Agora, que já sabemos que as petrolíferas não se "abotoaram" com a descida do ISP, que a ERSE não detectou abusos nenhuns, e que foram os preços do crude, e o euro a desvalorizar para o dólar, que "engoliram" o ISP de que o governo abriu mão, já podemos voltar a falar em lucros excessivos. Aquilo de que falou António Costa Silva, o inexperiente Ministro da Economia na apresentação do programa do governo, que logo adquiriu experiência necessária para dizer que nada era bem assim.
Fora anunciado durante toda a semana: a descida do ISP, que entrou hoje me vigor, iria provocar uma descida significativa nos preços dos combustíveis. As primeiras notícias da manhã davam conta que em muitos postos de abastecimento não havia qualquer redução dos preços. Pouco depois começou a ouvir-se que o governo tinha dado ordens à ASAE para começar a fazer umas visitas às bombas de gasolina, para perceber o que se estaria a passar.
Entretanto, nas auto-estradas, olhávamos para aqueles painéis que aqui há muitos anos nos disseram que serviam para termos a certeza que o mercado era aberto e a concorrência, como o liberalismo - como o outro diz - funciona. E víamos o que sempre vimos - os preços anunciados pelos diferentes operadores "iguaizinhos". E, como antes da descida do ISP, acima dos 2 euros.
Provavelmente, a esta hora já muitos especialistas destas coisas vieram explicar que .... azar - os preços dos mercados internacionais "comeram" o ISP todo. Não dizem é que este é um "azar" fatal, como o destino.
O insuportável preço dos combustíveis é culpa dos impostos. Sempre e só dos impostos. Até mesmo quando eles caem sem que os preços dêem por isso!
Não sei se a ASAE foi para as bombas de gasolina, como dizem que Costa mandou. Nem, se foi, se valeu para alguma coisa. Sei é que só há uma mão nisto. É aquela que tem o sinal de sentido proibido nas faixas contrárias nas auto-estradas. A mão que nos diz que a liberalização funciona, mas só tem um sentido!
O preço dos combustíveis ameaça tornar-se no maior factor de instabilidade da sociedade portuguesa. É aquilo que os portugueses mais obviamente percepcionam, para além do que sentem na pele.
Sobem todas as semanas. Dá para comparar com as cotações do preço do petróleo - há nove ou dez anos o petróleo cotava pelos 100 dólares o barril, tem andado pelos sessenta, e só agora ameaça chegar aos 80. É dos mais altos da Europa, bem acima da média europeia, e dá para comparar com os salários mínimos dessa mesma Europa. Com a Espanha, aqui ao lado, para não ir mais longe. Se mais longe formos mais evidentes são as diferenças. E, conforme a imagem acima, sabe-se até que o preço dos combustíveis, sem impostos, é mais alto em Espanha que em Portugal, e bem mais que a média europeia, quando, no fim, com os impostos, aqui ao lado, o preço é até inferior ao da média europeia.
Por tudo isso, os preços da gasolina e do gasóleo podem muito bem ser a chave da ignição da mobilização do descontentamento generalizado dos portugueses que, como se sabe, não é electrónica - leva muito tempo a aquecer. Mexem muito mais com os portugueses que as questões do Orçamento: se é ou não aprovado, se o governo cai ou não, e se há ou não eleições antecipadas, instabilidade política e orçamento por duodécimos.
E no entanto o governo brinca com isto. Tem almofadas para tudo, tem margem para negociar isto e aquilo com os parceiros de aprovação do orçamento. Mas não tem almofada nem margem para baixar a carga fiscal sobre os combustíveis, e surge agora - ontem, a anunciar para hoje - a baixar o imposto sobre o gasóleo em 1 cêntimo e sobre a gasolina em dois. Porque, afinal, o aumento dos preços desde o início do ano, que já vai próximo dos 40 cêntimos, gerou um valor de IVA adicional (60 milhões de euros, diz) que entende dever, agora, devolver dessa forma aos consumidores em sede de ISP.
Os preços dos combustíveis, que integram todos esses impostos, são sempre actualizados no início da semana, à segunda-feira. Se isto não fosse uma brincadeira, esta insignificante redução seria incorporada no novo aumento da próxima segunda-feira. Mas não. O governo antecipou-a para hoje, sábado, para, depois de amanhã, os preços voltarem a subir. Para preços que bebem de um só golo essa descida. Os golos seguintes já são de novo por nossa conta.
Que o preço dos combustíveis em Portugal é dos dos mais altos da Europa, todos sabemos e sentimos. E sentimo-lo como nunca o sentimos, a ponto do governo vir finalmente dizer que o mercado funciona em oligopólio, e que irá intervir para fixar margens máximas no negócio.
O funcionamento em oligopólio é uma evidência. Basta nas auto-estradas olhar para as placas informativas dos preços, mas também fora delas. A diferença é que nas auto-estradas elas sucedem-se, e permitem-nos olhar e ver uma, ainda com a imagem da anterior fresquinha. Pois ... os preços são todos iguais. E aumentam sempre ao mesmo tempo.
A concorrência é uma treta que ninguém se preocupa em sequer disfarçar. A prática de preços concertados é ilegal, mas ninguém se preocupa nada com isso.
Quando o governo, ontem, anunciou essa intenção de limitar as margens dos players deste mercado deu-se uma coisa curiosa. A Apetro, a associação das petrolíferas, veio logo dizer que ninguém lhe pode mexer no queijo e, não desmentindo que as margens têm subido, como finalmente um estudo da Entidade Nacional para o Setor Energético (ENSE) demonstrou, defendeu-se com a queda da procura. Se vendem menos, têm que compensar essa quebra com o aumento das margens. E podem ... porque - lá está - o oligopólio permite-lho.
