Evidentemente que a participação de Lula na cerimónia oficial das comemorações do 49º aniversário do 25 de Abril, na Assembleia da República, nem faz sentido, nem tem sentido de oportunidade.
Evidentemente que tal coisa sem sentido, e inoportuna, teve origem no Presidente Marcelo, que agora "tira o cavalinho da chuva". Evidentemente que o calendário estabelecido para a visita oficial a Portugal do Presidente do Brasil a atirava desde logo para uma situação destas.
Evidentemente que o MNE, ao tomar para si a revelação dessa participação, à revelia da formalidade institucional, e metendo a foice em seara que não lhe pertencia, meteu os pés pelas mãos e mandou-se, de cabeça, para mais uma trapalhada. Quando já tem tantas na sua conta.
Evidentemente que Ventura chamou-lhe "um figo". Evidentemente que Montenegro também quer o "figo". Evidentemente que a IL também gosta de surf...
Evidentemente que Augusto Santos Silva vai "tomar conta da situação".
Ainda no quadro da histeria que se instalou no país na contestação à evocação do 25 de Abril na Assembleia da República, surgiu mais um episódio que encerra um autêntico compêndio da realidade política deste país.
Conta o JN de ontem que um funcionário da Câmara Municipal da Trofa, um dos muitos portugueses que se manifestaram nas redes sociais incomodadíssimos com o 25 Abril, para quem a celebração foi apenas um instrumento útil para a manifestação desse incómodo profundo, escreveu no seu facebook, convencidíssimo que estava cheio de graça que, se houvesse alguém que pusesse a Assembleia da República a funcionar como uma câmara de gás, pagaria o gás. Expressão que é o que é, mais tudo aquilo que sugere que é.
E que, nessa plenitude, mereceu mais de uma dúzia de "gostos", entre os quais o do Presidente Câmara Municipal da Trofa (e também o do seu adjunto), e líder da estrutura local do PSD. Partido que tem na Assembleia da República dois deputados do próprio concelho da Trofa. E que, através da sua "distrital" do Porto, sem revelar qualquer incómodo com aquela (ex)posição publica, a que não atribui qualquer relevância política, prefere exaltar o excelente trabalho do Sérgio (assim se chama o Presidente da Câmara) e o seu carácter, de que “ainda agora tivemos todos prova ... quando anunciou que tinha decidido doar o seu salário do mês de abril a instituições de solidariedade social do concelho, bem como à Delegação da Trofa da Cruz Vermelha”.
Um autêntico compêndio. Basta reflectir um bocadinho e encontramos aqui praticamente tudo o que nos permite entender o momento político que atravessamos.
Não sei quem é este homem, que sozinho encheu a Avenida da Liberdade neste 25 de Abril. Depressa se saberá quem é. Se tão rapidamente se soube quem era o Luís, que estava bem mais longe, mais depressa se saberá quem é este manifestante da liberdade.
O nosso Presidente deverá já estar a telefonar-lhe, se é que não anda ainda à procura do cravo que lhe caiu da mão à entrada do Parlamento... E depois logo saberemos quem é este cidadão que ousou furar o confinamento e comemorar o 25 de Abril como tem que ser celebrado, enchendo a Avenida da Liberdade.
Assinala-se amanhã o 46º aniversário do 25 de Abril. Disse assinala-se, e não comemora-se, e muito menos festeja-se, porque o confinamento não dá para festas e a comemoração será coxa.
Em todas as ocasiões anteriores sempre o dia da revolução dos cravos foi comemorado oficialmente no Parlamento e festejado nas ruas de todo o país, com o ponto alto na capital, na descida da Avenida da Liberdade ao som da Grândola do Zeca que os capitães de Abril ergueram a hino da revolução.
Com todos em casa, onde continuamos a ter de nos manter, como teríamos de continuar independentemente do estado de emergência vigente, os festejos de rua estavam evidentemente fora de causa. Restava a sessão oficial - ou solene, chame-se-lhe o que quiser - na Assembleia da República, em pleno funcionamento, como se tem visto e ainda anteontem se viu no debate quinzenal, o terceiro desde que nos confinamos.
Não é a mesma coisa. Basta até chamar-se “oficial” ou “solene” para que não seja a mesma coisa quando se festeja uma revolução. Tem o vermelho dos cravos que enchem as bancadas e os palanques dos discursos repetitivos, é certo. Mas é o único colorido que emerge daquele cinzentismo pasmaceiro onde se contam os cravos na lapela como se contam espingardas, mas já das que não têm cravos na ponta.
