Estou de greve porque sou e serei sempre uma apaixonada pela minha profissão! E amor, paixão só rima com RESPEITO. E respeito é coisa que não se tem visto...
Estou de greve pelos Doentes! Que merecem uma medicina de excelência! Uma excelência que os sucessivos governos têm estado a destruir!
Estou de greve pelo meu hospital e pela minha cidade! Que merece um hospital de qualidade e profissionais motivados e com condições para fazer o seu trabalho
Estou de greve pelo meu país! Que construiu um SNS digno, justo, inigualável, e de reconhecimento internacional! Um SNS que está agora a ser vítima de um cruel homicídio!
Estou de greve pelas minhas FILHAS! Que têm direito a ter uma mãe... que é médica... e que trabalha no limite do risco... no limite do cansaço... no limite do abismo... onde o “erro” acontece...por condições que ultrapassam a dignidade humana e profissional! E essa mãe no final do dia... chega a casa...
Estou de greve pelas minhas FILHAS... que têm direito a cuidados de saúde no SNS!
Estou de greve pelos meus pais... pela minha avó!! Que espero que nunca sejam doentes, mas que seguramente um dia serão...
Estou de greve pelas minhas INTERNAS... que um dia serão especialistas... brilhantes especialistas... e que quero que continuem neste país, nesta cidade e neste hospital... e que um dia orientem os seus internos com o mesmo encanto e determinação que eu tento fazer... perpetuando um ciclo que faz da medicina uma profissão única de entrega e dedicação!
Estou de greve pelos meus professores, orientadores... que não mereciam assistir a esta degradação...
Estou de greve por todos os colegas... e pela nossa saúde... que todos os dias dão tudo o que podem pelos seus doentes... e que fazem diariamente tanto... com tão pouco! São o exemplo vivo que sim! Fazemos omeletes sem ovos!!
Estou de greve pelas horas que os doentes esperam numa sala de estar de urgência! Porque recuso-me a ser conivente com o trabalho médico não qualificado! E com a contratualização através de empresas, num arraste cíclico preverso.
Estou de greve porque estudei e continuo a estudar muito, com dedicação, entrega, paixão... E aprendi que o esforço e o trabalho devem ser reconhecidos!
Estou de greve porque SER MÉDICO não é uma profissão, é uma forma de ser e de estar! Mas não é uma escravatura...
Estou de greve porque estou farta de mentiras! Farta de desrespeito! Farta deste ministro e do que está a fazer ao SNS... e já agora farta deste jornalismo falso, manipulado e manipulador.
E também estou de greve porque o meu ordenado é uma miséria!! E não tenho pudor em afirmá-lo! Bem longe dos valores que querem passar para a opinião pública... bem longe MESMO!
Estou de greve porque sou médica de alma e coração... e às vezes já me falta a alma e o coração. E sim também me apetece bater com a porta e partir para o sector privado. Mas não vou porque ACREDITO NO SNS.
Estou de greve por MIM. Porque sou médica, mãe, filha, utente e cidadã!
ESTOU DE GREVE PELO MEU/NOSSO SNS
ESTOU DE GREVE PELA QUALIDADE DOS CUIDADOS DE SAÚDE!
ESTOU DE GREVE PORQUE ACREDITO!
ESTOU DE GREVE PORQUE TENHO DE ACREDITAR E SONHAR COM O RENASCER DO SNS...
... “E Sempre que um homem sonha... o mundo pula e avança...”
Ia já alta a noite de domingo quando, de repente, o primeiro-ministro nos entrou casa dentro. Não eram horas para boas notícias, as boas notícias têm outras horas. E para a mensagem de Natal era cedo, e tarde, ainda pela hora.
Disse logo ao que vinha, mesmo que começando por simplesmente dizer que o Banif tinha sido vendido. Sabia-se que as propostas de compra tinham sido entregues, como teriam de ter sido, até sexta-feira. Tão rapidamente notícias da venda, não podiam ser boas …
António Costa não disse muito, e pode até dizer-se que nem precisava. Lembramo-nos logo que a meados de Outubro, no meio das reuniões com a coligação PaF, numa entrevista TVI, tinha dito que em “cada nova reunião deixavam cair uma nova surpresa desagradável”. Questionado se vinha aí algo de “grande gravidade económica”, António Costa respondeu que sim. E disse ainda que havia “um limite para a capacidade do Governo omitir e esconder ao país dados sobre a situação efectiva e real em que nos encontramos.” E lembramo-nos também que, logo no dia seguinte, Assunção Cristas foi à mesma TVI chamar tudo a António Costa, acusando-o de “falta de seriedade e honestidade intelectual” e desafiando-o a concretizar, mas isso só nos ajuda a lembrar que o anterior primeiro-ministro garantia que os dinheiros públicos não só não estavam em risco como ainda estava a render bons juros.
