja mesmo ao lado, como agora fazem França e Inglaterra… Que tanto gritam em comum por ajuda, como se acusam reciprocamente!

Já que não fazem ideia de como tratar de tão dramática situação lembrem-se ao menos que estas pessoas são gente. Gente que já perdeu tudo, que já nem tem mais nada para perder. E que não quer, nem pode, andar para trás.

 

* Publicado hoje no Jornal de Leiria

A ignorância como aliado*

Convidada: Clarisse Louro

 

Em toda a Europa, e diria que em quase todo o mundo, é enorme a preocupação com a situação grega, consciente que está toda a gente dos enormíssimos riscos que se estão a correr, quer no puro domínio da economia e das finanças, onde se está diante do desconhecido – são mares nunca antes navegados, como por aí se tem ouvido dizer – quer, muito em particular, no que à paz respeita. Na Europa, e no mundo. Onde, infelizmente, não temos pela frente mares nunca antes navegados. Antes pelo contrário, são mares que já foram navegados. Mares revoltos e tenebrosos, que a cegueira e a irresponsabilidade de alguns já ousou enfrentar. Com os piores resultados, conforme nos mostra a História, que uma leva de ignorantes de como não há memória, de uma ignorância assustadora, desconhece.

Comecei por dizer “em toda a Europa e em quase todo o mundo”. Mas tenho de corrigir para em quase toda a Europa e quase todo o mundo. Porque neste cantinho do extremo ocidental há um país que tem mais com que se preocupar. Ou melhor – e lá volto eu a ter que me corrigir – um país governado por gente que tem outro tipo de preocupações. Gente ainda mais ignorante que os ignorantes de que comecei por falar, para quem umas eleições que aí vêm são a única coisa que conta. É certo que essas mesmas eleições, e mais umas outras aqui ao lado, foram também as coisas mais importantes para os outros ignorantes de que comecei por falar. É certo que foram esses ignorantes que convenceram os nossos que isso era mesmo a única coisa que importava. Só que esses, mesmo ignorantes, têm os cinco sentidos a funcionar, e começaram a preocupar-se e logo que lhes começou a cheirar a queimado. E a verdade é que não pararam…

Não sei se vão a tempo de evitar a catástrofe, mas têm tentado e estão a tentar.

Aos nossos ignorantes é que nada chega. Nada cheiram, nada enxergam… E continuam a esfregar as mãos de contentes, convencidos de que assim se mantêm inamovíveis, agarrados ao poder de que dependem como de oxigénio.

Gritam: vejam bem os gregos nas filas das caixas Multibanco, impedidos de tocar nas suas poupanças. Só têm direito a sessenta euros… Num programa de televisão houve até um jotinha que se deve ter achado o máximo, ao dizer que enquanto os portugueses andam a tirar selfies na praia, ao sol, os gregos fazem-no nas filas do Multibanco. E a própria figura mais alto do Estado não encontrou melhor maneira de manifestar a sua despreocupação do que recorrer à aritmética para dizer que ainda sobram dezoito.

Nunca a Europa esteve nas mãos de gente tão fraquinha. Mas nunca em Portugal tão fracos reis fizeram tão fraca a forte gente!

 

* Publicado hoje no Jornal de Leiria

A violência ignorada*

Convidada: Clarisse Louro

 

O país tem vindo a ser assolado por uma onda de violência que já não se sabe bem onde irá parar. Sucedem-se os assassinatos a ritmos nunca vistos, por tudo e por nada. Mata-se por desavenças familiares, mata-se por ciúmes, mata-se por intolerância, mata-se por dá cá aquela palha e mata-se sem que se saiba por quê.

Matam-se velhos e jovens… Matam jovens e velhos!

Mostram-se vídeos de jovens que agridem jovens. Tão gratuita quanto selvaticamente. Nem a própria polícia escapa, entrando também ela no domínio da selvajaria, mesmo que escondida atrás do futebol. Onde a fronteira entre a festa e a violência é uma membrana ténue, facilmente rompida por um qualquer provocador, sempre pronto a servir de ignição para incendiar ambientes que rapidamente se convertem em campos de batalha. E pouco depois em autênticos cenários de guerra.

Multiplicam-se os suicídios por todo o país, porventura o expoente máximo da violência. A violência extrema de acabar com a própria vida. A violência do fim da linha…

Não sei se se poderá dizer que tudo tem a ver com a situação que o país há muito atravessa, e que, teimosamente e contrariando o discurso que nos querem impingir, persiste em manter-se. Não acredito que um país possa empobrecer e sofrer, como empobreceu e sofreu nestes últimos anos, sem que a violência se manifeste… Não acredito que uma sociedade possa perder as suas referências e equilíbrios na enxurrada que lhe destruiu a classe média, sem qualquer tipo de reacção.

