Foi hoje divulgado o Índice de Percepção de Corrupção relativo a 2024, onde Portugal ocupa a 43ª posição entre os 180 países avaliados, com 57 pontos, numa escala de 0 (para Estados altamente corruptos) a 100 (elevada integridade dos Estados no combate à corrupção), a par do Botswana e o Ruanda, para se fazer uma ideia do que vale. No que é o pior resultado de desde que este índice começou a ser publicado pela Transparency International, em 2012.
Para este resultado terá sem dúvida contribuído a Operação Influencer. Mas ainda não contou o caso de Hernâni Dias, nem a Operação Tutti-Frutti que finalmente chegou a acusação na última semana. E não contou, evidentemente, que o primeiro-ministro tenha resumido o comportamento de Hernâni Dias a imprudência, e saudado o seu "desprendimento". Que grande parte dos acusados da operação Tutti-Frutti se mantenham nas suas funções autárquicas, e envolvidos nas escolhas para as eleições que aí vêm. Ou que Carlos Moedas tenha feito do seu vereador Ângelo Pereira um exemplo. Por ter tido de suspender o mandato, só por ser acusado de um crime de recebimento indevido de vantagem, quando foi vereador em Oeiras.
Portanto, para o ano é sempre a descer. E a descolar do Botswana e do Ruanda...
No meio de toda a pouca vergonha que tem dominado a actualidade política só faltava mesmo esta da Câmara de Espinho, a atingir, não um, mas dois presidentes. O actual - que já não é -, e o anterior, que ainda é deputado e vice-presidente da bancada parlamentar do PSD e vice-presidente de Luís Montenegro. Não um, mas os dois partidos de poder.
O actual, que já não é, começou por dizer que "a investigação incide essencialmente sobre operações urbanísticas realizadas no mandato anterior". E o anterior, que isso era apenas para "desviar o foco da investigação" pois que "o contexto investigatório reporta ao ano de 2022 e respeita a intenções de investimento não concretizadas e a operações urbanísticas tramitadas no actual mandato autárquico, ainda que algumas possam ter transitado de mandatos anteriores"
Diz-se que o actual, que já não é, foi fotografado com "a boca na botija", e escutado a acertar com que notas se fariam os 25 mil euros do seu preço pela aprovação de uns projectos manhosos. As tais "operações urbanísticas realizadas no mandato anterior" que talvez sejam "operações urbanísticas tramitadas no actual mandato autárquico, ainda que algumas possam ter transitado de mandatos anteriores", porque que vai tudo dar no mesmo.
O caso de corrupção que envolve a eurodeputada grega, eleita pelo PASOK, a até agora desconhecida vice-presidente do Parlamento Europeu, Eva Kaili, transporta-nos para a mais famosa expressão da nossa política caseira - "à política o que é da política; à justiça o que é da justiça".
Na Europa, "à política o que é da política", materializou-se, entre outras, na reacção de "fúria, raiva e tristeza" da presidente do Parlamento Europeu, a maltesa Roberta Metsola, inequivocamente expressa nesta declaração curta, mas profunda: "Não se enganem, o Parlamento Europeu, a democracia europeia e as nossas sociedades abertas, livres e democráticas estão sob ataque"!
A deputada corrupta foi imediatamente suspensa, e a imunidade parlamentar de imediato levantada. A política a ser política, para que a justiça fosse de imediato justiça, e a senhora detida - "à justiça o que é da justiça"!
Por cá, sabemos que não é assim, e que "à política o que é da política; à justiça o que é da justiça" nunca é mais que o biombo que esconde o que é a política.
Quis o destino que, nesta segunda-feira, em que em Bruxelas se não falava de outra coisa, por lá estivesse o nosso ministro dos negócios estrangeiros, João Gomes Cravinho. Precisamente no olho do furacão de mais um caso de corrupção (ou "de participação em negócio", ou "peculato" ou de tantos outros eufemismos que por cá gostamos de usar para esta palavra "proibida") no Ministério (da Defesa) em que então estava ministro, que acabara igualmente de rebentar.