O primeiro-ministro não precisou mesmo de nos dizer mais nada para rapidamente ficarmos a saber que a incompetência e a irresponsabilidade de banqueiros e políticos nos iria custar mais três mil milhões de euros. Que cada família portuguesa vai ser chamada a mandar mais mil euros para este poço sem fundo em que se tornou a banca portuguesa.
E é aqui, neste poço sem fundo, que, a meu ver, vamos encontrar os maiores motivos para a acusação ao anterior governo.
Há evidentemente razões de sobra para acusar o governo anterior de irresponsabilidade e incompetência no estouro do Banif, que nem sequer tem nada a ver com o que se passou no BES: não houve manipulação de informação, nem suspeitas de práticas criminosas. Os auditores avisaram a tempo e a própria Comissão Europeia deu prazos para ser encontrada a solução. O governo sabia que, não fazendo nada, como não fez, se iria chegar exactamente aqui.
Mas é na forma como este governo conseguiu passar estes decisivos quatro anos e meio, exclusivamente preocupado em cortar, privatizar e cobrar impostos, e sem tocar em nenhum dos grandes problemas do país, que reside a fatia maior da sua irresponsabilidade e incompetência. Entre eles ressaltam a reforma do Estado e a do sistema financeiro. Devolveu inclusivamente metade dos 12 mil milhões de euros do fundo de resgate lhe reservara, fazendo de Portugal o único país da Comunidade que não resolveu os problemas do seu sistema financeiro. E dos portugueses os mártires da banca.
A Cimeira de Paris sobre o clima foi um salto qualitativo se comparada com a Cimeira de Copenhaga em 2009, passando a representação de 119 para 195 países, e terminou a com a aprovação de um novo acordo climático global, graças a uma organização mais cuidada, sob a orientação do ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Laurent Fabius. Entre os termos do acordo e a sua implementação fica a expectativa sobre o empenho dos respectivos países no seu cumprimento, sabendo que é determinante limitar o aumento da temperatura do planeta a 1,5ºC, eliminando gradualmente a utilização de combustíveis fósseis, substituindo-os por energias renováveis e reduzindo drasticamente as emissões de gases com efeito de estufa, GEE. A meta para a segunda metade deste século será mesmo o abandono dos combustíveis fósseis, e as emissões que restarem serão anuladas, nomeadamente pela absorção por florestas, processo regulado por planos nacionais a apresentar a cada cinco anos.
Houve mais cooperação e mudança de atitudes, nomeadamente dos EUA e da China, naturalmente porque as consequências do aquecimento global são cada vez mais visíveis e assustadoras, a que estas potências não escapam. O Acordo de Paris é mais um passo positivo na caminhada que tem sido demasiado lenta, se considerarmos o percurso desde a Cimeira de Estocolmo em 1972, mas continua a enfrentar as contrariedades dos “interesses” económicos ligados às actividades extractivas, particularmente do petróleo e industriais conexas, os quais se protegem corrompendo as decisões politicas em muitos países para onde se expandem. Do pouco que se sabe do muito que se esconde, muitos são os meandros das ditaduras do petróleo como a Arábia Saudita e o Qatar, financiadores do ISIS, mas também aliados dos EUA e UE. ISIS, que por sua vez rouba o petróleo da Síria e do Iraque e o encaminha através dos portos da Turquia e Israel, ajudando a baixar a factura energética destes e outros países.
Nesta Cimeira nem tudo foi claro: faltam propostas de 11 países, alguns dos quais importantes poluidores; faltam garantias na angariação de fundos de ajuda dos países mais ricos para os países em desenvolvimento, objectivo que era de Copenhaga em 2009, agora reafirmado; falta a identificação dos sectores mais poluentes o que, para alguns, terá sido propositadamente omitida. Mas foi clara, fora da Cimeira, a mobilização mundial sobre as alterações climáticas.