Não acredito que a violência que foi imposta aos portugueses não gere violência. Não gerou violência social, nem sequer pequenas ondas de agitação. Não gerou movimentos inorgânicos de grande protesto. Nem sequer orgânicos. Somos um povo de brandos costumes, diz-se. Mas é sempre pior quando não há redes de escoamento das frustrações, quando o sofrimento não encontra forma de expressão…

Tenho por claro que este clima de violência não está a ser devidamente tido em conta. Nem sequer se pode dizer que o país esteja chocado. Tudo isto lhe passa ao lado, com a mesma facilidade com que vimos tanta gente desviar-se e passar ao lado de quem, no chão, precisa e clama por ajuda. É a marca da desumanização, cada vez mais cravada na sociedade portuguesa.

Bem sei que muitos dirão que não há razões para alarme. Que tudo isto se circunscreve a fenómenos comunicacionais: que não há hoje mais sinais de violência, o que há é mais notícias deles. Que hoje as notícias correm outra velocidade, chegam de todo lado e a todo o lado.

Não me parece que tenham razão. É verdade que hoje as notícias voam, e chegam-nos de todas as formas. Notícias de violência entram-nos em casa sem pedir licença. Mas isso apenas a banaliza. Isso apenas faz com que lhe demos menos importância. Que nos desviemos, para passar ao lado… Permite-nos fingir que não vemos… Mas só isso. E isso não resolve nada. Como temos obrigação de saber! 

 

* Publicado na edição de hoje do Jornal de Leiria

Chuva de candidaturas*

Convidada: Clarisse Louro

 

Com o Presidente da República – nitidamente em contra mão e em choque frontal com os interesses do país e até com muitas das posições que recentemente defendeu, entre as quais a de que o país não pode entrar num novo ano sem o respectivo Orçamento – a manter as eleições lá para o início do Outono, era praticamente inevitável que a corrida para as presidenciais acelerasse por esta altura.

Para as candidaturas presidenciais não há Verão. Só há férias. No Verão só vai haver tempo para isso, para férias, e para as legislativas. Qualquer iniciativa seria tão condenada à efemeridade como os desenhos na areia à mercê das ondas da praia. Depois das legislativas sobrarão pouco mais de dois meses, já não há tempo…

A não ser para Marcelo Rebelo de Sousa, que arrancou há quatro anos – e já com tudo preparado há muito mais tempo – que se mantém confortável no seu cadeirão televisivo a marcar o tempo e o compasso (e ainda por cima lhe pagam por isso, e bem, ao que se diz), aos putativos adversários, enquanto vai metendo debaixo do braço a maior máquina partidária do país, que não descura por nada… Para ele há tempo para tudo, até para fazer crer que há ainda Rui Rio!

Portanto, e ao contrário do que por interesse próprio diz o próprio Marcelo, não é cedo para o surgimento das candidaturas presidenciais. É este o tempo, e não há nisso nada de surpreendente.

Como também não é verdadeiramente surpreendente a autêntica chuva de candidatos que para aí vai, mesmo num país com tão baixos níveis de participação cívica. E não é, embora também lá esteja um ou outro, gente à procura dos seus cinco minutos de fama.

Dir-se-á que as presidenciais serão sempre propícias a este fenómeno. São, antes de tudo, eminentemente pessoais. E constituem também as únicas circunstâncias em que o regime admite toda a iniciativa ao cidadão, em que o regime não empurra para trás quem dê um passo em frente…

Mas não consigo dissociar esta chuva de candidaturas – apesar de estar profundamente convencida que, nas urnas, não será batido o recorde das eleições de 1986, as únicas até hoje com segunda volta, então com oito candidatos presidenciais – do momento político e social que o país atravessa, do estado a que o país chegou e, acima de tudo, do desgaste que atingiu um regime que dá sinais de esgotamento. Vê-se contestação aos partidos do regime. Percebe-se indignação!

Leiria não escapou nem a esta chuva, nem a esta onda. E conta com o inédito de dois candidatos: Henrique Neto, o primeiro a avançar, e Cândido Ferreira, um dos últimos. Curiosamente ambos saídos do mesmo partido, o PS, cuja reacção à candidatura de Henrique Neto, mais que lamentável, foi absolutamente deplorável. Mas acrescentou-lhe notoriedade e alargou certamente o espaço de simpatia da candidatura. Até porque não ofende quem quer… E há gente no PS que tem mesmo muita dificuldade nisso…

Não sei se chegarão ambos às urnas. Gostaria que sim, evidentemente. Já quanto a votos, o meu, para já, é que tudo lhes corra bem!

 

* Publicado hoje no Jornal de Leiria

… um fingidor, que finge tão completamente…*

Convidada: Clarisse Louro

 

Depois de ter mandado embora milhares de portugueses, explicando-lhes que teriam de sair da sua zona de conforto, a que estavam mal habituados pelo luxo de viver na sua terrra, acima das possibilidades, o governo pretende fingir que os quer de volta.

