Na semana passada foi divulgado pelo Fórum Económico Mundial o ranking mundial da competitividade 2014/2015, que colocava Portugal no 36º lugar, à custa de uma subida de 15 posições.
Não sei o que é que isto vale, mas não me parece que valha de grande coisa. Lembra-me até, agora que tanto se fala do tema, que a selecção nacional de futebol há pouco mais de dois meses, à chegada ao Brasil era, pelo ranking da FIFA, a quarta melhor do mundo…
Mas sei que a política deste governo tem tido grande preocupação com a competitividade do país, mas também sei à custa de quê. Sei que o governo, de tão preocupado com a concorrência com os países de leste e até dos asiáticos, achou que o melhor para competitividade seria recriar esses países em Portugal. Com êxito – se calhar o êxito que lhe permitiu subir quinze degraus de uma só vez, o tal pulo gigante de Paulo Portas -, o país está já mais pobre que muitos desses países...
Pedro Passos Coelho tinha garantido esta coisa estranha: na hora de dar as más notícias, seria ele próprio a dar a cara. Então quem haveria de ser?
Bom, mas pelo menos esta cumpriu. E aí veio ele, mesmo em cima de um jogo de futebol da selecção – a comunicação ao país acabou precisamente cinco minutos antes do início do jogo - porventura na expectativa de que o futebol rapidamente fizesse esquecer as más notícias. Quer dizer: dar a cara mas escondido atrás do futebol! O diabo é que o jogo também não correu muito bem – acredito que Paulo Bento tenha prescindido da habitual palestra antes do início do jogo para, também ele e os jogadores (somos todos portugueses e, como o futebol, equidade é isto mesmo!) ouvirem a comunicação do primeiro-ministro, tão adormecidos que estavam – e, em vez de ajudar a apagar as tristezas, tê-las-á avivado ainda mais. Mesmo que em Portugal não paguem dívidas – se pagassem também não as teríamos, ficaríamos na mesma – e que por isso sejamos lestos a abafar as tristezas, de preferência afogadas nuns copos, estou convencido que o primeiro-ministro, já que não nos pode dar alegrias, estava convencido que seria a selecção nacional a dá-las.
Mesmo assim Passos Coelho esforçou-se para nos dar as más notícias com ar de boas. A começar logo no contexto das medidas anunciadas: más notícias não eram as que iria dar, a má notícia era a que o Tribunal Constitucional tinha dado aqui há uns meses!
Estas medidas eram apenas a inevitabilidade daquela má notícia. O que é desde logo mais uma má notícia, porque ainda ficam por dar as más notícias relativas às más notícias deste ano. Tudo aquilo respeita ao orçamento para o próximo ano, e apenas na parte que lhe cabia do corte dos subsídios de Férias e Natal dos funcionários públicos. Sobre o que se passará com o défice deste ano – excedido em perto de 2,5 pontos percentuais, como se sabe, e o que significa um desvio superior a 50% face ao objectivo – em que a decisão do Tribunal Constitucional não teve qualquer interferência, continuamos sem notícias.
Passos Coelho disse-nos que, então, em vez de, para o ano, retirar os dois subsídios aos funcionários públicos apenas lhe retiraria um, o mesmo que irá retirar a todos os restantes - poucos - portugueses que ainda têm emprego no sector privado. Boa notícia para uns, e má para outros. Mas não se pode ter tudo…
Depois disse aos funcionários públicos que o subsídio que lhes iria devolver lhes seria entregue mensalmente. Que em vez de lho pagar de uma só vez em Junho, o pagará em duodécimos. Mas que era uma boa notícia, porque assim ficariam com mais dinheiro no fim de cada mês…
A má notícia vem logo a seguir: é que, eles funcionários públicos - como todos os restantes portugueses que têm emprego – vão passar a contribuir mais para a segurança social. Quanto? Precisamente o mesmo que o duodécimo do tal subsídio que Passos Coelho lhes devolve!
Mas ainda há outra má notícia, e que, por ser má, está apenas nas entrelinhas: os funcionários públicos – e todos os restantes logo a seguir – despediram-se dos tão aguardados subsídios de Férias e Natal. Nunca mais haverá aquele mês em que o ordenado dobra. Em que, dobrando, permite que não acabe antes do fim do mês. Ou até aquele luxozinho por que se espera um ano inteiro…
Mas mesmo boa notícia, mesmo à séria, é a do combate ao desemprego. Essa é que é uma grande notícia, mesmo que a notícia seja apenas a que aumenta um imposto: no caso a contribuição para a segurança social, que aumenta de 34,75% para 36%!
Mas é uma medida de combate ao desemprego, garante-nos o primeiro-ministro e toda a sua entourage. Porque, aumentando em apenas 1,25 pontos percentuais (perto de 4%), a taxa social única (TSU) baixa em 5,75 pontos para o empregador, mais de 30%. O empregado paga essa redução e ainda o aumento efectivo da taxa, 8 pontos no total. Sobe bem mais de 60%!