As evidências catastróficas do aquecimento global e os inúmeros trabalhos científicos reclamam medidas urgentes. A ciência refere que a capital de Marrocos, Rabat, espelha hoje a temperatura média anual de Lisboa em 2080, e Vila Real de Trás-os-Montes espelha hoje a temperatura média anual de Londres em 2080, facto que mereceu um artigo do diário britânico The Guardian, em Maio de 2007. Este exercício do investigador Stéphane Hallegatte, publicado na revista cientifica Climatic Change em 2006, sobre a evolução climática para diversas cidades europeias, exemplifica o que nos toca de perto e do que se pode ler em “Portugal a Quente e Frio” de Filomena Naves e Teresa Firmino. A movimentação regional das temperaturas mais altas de Sul para Norte é acompanhada pela migração das populações que desistem dos territórios de origem, cada vez mais desertificados e pobres, como a região subsariana, onde, por vezes, se juntam conflitos locais. A fronteira da pobreza, como a classifica Adriano Moreira, já ultrapassou o Mediterrâneo, transformando este num mar de gente sem futuro.
Segundo a Agência Europeia do Ambiente, Portugal em 2007, no contexto da EU-27 era recordista em ineficiência energética, sendo o país com mais gastos de energia por unidade de PIB. Agora terá de reduzir o consumo de energia em 30% até 2030. Igualmente, tem de reduzir as emissões de GEE entre 30% a 40% e atingir com energias renováveis 40% do consumo final de energia.
A sensibilização para a protecção ambiental tem feito consideráveis progressos, mas falta progredir na necessidade de abrandar a cultura materialista centrada no consumo, no “preço” das coisas, e não no “valor” das coisas, considerando o “valor” na sua dimensão material, humana e ambiental, pelo tributo que trás para a felicidade do ser humano. O Butão, país dos Himalaias, considerado o menos poluente, confrontado com o seu baixo desenvolvimento económico traduzido no “Produto Interno Bruto – PIB”, promoveu outro indicador que, em vez de o despromover no quadro mundial, lhe destacasse positivamente as diferenças na qualidade de vida, ou seja a “Felicidade Interna Bruta – FIB”. A lentidão no assumir de responsabilidades e medidas objectivas deve-se a esta profunda clivagem entre a linha dos interesses e a linha dos valores.
“O efeito de estufa está a aquecer o planeta? Não deixemos ao menos que ele nos derreta a inteligência.” - Luísa Schmidt in País (in)sustentável, pág. 51.
Percebo que para o negócio, nuns casos, jogo ou entretenimento, noutros, do comentário e da análise política dê muito jeito extrapolar e especular à volta do voto expresso por cada um dos portugueses. Nestas como em quaisquer outras eleições.
O espectáculo precisa disso, e o showbiz montado à sua volta mais, ainda. Por isso está praticamente institucionalizada a ideia de uma entidade colectiva chamada eleitorado, dotada de personalidade e vontade própria. Que, parece-me, mais não faz que procurar legitimar um imenso cardápio de especulações ilegítimas.
Tenho por indiscutível que cada voto tem uma motivação própria, e que os resultados eleitorais resultam de uma única conta: a soma de todos esses votos individuais. Ao expressar o seu voto cada eleitor espera com ele contribuir para o sucesso da sua própria motivação.
Dizer-se, por exemplo, que os portugueses quiseram que o governo se mantivesse em funções mas sob controlo, sem rédea solta, parece-me tão ilegítimo quanto disparatado. Os portugueses que se manifestaram pela continuação do governo foram os que votaram na coligação, não foram os outros. Disso não pode haver dúvidas. Como dúvidas não pode haver que esses, os que votaram na coligação, não pretendiam introduzir nenhum tipo de limitação à sua acção governativa. Pelo contrário, com o seu voto não pretendiam outra coisa se não a maioria absoluta!
Quem votou no PS não o fez para que o governo se mantivesse, mas agora sem maioria. Fê-lo para que o PS fosse governo. Como quem votou na CDU ou no Bloco de Esquerda não o fez por vontade em manter a governação do PSD e CDS.
Parece-me claro! Como é claro e fica por evidente que, mais que ilegítimo, é abusivo e intelectualmente desonesto, pretender que a vontade do todo seja exactamente o contrário da vontade de cada uma das partes.