Por cá, que uma obra (para reforçar a capacidade de resposta no pique da pandemia) num hospital militar, ajustada por 750 mil euros, tenha acabado a custar 3,2 milhões, através de ajustes directos de um quadro superior do ministério (já com "currículo" na matéria, e posteriormente premiado pelo ministro com uma transferência para uma empresa da tutela) com empresas constituídas de véspera, nem preocupa nem põe em causa as instituições.
É apenas um caso de Justiça?
Não. Não é. É a política a virar caso de polícia!
PS: A foto da Srª (ou menina?) Eva kaili é só por coisas...
Estão a decorrer buscas da Polícia Judiciária nas instalações da Presidência do Conselho de Ministros. As notícias dizem que em causa estão suspeitas de corrupção por parte do Secretário Geral deste órgão central no funcionamento do governo, que alegadamente terá recebido um milhão de euros de luvas num negócio de equipamento informático levado a cabo sem concurso público.
Claro que buscas são buscas, e suspeitas são suspeitas. Estão ambas longe de ser acusações. E mesmo se, e quando, aí chegarem ficam ainda longe da condenação, e dentro do princípio da presunção da inocência.
Mas ... caramba. No estado em que as coisas estão, e logo no dia seguinte a ter-se ficado a saber que as empresas do marido da ministra que toma conta dos fundos europeus estavam a recebê-los, e de uma deputada do partido do governo ter exigido que essa informação fosse retirada de uma acta e apagada a respectiva gravação, é caso para dizer que o nó da gravata de António Costa está a ficar demasiado apertado.
Já ouvi por aí dizer que as buscas, e ainda mais em dia de reunião de Conselho de Ministros, têm uma boa notícia - que a Justiça funciona. Triste, e lamentável notícia, essa que essas vozes nos dão. Então mas já chegamos ao ponto de achar que a regra básica da separação de poderes, num estado de democrático, e de Direito, é notícia?
Só recentemente começamos a ouvir falar do índice de felicidade dos países. Poucos são os agentes políticos a introduzir o conceito no seu discurso, e quando esses poucos o fazem soa a excentricidade. A minudências de franjas que não têm mais nada com que se preocupar.
Mais cedo ou mais tarde acabará por entrar na agenda discursiva, nem que seja por razões de marketing político. As questões ambientais e do bem estar animal, por exemplo, também ainda há poucos anos estavam arredadas do discurso político. E hoje são incontornáveis questões civilizacionais, e por isso de objectiva relevância política
À primeira vista poderá parecer que o índice de felicidade não tem essa transversalidade civilizacional. Acresce que passa por objectivar a felicidade, o mais subjectivo dos conceitos, ao ponto de quantificar para estabelecer comparações. Mas a verdade é que, mesmo subjectiva, a felicidade é tudo o que, em última instância, as pessoas mais procuram. E, por isso, mais valorizam.
Ora aí está. Não é preciso mais para perceber o potencial deste índice no discurso político.
Há já 10 anos que é publicado o World Happiness Index (WHI). Foram recentemente publicados os resultados da décima edição do Índice de Felicidade Mundial, e nesse relatório Portugal encontra-se na 56ª posição entre 146 países. E na 25ª entre os 27 países da União Europeia, apenas à frente da Grécia e da Bulgária. Acabamos, neste último ano, de ser ultrapassados pela Croácia.
Sempre nos tivemos na conta de pobres, mas felizes. Bastava-nos o sol, a luz e a beleza natural para, num país pobre mas bonito, sermos felizes. Venderam-nos tanto essa ideia que até criamos a expressão "pobretes mas alegretes". Pelos vistos não é bem assim. Já andávamos um bocado desconfiados disso. Que este é um belo país, com tudo para para fazer pessoas felizes, mas outras. Que não nós!
Ensinaram-nos que o dinheiro não dá felicidade. Acreditamos. Pelos visto não é bem assim - no índice de felicidade ainda estamos pior classificados que no do PIB per capita. Não só o dinheiro conta, como somos ainda mais infelizes que pobres!
É que, para este índice de felicidade, contam, para além do PIB, factores como expectativa de vida, generosidade, suporte social, liberdade e percepção de corrupção. O PIB não ajuda, já sabíamos. Na expectativa de vida, suporte social e liberdade pessoal estamos dentro da média. Na generosidade, onde nos temos por grande exemplo, também parece que estamos enganados - somos o 4º pior. O problema vem na percepção de corrupção por parte da população - com um penúltimo lugar bem vincado.
