Com a bênção do Cardeal Manuel Clemente, assim como de outros membros do clero, será hoje apresentado por Passos Coelho, ao fim da tarde, o livro “Identidade e Família”, um manifesto anti-progressista, que reúne contributos de um conjunto de pessoas da direita mais conservadora, praticamente todas com passagens pelos últimos governos do PSD, ou pelas respectivas bancadas parlamentares de apoio.
Entre os alvos a abater estão a igualdade e a autodeterminação de género, o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a procriação medicamente assistida, ou até a legislação que facilita o divórcio; ou mesmo escola pública que, "sequestrada por conteúdos programáticos", "retira o direito de os pais impedirem que os seus filhos sejam submetidos a essa doutrinação”. Tudo na defesa "do humanismo cristão contra o totalitarismo democrático”, e da família como a “única sociedade natural, universal e intemporal”.
Tudo isto poderia não passar de mais uma cena patusca, com ares de folclore. Os subscritores são conhecidos, a Igreja que temos também sabemos o que é, e Passos Coelho é apenas cada vez mais aquilo a que se pode "dar ao luxo" de ser. As teses são frequentemente abstrusas, como se já não fossem famílias - a mesma "sociedade natural" - todas as que vivem e sentem questões de género e de sexualidade. Como se democracia e totalitarismo fossem a mesma coisa, ou o "humanismo cristão" não seja nem humanista nem cristão.
Nesta altura, nesta precisa altura, é muito mais que isso. É o radicalismo ultra-conservador de peito feito, cheio de si.
As propostas para a despenalização da eutanásia não passaram na Assembleia da República. Por pouco, mas não passaram. Como seria por também pouco, se eventualmente tivessem passado o que, como aqui ontem se dizia, iria dar no mesmo. Talvez da próxima!
Que sociedade portuguesa se divida ao meio sobre a matéria não é grande surpresa. Estas questões, ditas fracturantes, são mesmo assim. O que poderá supreender são os diferentes alinhamentos perfilados, e mais ainda se tivermos em atenção a violência que chega a ser utilizada no debate.
Como se viu são alinhamentos exteriores à dicotomia direita/esquerda. Há muita gente de direita que é a favor da despenalização da eutanásia, embora sejam poucos, muito poucos, residuais mesmo, os de esquerda que sejam contra. A questão do PCP - e já agora uma saudação ao PEV, que pela primeira vez fez jus à sua presença no Parlamento - é outra. É outra coisa, já lá vamos.
Se procurarmos na dicotomia conservadores/liberais também encontramos dificuldades. Não que não percebamos de imediato que os (mais) conservadores estão contra, com poucas excepções. Mas porque lá, contra, encontramos também os mais assanhados liberais, os do tudo pela liberdade individual, do tudo pelo indivíduo e nada pelo Estado, que não tem nada que se meter na vida de ninguém.
O PCP é outra coisa porque nunca a liberdade individual foi bandeira sua, e é hoje provavelmente o partido mais conservador do nosso quadro partidário. E porque provavelmente acredita no rendimento eleitoral desta sua posição, num eleitorado envelhecido. É curioso notar que o PCP não esteve ao lado do CDS apenas na votação. Esteve ao lado do CDS também ao nível do debate. Rasteiro, básico e manipulador...
Ah... A primeira página do "i" é só porque sim... Porque nisto de capas não são nada maus!
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