A leitura séria e legítima dos resultados eleitorais – sejam eles quais forem – não se faz de interpretações subjectivas e de especulações oportunistas. Faz-se, em primeira análise, do xadrez de representação que produziram. E, depois, da concertação política que dessa representação resulte.
Tudo o resto, que diariamente vamos vendo, ouvindo e lendo, é democraticamente inaceitável, e deixa bem à vista um regime a apodrecer numa democracia de faz de conta: faz de conta que conta, mas não conta com todos, nem conta para todos. E nem todos contam…
Pelas contas de quem acredita que a democracia é a única forma de legitimar o poder, 40 anos teriam de ser tempo suficiente para amadurecer e apurar o regime democrático. Não foram!
O jornal diário alemão “Berliner Zeitung” do passado dia 27, apresentava em destaque e na primeira página, a ilustração de duas realidades sobre os refugiados sírios.
A Alemanha tomou a dianteira na integração de refugiados, particularmente da Síria, procurando assim compensar a perda demográfica e os consequentes desequilíbrios nos sistemas social e produtivo, já que tem a menor taxa de natalidade do mundo, em média 8.2 crianças por mil habitantes. Considera fundamental captar força de trabalho do exterior bem como prolongar a vida activa, actualmente até aos 67 anos, mas que algumas forças políticas querem que atinja os 74 anos. A previsão de que até 2030, a população activa no mercado de trabalho diminuirá de 61% para 54%, estimula a imigração de jovens profissionais como instrumento de estabilização para a economia alemã. Segundo os dados recolhidos in loco, para a renovação do tecido social a Alemanha precisa anualmente de duzentos mil novos migrantes, e prossegue um conjunto significativo de apoios á natalidade, nomeadamente: 650 euros por cada criança nascida, mais 184 euros/mês até aos 18 anos, e 500 euros/mês de empréstimo na formação superior do qual haverá o retorno de 50 % com o início da actividade profissional.
A produtividade média da hora de trabalho alemã é cerca do dobro da portuguesa, respectivamente de 126.6 contra 65.3, considerando a média europeia de 100. Atenta a esta realidade, motor da robustez económica, a Srª Merkel ofereceu emprego a pessoas qualificadas, nomeadamente de Portugal e da Grécia, e como primeiros passos da integração de refugiados e/ou imigrantes estão a formação profissional, o respeito pela Constituição e a aprendizagem da língua alemã.
O nosso país tem, igualmente, uma acentuada perda demográfica, com uma taxa de natalidade logo atrás da Alemanha, com uma média de 9 crianças nascidas por cada mil habitantes, mas as políticas adoptadas são de sinal contrário às da Alemanha: conduzem ao êxodo dos jovens e profissionais bem formados, e as medidas de apoio à natalidade, valorização do emprego e do trabalho, nomeadamente das mulheres, são incipientes. Assim a recuperação económica que encheu o discurso eleitoral, particularmente da direita unida, é uma miragem.
Para um grego a residir na Alemanha há 26 anos, a crise grega é, em primeiro lugar, culpa dos gregos, tolerantes a facilitismos e políticas permissivas à corrupção. Reconhece as diferenças culturais, de educação e comportamento entre os dois povos e, a título de exemplo, referia a atitude alemã perante o “rigor” e a intolerância à “mentira” e ao “exagero”, o que me levou de imediato a questionar - pressionado pelo clima de campanha eleitoral em Portugal - se a atitude da classe politica alemã era também intolerante à mentira? A resposta não surpreendeu, por cair no lugar-comum de que as classes do poder político e do poder económico são mais vulneráveis, como se veio a verificar no escândalo do grupo Volkswagen, que passou a ser noticiado dois dias após esta conversa.
Terminada que está a campanha eleitoral, é altura de serenar o habitual frenesim teatral que mascara a desonestidade, a incompetência e a mentira.