Não para tapar a vergonha, não que se tenha arrependido, não que os queira realmente de volta… Apenas porque quer o seu voto e o das suas famílias, que por cá ficaram a sonhar com o seu regresso. E o voto dos outros a quem, com esse fingimento, pretende convencer que o país é outro. Que mudou tanto que já pode acolher de volta os que tiveram de emigrar, que já há de novo lugar para eles!

A este fingimento o governo chamou VEM. Desemprega-te, se ainda o não estás, aí onde quer que estejas, e VEM criar o teu posto de trabalho, VEM empreender, VEM investir, que o governo tem aqui 10, 20 mil euros no máximo, para o teu projecto. Não venhas é com a ideia do conforto num emprego na administração pública, porque isso está reservado aos melhores. Que têm de passar pelo crivo estreito da CRESAP, onde tu até poderás passar. Mas onde certamente passará também alguém de um dos nossos partidos, bem mais competente e que naturalmente, no fim, acabará por merecer a nossa escolha.

Para cara deste fingimento hipócrita o governo escolheu a do secretário de Estado Pedro Lomba, mais uma das jovens promessas desta maioria que, lembrar-se-á o leitor, surgiu de rompante com os briefings diários aos jornalistas, vai para dois anos, que iriam definitivamente resolver todos os problemas de comunicação do governo. Que desapareceram em três dias. Os briefings, não os problemas. Esses são mais teimosos!

Com os briefings desapareceu também este jovem e acutilante secretário de Estado. E durante quase dois anos não se soube do seu paradeiro. Terá – quem sabe? - também emigrado, para ser agora o primeiro a vir. Mesmo sem ter de criar o seu próprio emprego, que ficara guardado. Mesmo sem lhe ser exigido que empreenda, sempre poderá servir de inspiração. E não deixa de ser um VIP, o que não deixaria de servir para dar a ideia que os VIP do governo não servem apenas para encher as listas de intocáveis entregues á administração fiscal.

Não é que a escolha fosse fácil. O leque de caras disponíveis no governo para o fingimento e para a hipocrisia é, nesta altura, bem alargado. Difícil é escolher. Mas o governo escolheu bem. Aproveitou para fazer prova de vida de um secretário desaparecido, uma jovem promessa que tão necessária vai ser no tempo que vem – esse sim, vem e traz as com ele eleições. E sabe-se que toda a gente está disposta a um pequeno “mais” para fazer prova de vida. E, francamente, para um fingimento destes nada melhor que alguém que já tem experiência em ir buscar lã e sair tosquiado!

 

* Publicado hoje no Diário de Leiria

Novidades*

Convidada: Clarisse Louro

 

De repente, dois homens ainda jovens e bem parecidos, de ar desempoeirado e sem gravata, irromperam por esta Europa fora. Contra todos os cânones da eurocracia de Bruxelas, foi vê-los em contra mão por Londres, Paris, Bruxelas, Berlim, Viena...

Não deixam ninguém indiferente, despertam ódios e paixões, mas acima de tudo surpresa e admiração. E inspiram medo, muito medo em muita gente. Mas também esperança, muita esperança em muita gente… É sempre assim quando alguém ousa dizer o contrário do que está estabelecido!

A novidade nem está tanto no que dizem. Desde logo porque eles próprios já o dizem há muito tempo, na Grécia e por onde têm passado. Como muitos outros, em muitos outros sítios. A novidade está na voz que agora lhe foi dada pelo povo grego, na legitimidade democrática que conquistaram.

A novidade não está em dizer que a austeridade falhou e que a estratégia está errada. Já há muito que isso é dito, e começa até a ser já consensual, mesmo que os que cegamente a defendem não o queiram admitir. A novidade está nos radicais, que não são uns, mas justamente os outros. A novidade está nas alternativas que afinal há, e se dizia não haver. Mas, acima de tudo, a novidade está em perceber que é possível um certo pensamento político chegar ao poder. Que há ideias e formas de acção política que já não cabem numa pequena caixinha com o rótulo de protesto. Que é possível saltar de um gueto estigmatizado para um projecto de poder. A novidade está no que possa ser uma onda que atravesse a Europa e arrase o velho, caduco e corrompido paradigma com que se tem feito política no sul da Europa. A novidade está na mensagem clara que é possível acabar com as velhas e esgotadas famílias políticas. Que é possível romper com os centrões dos interesses que se têm perpetuado no poder, prometendo sistematicamente na oposição o que sempre negam no governo. Acusando sempre o outro pelo passado que depois repetem.

É justamente isto que inspira medo a muita gente. Mal disfarçado aqui ao lado, em Espanha, e mais escondido atrás das mais patéticas afirmações, aqui entre nós.

