"COPIANÇO"
Por Eduardo Louro
Foi a notícia dos últimos dois dias e talvez a notícia da semana, batendo aos pontos a da saga do próximo governo. Ontem tomou conta do espaço mediático: jornais, rádios, televisões, blogosfera e redes sociais pouco mais fizeram que dar eco da indignação geral e das ondas de choque que a notícia provocou.
Também eu fiquei chocado com as notícias do copianço geral dos 137 alunos do CEJ. Mas, confesso desde já, com as notícias! Por isso, ontem não me pronunciei e optei por deixar passar algum tempo para que a poeira assentasse. De facto este episódio e as suas sucessivas narrativas são um bom exemplo de como se faz comunicação e opinião neste nosso país.
Num teste de Investigação Criminal e Gestão de Inquérito (ICGI), os alunos do Centro de Estudo Judiciários (CEJ), teriam copiado. A notícia começou a circular em moldes inequívocos: até as respostas erradas eram exactamente iguais, o que teria levado a directora do curso, porque já não haveria tempo para repetir a prova, a correr toda a gente com 10, numa escala de 0 a 20.
O resto já toda a gente conhece: desde a reacção do Bastonário da Ordem dos Advogados, à dos sindicatos das magistraturas, dos mais diversos agentes às das próprias estruturas do CEJ e até de ex-Presidentes da República. Multiplicaram-se por toda a parte as acusações de fraude e de desonestidade daqueles que, dentro de pouco tempo, serão responsáveis pela aplicação da justiça e as conclusões de que este seria o paradigma da Justiça: incompetência, desonestidade e, the last not the least, perante a incapacidade crónica de encontrar os culpados, lavar as mãos como Pilatos atribuindo nota 10 a todos os alunos, tenham ou não copiado.
Dentre as páginas de jornais, as horas de rádio e de televisão, os inúmeros posts na blogosfera e as centenas de comentários saliento aqui uma entrevista de Mário Crespo ao sociólogo Boaventura Sousa Santos na SIC Notícias. Confesso que, pese o respeito que aquele jornalista me merece, não sou grande apreciador do seu estilo desgraçadista e exuberantemente opinativo sempre misturado com um assinalável espírito reverencial pouco compaginável com a sua exuberância. Adianto ainda que, tanto quanto sei, o sociólogo Boaventura Sousa Santos, por razões que se poderão muito bem justificar mas que eu não entendo bem, tem responsabilidades pedagógicas no SEJ: conhecedor privilegiado, portanto, do que por lá se passa.
Nesse espaço informativo, enquanto o sociólogo não descolava da vox populi sobre a matéria, e acentuava a necessidade de todo o processo de selecção e formação daqueles futuros magistrados escolher os melhores entre os melhores, sempre com a cumplicidade bem expressa do jornalista, que dissertava sobre as passagens administrativas dos tempos do PREC, acentuando o carácter baldista da formação dos magistrados e enfatizando a nota 10 como forma de assegurar a passagem toda aquela gente incompetente e impreparada.
Ora bem, o que acontece é que aqueles137 alunos do CEJ – ou a sua grande maioria, porque há uma pequena quota para pessoas já profissionalizadas – chegaram ali depois de passarem por sucessivas e exigentes provas de avaliação que deixaram pelo caminho largas centenas de candidatos. O que acontece é que aqueles são mesmo os melhores de entre todos os que um dia ambicionaram fazer uma carreira na magistratura e que ali discutem, palmo a palmo, a melhor nota. A nota que os acompanhará ao longo da carreira e que marcará o seu futuro, para quem, como é evidente, um 10 é uma penalização severa: ali, eles disputam os 16 e os 17, e só não disputam os 18 e os 19 porque essas são, ali, notas proibidas. E, isto, embora devesse, poderá Mário Crespo não saber. Mas Boaventura Sousa Santos sabe-o!
E o que ainda acontece é que o teste em causa era do tipo americano (de resposta múltipla, assinalada por cruzinhas) onde, como é evidente, não é sério dizer que as respostas erradas eram todas iguais. Porque as respostas estão lá, todas iguais: certas e erradas. Como, mais uma vez, Mário Crespo, embora devesse, poderia não saber e Boaventura Sousa Santos bem saberia.
Não estou, obviamente, a fazer a apologia do copianço. Muito menos a sancionar a decisão da direcção do SEJ de resolver o problema com um 10 colectivo. Não é a solução desse problema que me preocupa. O que me preocupa é a forma ligeira e irresponsável como os media tratam as coisas, a maneira fácil, irresponsável e populista de fazer informação. E, nisto, a Justiça tem sido sempre um alvo fácil. É também por isto que a Justiça está no estado em que está!