O estudo da organização não-governamental Oxfam, divulgado no passado dia 9, em Madrid, intitulado “Europa para a maioria, não para as elites”, vem revelar que a Europa está a registar níveis “inaceitáveis” de desigualdade em 2015, com um quarto da população da União Europeia (UE) a viver em risco de pobreza e de exclusão social. De 2009 a 2013 houve um aumento de 7,5 milhões de pessoas na UE em situação de pobreza extrema. Nesse mesmo período, o número de bilionários aumentou de 145 para 222, e continuou a crescer até hoje, para os 342. Já em Janeiro de 2014, a Oxfam divulgava um relatório que mostrava que o património das 85 pessoas mais ricas do mundo equivale às posses de metade da população mundial. Curiosamente, na mesma altura, a Universidade Católica Portuguesa e o Instituto Luso-Ilírico para o Desenvolvimento Humano, apresentaram um estudo que revela que os portugueses com mais habilitações e mais rendimentos são os que dão menos importância à solidariedade, à justiça e aos valores democráticos, comportamento que atinge 46.7% entre os que ganham mais de 4 mil euros por mês.
Na génese do agravamento das desigualdades está a perda de postos de trabalho, corte de salários e serviços públicos em vários países, como Portugal. O aumento de pobres e também dos bilionários é o resultado que o estudo da Oxfam classifica de “injustiça inaceitável”. O estudo denunciou ainda a “excessiva influência” que exercem os grandes grupos económicos e de interesse no seio da UE. Em 2014, 82% dos participantes dos grupos de peritos em matéria fiscal da Comissão Europeia representavam interesses privados ou comerciais.
Alberto Castro, num artigo de opinião no JN, em 07.10.2014, aborda a desigualdade na distribuição da riqueza, com base nas análises do economista francês Thomas Piketty, no seu livro “ O capital no século XXI”, onde este constata que o movimento de concentração da riqueza tende a acentuar-se, face ao actual quadro de globalização, sistemas de financiamento e poder nas empresas. A questão da (des)igualdade é polémica e muitos consideram que tudo se centra no objectivo mítico da igualdade de oportunidades. “Mas a desigualdade é, no essencial, uma questão moral e política, e que a partir de um patamar, se torna igualmente uma questão económica, o que é reconhecido por instituições insuspeitas de serem de esquerda como, por exemplo, pelo FMI ”. Justificam-se, assim, as políticas de apoio aos mais carenciados ao nível do emprego, da educação, mas também do seu rendimento, nomeadamente através do aumento do salário mínimo.
À escala global, recordo Franco Cazzola (in “O Que Resta da Esquerda”, 2011), sobre a falência dos partidos de esquerda, perante a falta de intervenção mais determinante no combate às desigualdades sociais, citando como exemplo o desequilibro remuneratório nas empresas: “Há 30 anos o gestor americano mais bem pago ganhava 90 vezes o salário do funcionário médio. Hoje ganha 400 a 600 vezes mais”.
Por cá, a coligação no governo tem dado uma ajuda ao agravamento das desigualdades com as políticas de austeridade, por vezes, além da troika. Ao nível da política externa, a recente abolição do poder judicial pelo presidente Obiang na Guiné Equatorial, país acabado de entrar na CPLP, com a condescendência dos nossos representantes, Passos Coelho e Cavaco Silva, é, também, de alguma forma, exemplo da fraqueza do nosso governo em matéria de combate às tiranias económicas e às desumanidades de alguns estados.
No actual quadro das migrações, a solidariedade à integração dos refugiados de zonas de guerra, é um imperativo, mas um esforço que o nosso governo timidamente se prestou a dar, mas que agora amplia, porque a sensatez e os exemplos de Angela Merkel e do Papa terão condicionado o desnorte de Bruxelas, que finalmente começa agora a concertar uma intervenção de apoio aos refugiados.
No combate às desigualdades e á exclusão social, a solidariedade dos contribuintes é possível, como diz a experiência, desde que estes percebam como, e em que são gastos os seus impostos, sendo dispensáveis os argumentos malabaristas, como os utilizados por Passos Coelho no passado debate com António Costa, a propósito do descalabro do BES e o consequente esforço financeiro a exigir dos contribuintes. Como alguém diz: “Na política pública, a transparência é essencial”
Depois de perseguidos e violentados nas suas terras, depois de arrancados às suas comunidades, e entregues a troco do dinheiro de toda uma vida às mãos criminosas do tráfico humano. Depois de resistirem – os que resistiram – a tudo isso e de resistirem aos maus-tratos, às más condições das embarcações e até ás armadilhas do mar; depois de conseguirem – os que conseguem – sobreviver ás viagens da morte e escapar do cemitério em que o Mediterrâneo está transformado, chegam aos milhares a Itália e à Grécia. Em vez da terra prometida encontram campos de refugiados, em vez de um ponto de chegada, um ponto de passagem, com novos destinos de não menores perigos.