Alexis Tsipras e Varoufakis não são apenas as duas novas estrelas da Europa, e muito menos figuras maiores do conto para crianças que Passos Coelho pretendeu prefaciar. Poderão ser uma lufada de ar fresco numa Europa esgotada e empenhada em despenhar-se no abismo para que corre em passo acelerado.

Não é certo, longe disso, que as coisas corram bem. É muita coisa a ter que correr bem. É necessário chegar a acordo com a Europa, sem troika. Que não seja um acordo a qualquer preço, que seja fiável e que não ponha em causa os compromissos eleitorais que lhes legitimam o poder. E sabe-se que não é fácil, que os campos estão hoje bem extremados, que há um enorme oceano a separar o radicalismo e a ortodoxia alemã das pretensões gregas. Mesmo que o surpreendente e recente apoio austríaco possa ser bom agoiro…

Mas é também necessário – e não menos difícil – que aquilo que depende apenas dos gregos corra bem. Que o combate às oligarquias, aos grupos de interesse, e à evasão fiscal, essas sim – e não os cortes cegos da receita alemã – as reformas estruturais que estão por fazer na Grécia, seja determinado e bem sucedido. E que deixe de fugir dinheiro dos bancos gregos… Se é que ainda por lá ficou algum!

 

* Publicado hoje no Diário de Leiria

Corrupção: a palavra do ano!*

 Convidada: Clarisse Louro

Pelo sexto ano consecutivo a Porto Editora convidou os portugueses a escolher a palavra do ano. Tudo começou em 2009, quando a escolha recaiu em esmiuçar, traduzindo o sucesso dos Gato Fedorento, que então esmiuçaram muita coisa, e acima de tudo as eleições desse ano. Em 2010, a escolha foi determinada pelo campeonato do mundo de futebol da África do Sul, com os portugueses, impressionados com aquelas gaitas insuportavelmente ruidosas que marcam o colorido que os africanos dão ao futebol, a escolherem vuvuzela.

A partir daí a vida dos portugueses mudou, e com cada vez maiores dificuldades, as palavras mudaram de tom. E em 2011, para palavra do ano os portugueses escolheram austeridade, provavelmente bem longe de pensarem que austeridade era coisa que não os largaria em todos os anos seguintes. Perceberam isso – que a austeridade viera para ficar – logo no ano seguinte, e por isso inventaram uma palavra que traduzisse o que se sentiam: entroikado. Era isso, os portugueses sentiam-se entroikados!

Em 2013, com um Verão trágico em áreas ardidas e vidas perdidas em incêndios, dificilmente os portugueses escolheriam outra palavra que bombeiro. Como, para o ano que acaba de se despedir, dificilmente poderiam deixar de escolher corrupção.

Em 2014 foram conhecidas as condenações do processo Face Oculta, que ainda antes, e para além da condenação à prisão de ex-ministros e de mais gente ligada ao poder, provocou uma série de graves efeitos colaterais, os menores dos quais não terão certamente sido os envolvimentos das estruturas de topo do aparelho judicial nos episódios de destruição das escutas telefónicas que envolviam José Sócrates. Foi conhecida a condenação de Duarte Lima, por enquanto ainda naquilo que poderá apenas ser a ponta do iceberg que será a actividade escura do antigo líder parlamentar de Cavaco silva. Descobriram-se as burlas, as comissões e os prémios dos Espírito Santo, num pântano de corrupção e vigarice. Foram presos altos funcionários do Estado e da Polícia, envolvidos numa teia de corrupção potenciada pela autêntica via verde que o governo abriu com os vistos gold. Foi pela primeira vez preso um ex-primeiro ministro, suspeito de crimes vários, entre os quais avulta justamente a corrupção, com base em factos que, podendo vir a ser difíceis de provar, são ainda mais difíceis de justificar. E foi vergonhosamente arquivado, ao fim de oito anos de investigação, o processo da compra dos submarinos, mesmo sabendo que na Alemanha os corruptores activos foram condenados e presos, e que confessadamente jorraram milhões de euros pela administração do Grupo Espírito Santo. Entre os quais largos milhões destinados uma determinada pessoa, num determinado dia, num determinado local, que nenhum interesse suscitou à investigação do Ministério Público. Que no despacho de arquivamento não fez sequer qualquer esforço para esconder a negligência, chamemos-lhe assim, e lavou as mãos, dizendo que nem sequer era muito importante apurar os crimes, porque, a terem ocorrido, já teriam prescrito.

Depois de todos estes anos de sacrifícios – para nada, ao contrário do discurso oficial –, do empobrecimento brutal, e do dramático alargamento das assimetrias sociais, só faltava esta percepção de corrupção para rebentar uma tempestade perfeita na sociedade portuguesa!

 

* Publicado hoje no Jornal de Leiria

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