E pronto. Os empresários, já que só têm que pagar 18% de TSU, vão desatar a contratar pessoas como se não houvesse amanhã – acha o governo. Eu pensava que os empresários empregavam pessoas se a economia crescesse: se houvesse consumo e investimento. Mas o governo acha que isso não é preciso, basta que baixem os custos do trabalho!
Apesar de perceber o que eles querem – e não serei só eu, já toda a gente percebeu - não percebo é porque não tem bastado. O governo não tem feito outra coisa que não baixar os custos do trabalho; a ser como dizem, a competitividade da nossa economia estaria a crescer a ritmo acelerado. Ora, caiu quatro lugares…
Há muitos anos que em Portugal se discute a legislação laboral. É invariavelmente apresentada como factor de bloqueio do país. Bloqueia o investimento e bloqueia o desenvolvimento e, assim, hipoteca o crescimento e o futuro!
Até há alguns anos atrás esta era uma discussão fundamentalmente ideológica. Entre esquerda e direita, entre patronato e sindicatos. E se o normal era a tradição continuar a ser o que era – “patrões” e direita a reclamarem liberalização e sindicatos e esquerda a defenderem a manutenção da rigidez da legislação laboral – a verdade é que, em diversas ocasiões, foi possível ouvir mesmo alguns empresários de sucesso dizer que a questão laboral era um mito e que, para eles, não representava qualquer dificuldade.
Esta dialéctica foi resistindo na sociedade portuguesa e na concertação social que tem presidido à sucessiva evolução da legislação até ao recente Código de Trabalho.
Hoje, se considerarmos que as ideologias não evoluem e não se adaptam às novas realidades, a discussão não pode ser ideológica. Vivemos num mundo globalizado, num mercado aberto e concorrencial onde Portugal tem uma das legislações mais rígidas. As empresas têm que ser competitivas e, para isso, é fundamental a competitividade do factor trabalho.
E a nossa rigidez laboral não contribui para melhorar essa competitividade. Não contribui directamente, enquanto mecanismo estrangulador da flexibilidade, de reajustamentos operacionais nas empresas mas, fundamentalmente, não contribui enquanto mecanismo estruturante de mentalidades, das novas mentalidades perante as novas realidades do mundo em que vivemos.
O cidadão é levado a pensar que o seu posto de trabalho está legalmente protegido, independentemente do seu desempenho. Mas não é levado a pensar que o seu posto de trabalho só estará verdadeiramente protegido enquanto a sua empresa for competitiva. Que quando deixar de o ser tem que fechar e, fechando, adeus posto de trabalho. Não há legislação que lhe valha. A rigidez laboral não traz mais do que uma segurança aparente e enganadora.
Poderá ainda argumentar-se que a flexibilidade laboral desprotege os mais fracos na relação de trabalho, deixando-os à mercê do livre arbítrio do empregador. Porventura algumas vezes assim poderá suceder, mas nada que um poder minimamente regulador e eficaz não pudesse resolver. Acresce que, com o desenvolvimento da qualidade de gestão, hoje praticamente todas as empresas reconhecem nos seus recursos humanos o seu principal activo. Alguém acredita que as empresas não pretendem preservar os seus principais activos?
O que está em causa são pois os “maus” trabalhadores. E, para estes, a única forma de os proteger é tentar transformá-los em bons trabalhadores. Responsáveis, interessados e produtivos. Formá-los e reciclá-los.
Não há economias com pleno emprego. A capacidade de emprego das economias é mais ou menos limitada. O desemprego é uma variável macroeconómica incontornável. Grave, para uma sociedade, é quando o desemprego é preenchido por pessoas que foram objecto de grande investimento em educação e formação. É quando esse investimento não tem retorno. É quando o investimento não é estimulado e se não cria mais emprego.
Um mercado de trabalho marcado pela rigidez é um mercado fechado, que deixa de fora muita gente capaz e onde os mais jovens sentem enormes dificuldades para entrar. Preserva, até ao limite da capacidade de resistência de muitas empresas, o emprego dos seus mas perpetua o desemprego dos outros. Permite a ilusão de um emprego garantido e impede ou, pelo menos, limita a preocupação dos trabalhadores com a sua própria formação, o seu próprio desenvolvimento e a sua própria produtividade.
A competitividade das empresas interessa aos seus accionistas, aos seus trabalhadores e a toda a sociedade. É pois algo de convergente e não tão dialéctico quanto fomos admitindo no passado.
A flexibilidade laboral não desata todos os nós que estrangulam a nossa economia mas contribuirá fortemente, através da valorização e responsabilização dos cidadãos, para transformar, dinamizar e enriquecer a nossa sociedade. E, pasme-se, para a tornar mais justa!
*Publicado no Região de Leiria em Junho de 2006
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