Daí muitos partem por sua conta e risco para leste e para norte, continuando a escrever, muitas vezes com sangue, a saga da maior crise de refugiados e deslocados de que há memória: 60 milhões de pessoas, o maior número desde que a ONU procede ao seu registo, que fogem da sequela da dramaticamente invernosa Primavera Árabe, mas também das guerras síria, afegã ou sudanesa, das perseguições na Etiópia e na Eritreia, e de uma forma geral de circunstâncias de vida impróprias da condição humana, comuns a quase todo o continente africano.
Partem em direcção à Suécia, ainda o el dorado do acolhimento. E á Alemanha rica, cada vez mais rica, e por isso sempre atraente, sempre tentadora com a maior capacidade acolhedora. E à França, que ainda é quem mais refugiados recolhe. E partem para o Reino Unido, cujo passado imperial se projecta numa Commonwealth que ainda brilha e encanta. E faz sonhar mesmo quem já lhe perdeu o sentido…
E encontram o que a Europa tem para lhe oferecer. Mais campos de refugiados, mais improvisados ainda. Ou ainda pior: um muro de quatro metros de altura, à entrada da Hungria. Ou um túnel da morte, na Mancha, que todas as noites centenas e centenas tentam atravessar desafiando a morte. Que ganha muitas vezes, como no último fim de semana…
Sem uma política comum para lidar com este drama, esta Europa não tem mais para lhes oferecer. Nem uma simples estratégia de distribuição dos refugiados, nem um mero programa de emergência… Porque a Europa não tem – também neste domínio – uma estratégia para olhar para o mundo à sua volta. Nem sequer uma estratégia para um olhar obre si própria que vá para além do virar da própria esquina. Nada que lhe permita abrir caminhos que posam cruzar dramas como este com uma verdadeira estratégia para enfrentar muitos dos seus problemas fundamentais. Como a demografia. Ou como a segurança…
Por isso cada país olha para este drama como o problema que tem à porta. Como se de uma praga se trate – “praga de pessoas que atravessam o Mediterrâneo, em busca de uma vida melhor”, nas próprias palavras de David Cameron.
Uma praga a que declaram guerra, valendo-se de tudo para a desviar para a porta do outro. Nem que a porta seja mesmo ao lado, como agora fazem França e Inglaterra… Que tanto gritam em comum por ajuda, como se acusam reciprocamente!
Já que não fazem ideia de como tratar de tão dramática situação lembrem-se ao menos que estas pessoas são gente. Gente que já perdeu tudo, que já nem tem mais nada para perder. E que não quer, nem pode, andar para trás.
Em toda a Europa, e diria que em quase todo o mundo, é enorme a preocupação com a situação grega, consciente que está toda a gente dos enormíssimos riscos que se estão a correr, quer no puro domínio da economia e das finanças, onde se está diante do desconhecido – são mares nunca antes navegados, como por aí se tem ouvido dizer – quer, muito em particular, no que à paz respeita. Na Europa, e no mundo. Onde, infelizmente, não temos pela frente mares nunca antes navegados. Antes pelo contrário, são mares que já foram navegados. Mares revoltos e tenebrosos, que a cegueira e a irresponsabilidade de alguns já ousou enfrentar. Com os piores resultados, conforme nos mostra a História, que uma leva de ignorantes de como não há memória, de uma ignorância assustadora, desconhece.
Comecei por dizer “em toda a Europa e em quase todo o mundo”. Mas tenho de corrigir para em quase toda a Europa e quase todo o mundo. Porque neste cantinho do extremo ocidental há um país que tem mais com que se preocupar. Ou melhor – e lá volto eu a ter que me corrigir – um país governado por gente que tem outro tipo de preocupações. Gente ainda mais ignorante que os ignorantes de que comecei por falar, para quem umas eleições que aí vêm são a única coisa que conta. É certo que essas mesmas eleições, e mais umas outras aqui ao lado, foram também as coisas mais importantes para os outros ignorantes de que comecei por falar. É certo que foram esses ignorantes que convenceram os nossos que isso era mesmo a única coisa que importava. Só que esses, mesmo ignorantes, têm os cinco sentidos a funcionar, e começaram a preocupar-se e logo que lhes começou a cheirar a queimado. E a verdade é que não pararam…
Não sei se vão a tempo de evitar a catástrofe, mas têm tentado e estão a tentar.