Já a ANARECA, a associação dos revendedores, diz que não. Que não há aumento nenhum das margens, que os preços sobem porque o preço do petróleo sobre nos mercados internacionais, quando sabemos que os preços estão ao nível mais alto de 2012, e o preço do petróleo a cerca de metade do de então.
O curioso nem é tanto que a ANARECA não tenha reparado nesse absurdo. Curioso é mesmo esta inversão de papéis, é estar tudo ao contrário. Que a os distribuidores falassem de margens e os produtores dos preços internacionais do petróleo, mal ou bem, a gente ainda percebia. O contrário, como aconteceu, é que não dá para perceber.
Numa coisa estão no entanto ambas de acordo - é que a culpa é dos impostos. Que no preço de cada litro há 60 cêntimos de impostos. Também sabíamos. Mas também sabemos que esses impostos são os mesmo desde o início do ano, e os preços subiram 40%.
Ou em duas. Também estão de acordo em continuar a fazer o querem dos preços porque quem paga é sempre o mesmo. E tem por hábito não refilar!
- Não, não. Os jornais dizem que "fontes do sector" explicam que os mercados internacionais ficaram hoje muito nervosos quando viram o Trump a gritar: "agarrem-me se não eu vou-me ao Irão"...
- Ah... Percebo... As "fontes do sector" gostam de levar depressa as más notícias às bombas de gasolina...
Dificilmente encontraremos melhores fotografias do país que somos que estas que desde ontem podemos captar nas imediações dos postos de abastecimento de combustíveis. Se olharmos com atenção, no caos que se instalou nas bombas de gasolina estão lá as imagens do país que vivemos.
Uma greve convocada por um sindicato com três ou quatro meses de vida, com um universo de 800 associados, na leva de um novo sindicalismo que passa ao lado das velhas estruturas, ou a imagem que mostra com toda a nitidez que, para garantir paz social, hoje, ao governo, já não basta ter o PCP no bolso. Sim, há profissões com 800 profissionais que contam. Que podem parar o país, e ninguém sabia disso.
Profissionais com salários de 650 euros mensais. Que chegam aos 1.400 ou 1.500 líquidos, dizem os respectivos patrões. O triplo do vencimento base, por força dos subsídios de refeição, dois por dia, porque a tanto o obrigam as horas que se esticam pela jornada de trabalho, dos subsídios de risco, e todo o tipo de ajudas de custo geridas à medida de cada um, na imagem de um país "uberizado".
A imagem de um governo de calças na mão, à beira de eleições, a perguntar pelo que mais lhe irá acontecer...
E finalmente a imagem do velho espírito tuga, captado no seu melhor num dos infinitos directos das televisões: "já estive ontem na fila e atestei, mas como ontem ainda acabei por gastar uns 20 euros, hoje venho atestar outra vez"...
Quem, ontem, chegou a um posto de abastecimento de combustíveis e olhou para o preço na bomba, notou que aquilo tinha dado mais um grande pulo. Quem se tivesse limitado à constação e abafado o desabafo, lembrava-se da passagem de ano, uma horas atrás, apontava o dedo para Orçamento Geral do Estado e seguia em frente. Quem se fizesse de desentendido e não resistisse ao desabafo acabaria por ouvir:"e amanhã há mais, e ainda vai ser pior"... E lembrava-se então que hoje é segunda-feira, que já não é só o primeiro dia da semana, é o dia em que o cartel dos combustíveis lhes aumenta o preço...
A decisão do governo de baixar, por via dos impostos, o preço do gasóleo para as transportadoras nos postos de abastecimento fronteiriços - deixando desde já o anúncio que a ideia será aplicá-la à totalidade do território no espaço de um ano - poderá até ter alguma racionalidade orçamental, no plano da receita fiscal. Não tem é nenhuma racionalidade económica... E é, politicamente, um monstro.
Sustenta-se no medo. E o medo não é apenas mau conselheiro: é o epicentro da implosão do poder!
O ministro Caldeira Cabral veio agora desculpar-se da recomendação que deixara aos portugueses para que que se abstivessem de abastecer combustível em Espanha. Não percebe a indignação - diz ele - porque não acusou ninguém de falta de patriotismo, de menos amor à pátria ou de menor fervor nacionalista.
Mas o que afinal não percebe, e o que é grave que não perceba, é que a única coisa que indignou os portugueses foi mesmo a parvoíce da coisa. E que, com esta emenda, deixou o soneto ainda mais parvo!
... Chegou a vez do PI. Hoje é o dia do PI, daquele número que nunca mais acaba a que, para facilitar, arranjamos um diminutivo. Nada de Pizinho, e muito menos Pilinho (masculino, e não o feminino que é sinal de masculino) : simplesmente 3,14!
Hoje podia ser o dia em que os combustíveis voltam a subir. Mas não é, até porque é já a terceira vez que sobem em apenas um mês. Ou o dia em que os portugueses se riem da anedota do ministro Caldeira Cabral, e correm para a fronteira a atestar o depósito, deixando por lá mais um milhão de euros em impostos. Mas também não é, porque isso acontece todos os dias. Todos os dias os portugueses vão a Espanha buscar gasolina - e gasóleo - e lá deixar um mihão de euros em impostos, que estranhamente parece preocupar mais o ministro da economia que o das finanças.
Mas não é. Hoje ó dia do PI. E a verdade é que sem ele - sem o PI, que não o dia, que esse não faz falta para coisa nenhuma - não conseguiríamos calcular a área do círculo. Nem a dimensão de muitos buracos. Pelo menos dos redondos...
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