Mesmo assim, sinal dos tempos, a polémica estalou. E assistimos a uma espécie de corrida de estafetas, que começou ao nível do trogloditismo argumentativo - Páscoa, missas, funerais, Fátima e até aniversários dos filhos - até que o testemunho fosse finalmente entregue a portadores tecnicamente mais dotados e capazes de trazer outra dimensão argumentativa para a competição como, por exemplo, a insensatez de festejar a liberdade quando os cidadãos dela estão privados.
O argumento pode tornar-se até sedutor quando acrescenta que dela estão privados por decisão do governo, proposta pelo Presidente e aprovada pelos deputados, depois todos reunidos a festejá-la. Mas não é uma borracha que apague da fotografia os trogloditas que iniciaram a corrida…
A estratégia de manipulação e desinformação deste governo, e desta maioria que o sustenta, tornou-se verdadeiramente intolerável. Agora é Aguiar Branco, o ministro da defesa, a propósito e no aproveitamento de mais umas aberrantes declarações da senhora que ocupa o segundo lugar na hierarquia do Estado.
Dizendo que não comenta "em concreto as declarações da presidente da Assembleia da República", não hesitou em manipular a realidade para criar um novo facto, inventando uma ameaça dos militares de Abril à Assembleia da República. Foi isso que fez, dizendo que "não é aceitável" fazer "ameaças" à Assembleia da República!
Na realidade as coisas são bem mais simples. A inconseguida senhora convidou os militares de Abril para a sessão oficial no Parlamento. Há já dois anos que, por entenderem que o poder instituído comemora o dia 25 de Abril sem que minimamente o respeite, decidiram deixar de participar na face oficial (e cinzenta, acrescento eu) das comemorações. Entenderam agora, e por isso, que não havia razão nenhuma, antes pelo contrário, para alterar essa posição. Que não havia qualquer justificação para retomarem o papel decorativo nestas comemorações oficiais. Coisa diferente, entenderam, seria se pudessem expressar-se, circunstância em que deixariam de ser mera peça decorativa.
Foi isso, e só isso, que disseram em resposta ao convite da senhora que ocupa o segundo lugar na hierarquia do Estado Português. Esta cada vez mais bizarra figura fez o convite mas não deu resposta à resposta que lhe foi dada. Entretanto os grupos parlamentares do PSD e CDS opuseram-se a qualquer intervenção dos militares na sessão oficial, e depois disso ser público, a senhora que nunca deu resposta à resposta ao convite que fizera diz, em registo barata tonta, que o problema é deles.
Na realidade o ministro Aguar Branco quis branquear o veto do PSD e do CDS e mais um disparate, de absoluta falta de sentido de Estado, da senhora presidente da AR. Como não tem escrúpulos, não se preocupou nada que tivesse sujado ainda mais!
Os militares de Abril, através da sua Associação representativa, anunciaram que não participariam nas comemorações oficiais, a terem lugar na Assembleia da República. Mário Soares e Manuel Alegre – às vezes juntam-se – juntaram-se-lhes em solidariedade, presumo.
Os militares de Abril têm toda a legitimidade para decidirem o que decidiram. Já o poderiam ter feito no passado, porque já muitas foram as comemorações que ocorreram em ambiente hostil a Abril, embora também se possa dizer que nunca tal foi tão flagrante e que há sempre uma primeira vez. De Manuel Alegre, com mais ou menos legitimidade, também se compreende a atitude, consentânea com as suas posições habituais. Já a de Mário Soares é, no meu entendimento, menos compreensível e porventura menos legítima.
O 25 de Abril é comemorado na rua, pelo povo e com o povo. Mesmo que com essa inovação absurda e incompreensível da tolerância zero - seja lá o que isso for - anunciada pela polícia. A sua comemoração é popular, não é oficial, na Assembleia da República, cada vez mais bafienta e entediante. Mas o que aconteceria se o poder institucional deixasse de assinalar oficialmente esta data?
Não seria Mário Soares o primeiro a levantar a voz? Certamente que sim. E certamente com razão!
Não se percebe, por isso, que Mário Soares tenha tomado esta posição, em vez de, também lá, na Casa da Democracia, fazer ouvir a sua voz de protesto, denúncia e lamento pelo estado a que deixaram chegar Abril. E de, lá, se manifestar então solidário e enfatizar a posição da Associação 25 de Abril!
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