Aos nossos ignorantes é que nada chega. Nada cheiram, nada enxergam… E continuam a esfregar as mãos de contentes, convencidos de que assim se mantêm inamovíveis, agarrados ao poder de que dependem como de oxigénio.
Gritam: vejam bem os gregos nas filas das caixas Multibanco, impedidos de tocar nas suas poupanças. Só têm direito a sessenta euros… Num programa de televisão houve até um jotinha que se deve ter achado o máximo, ao dizer que enquanto os portugueses andam a tirar selfies na praia, ao sol, os gregos fazem-no nas filas do Multibanco. E a própria figura mais alto do Estado não encontrou melhor maneira de manifestar a sua despreocupação do que recorrer à aritmética para dizer que ainda sobram dezoito.
Nunca a Europa esteve nas mãos de gente tão fraquinha. Mas nunca em Portugal tão fracos reis fizeram tão fraca a forte gente!
António Coutinho - director do Instituto Gulbenkian de Ciência de 1998-2012, professor catedrático da Faculdade de Medicina de Lisboa, mais de 450 publicações e um dos cem cientistas mais influentes e citados do mundo (in Institute for Scientific Information) - reconhece a urgência de alterar o processo representativo do povo (RDP2, Quinta Essência, 03.06.2011). “Os partidos são uma espécie de cancro da democracia. A relação entre os partidos e o eleitorado fica contaminada quando há uma relação de interesse no voto das pessoas a quem os partidos falam. Há uma raiz demagógica nessa relação, sempre que a representatividade se faça pelo voto partidário. A melhor representação de uma população numa Assembleia representativa do país é uma amostra ao acaso, cujo numero de representantes é tecnicamente possível encontrar de acordo com a dimensão do país, para que, à semelhança dos júris dos tribunais americanos, não legislando, decidam. Aos partidos cabe a nobre missão de educar e convencer as pessoas das suas razões e princípios que consideram mais pertinentes, para que os representantes tomem as melhores decisões”.
É intencional trazer para esta análise a opinião de um cidadão insuspeito, que não é político de carreira nem politólogo, mas credível na carreira profissional, cientifica e no pensamento. Não comento o modelo e a sua viabilidade, mas reforço a urgência do debate como se reconhecia em Agosto de 2014, com o “Manifesto dos 30” apelando à reforma urgente do sistema partidário, ainda que mais centrada no sistema eleitoral e na transparência do financiamento dos partidos. Na esteira deste “Manifesto” vem Cavaco Silva em Outubro de 2014, aquando das comemorações da implantação da Republica, alertar para o risco de implosão do sistema partidário, reconhecendo a insatisfação dos portugueses com a democracia, mas logo centrando o seu apelo na “cultura de compromisso entre os agentes políticos indispensável à estabilidade governativa” (…não seria de esperar outra coisa). António Costa, na mesma circunstância, centra-se na necessidade de diálogo democrático (…nada de compromissos), apesar do seu antecessor António José Seguro ter lançado para debate a reforma do sistema eleitoral.
Creio que a dinâmica das sociedades no mundo actual impõe uma nova visão sobre os modelos de representatividade democrática. É pertinente e urgente que venham a debate modelos que revitalizem a representatividade do sistema partidário, que no formato actual já leva cerca de 300 anos, perante o descrédito generalizado, aqui e em muitos outros países, cristalizando a sempre referida afirmação de Churchill “A democracia é a pior forma de governo, à excepção de todas as outras”
Quanto à missão dos partidos políticos, de acordo com as suas bases ideológicas que os caracterizam de “direita“ ou de “esquerda”, há hoje condicionalismos que os inibem ou favorecem: Assiste-se à elevada dependência dos credores internacionais, das políticas europeias, e das imposições económicas do mercado global, nomeadamente com a supremacia de muitas multinacionais sobre os próprios estados - em Portugal reforçada com a alienação de empresas estratégicas - deslocalizando-se com frequência os centros de produção e do emprego. A riqueza concentra-se e a pobreza generaliza-se. Neste cenário a “esquerda” tem perdido vitalidade no combate e, por cá, como vemos nas candidaturas às próximas eleições legislativas, a “direita” une-se, a “esquerda” divide-se.
Também, do ponto de vista ideológico, se tem assistido à falência das ideologias de “esquerda”, após a queda da ex-URSS, e das alterações na China após Mao Tsé-Tung, enquanto o liberalismo capitalista vai galopando. E nós? Assistimos e constatamos, tal como Churchill (novamente), “A desvantagem do capitalismo é a desigual distribuição das riquezas; a vantagem do socialismo é a igual distribuição das misérias”.
Mas ainda acredito que a rendição é a pior das atitudes.
Já ouvi dizer que a democracia é mais cara que a ditadura. Não sei se é verdade, face a tantos regimes totalitários altamente espoliadores. Em contrapartida às inúmeras vantagens da democracia temos, pelo lado perverso, os custos do sistema partidário que sustenta a avidez das clientelas. Não advogo qualquer regime totalitário, por isso me preocupa o mau uso que se faz deste sistema democrático.
Também se diz que há muita gente séria na política, mas era importante saber o que podem fazer e quando decidem tomar posições públicas corajosas para sanear o sistema político partidário. Ver roubar e nada fazer é ser cúmplice.
Do que atrás referi, interrogo: será que estamos amarrados ao vaticínio histórico de Júlio César? “Há nos confins da Ibéria um povo que nem se governa nem se deixa governar”. Povo que em cada acto eleitoral vive o espirito do sebastianismo, esperando alguém messiânico que das brumas, das névoas ou dos “nóvoas” vai chegar para cuidar de nós, e de nós vai fazer um nobre e valente povo capaz grandes feitos universais? As excepções à mediania: como Mourinho, Cristiano Ronaldo, Saramago, e muitos outros da história recente e remota, são bandeiras nas suas áreas específicas, mas insuficientes no apelo para as causas da res publica. Com o desaparecimento de alguns fundadores da democracia perdem-se algumas boas referências e o comportamento da actual classe politica não promove o interesse dos jovens pela política.
Para quê uma boa formação académica e um notável currículo nas actividades empresariais, cientificas, sociais ou culturais? A assessoria aos gabinetes ministeriais é assegurada por jovens recém-licenciados, de filiação e fidelidade partidária, que cumpram e concordem. A assessoria do que é complexo encomenda-se fora, àqueles juristas ou advogados muito sabidos que, face ao assunto em apreço, perguntam: “quer um parecer para dizer sim, dizer não ou nim?”
Mas como ter melhores políticos? Falta formação cívica, democrática e humana a quem governa a sociedade e esta é formada por pessoas. Em qualquer regime empresarial ou societário há que eleger equipas de forte liderança assente em virtudes e competências, e são estas que devem ser potenciadas, minimizando os defeitos que todas as pessoas têm. Mas há quem dentro dos partidos recorra ao aperfeiçoamento pessoal. A liberalização ideológica do sistema democrático trouxe-nos muitas oportunidades à escola da democracia, desde a doutrina mais social à “esquerda” até à doutrina mais moral à “direita”, ainda que, por vezes, impregnada de conceitos carentes de renovação.
Também nas diversas correntes religiosas e ordens iniciáticas, da Opus Dei á Maçonaria, podemos encontrar princípios de teorização sobre o aperfeiçoamento pessoal com vista ao “Homem Novo”. Sabemos como estas correntes influenciam o poder governativo, mas delas conhecemos resultados práticos pouco recomendáveis. A elas recorrem clientelas partidárias, fortalecendo solidariedades e, pelas sacrossantas e inquestionáveis virtudes, branqueiam-se as canalhices. Naturalmente que o processo de aperfeiçoamento é um caminho, e a perfeição como objectivo é uma utopia. Assim, a construção do ser humano é um processo contínuo de aperfeiçoamento, sujeito, por isso, a tentações, erros e pecados, mas também ao divino perdão. Errar é humano e progredir na vida político partidária é sinal de astúcia.
Diz-se muito mal da classe política. “Não à cultura do bota-abaixo”, disse Sócrates, não o grego, o nosso. “Não contem comigo para semear o desânimo e o pessimismo, deixo isso aos profissionais de descrença e aos profetas do miserabilismo”, disse Cavaco Silva no 10 de Junho. “Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar” dizia Sophia de Mello Breyner Andresen e canta Francisco Fanhais.
* Terceiro de uma série de quatro textos
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