Este factor mede a percepção que os cidadãos têm da corrupção no país. Como desconfiam das instituições e dos negócios, e como isso impacta na sua qualidade de vida.
E cá está um dos nós górdios - um país em estado de negação. Um país que se mente a si próprio. Para Portugal não há corrupção em Portugal. Exactamente como, para Portugal, também não há racismo em Portugal!
À notícia da chegada à Europa da vacina da Janssen, logo com 30 mil doses para Portugal e mais milhão e meio a seguir, de que aqui dei nota, seguiu-se pouco depois a notícia ... que afinal, não. Parou tudo. Afinal também provoca tromboses...
Não têm nada a ver uma com a outra, mas não sei por quê, reparei noutra notícia de ontem, a da detenção da Presidente da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, Conceição Cabrita, do PSD, por suspeita de corrupção num negócio de um terreno em Montegordo. É que logo a seguir, tão logo a seguir quanto logo a seguir já não havia vacinas da Janssen, passamos a saber que também envolvia o empresário e deputado António Gameiro, do PS - por acaso acabado de ser anunciado como candidato pelo partido à Câmara de Ourém - com notícias de buscas da Polícia Judiciária em sua casa, e do pedido à Assembleia da República de levantamento da sua imunidade parlamentar.
Quando todos temos Sócrates à frente dos olhos, não poderia haver pior para a nossa sanidade colectiva que notícias de corrupção entre autarcas, deputados, autarcas que são deputados, deputados que são autarcas, deputados que são empresários ou empresários que são autarcas. Tudo nos dois partidos do regime, para quem não há distâncias nem barreiras entre negócios sujos e política.
O problema não deixa de existir se dissermos que esta não é a regra. E que entre cada uma destas pessoas há muita gente séria nos dois partidos e nas suas funções de poder. O problema é que o sistema permite estas coisas, e enquanto as permitir elas existirão sempre.
Continuam a somar-se arguidos e a revelarem-se novos actos de corrupção na esfera da EDP, já ela própria também constituída arguida, como não poderia deixar de ser.
Alguns verdadeiramente surpreendentes, e perfeita contra-mão com aquilo a que estamos habituados. O mais extraordinário é o que envolve o Secretário de Estado da Energia do governo de Passos Coelho, Artur Trindade - acusado, e constituído arguido, por corrupção a troco de um emprego para o pai.
Não. Ele não se deixou corromper por uns milhares de euros todos os meses na conta. Por um apartamento em Nova Iorque. Ou por uma vaga numa universidade americana. Aceitou engrossar a fila dos que não queriam que nada faltasse à EDP por um simples emprego para o pai. Lá mesmo, na EDP.
Ora, isto não é só bonito, e comovente. É o mundo ao contrário, mesmo que sempre a girar no mesmo sentido. O que dávamos por conhecido, e amplamente comprovado e documentado, era políticos a arranjar empregos para os filhos. Isso é que estava no guião. Filhos, políticos, a ajudarem a arrumar um emprego para os pais, nunca tínhamos visto.
Por isso ... nem devia valer. Isso nem devia contar para a corrupção. Ou, se tiver que contar, então façam lá como nos bancos, e dividam a corrupção entre boa e má. E pronto, esta ficava na boa...
Pôde ler-se ontem no Diário de Notícias que, com a pandemia, e os exames à distância, um número crescente de estudantes universitários está a abordar centros de explicações para contratar professores que os substituam nesse acto de avaliação. Surgem com ofertas irrecusáveis com um simples propósito: que um professor lhe faça o exame.
A reportagem não arrisca números. Mas os diversos entrevistados que dão testemunho do modus operandi dizem invariavelmente que, se tomarem por amostra estatística representativa o que é do seu conhecimento pessoal, este é um fenómeno de grande escala. E quer dizer aquilo que todos nós há muito conhecemos da sociedade portuguesa: uma sociedade que convive bem com a fraude, a corrupção, e o chico-espertismo. Onde viver do expediente fácil é sempre mais compensador que viver do trabalho.
Num país onde os dirigentes políticos falsificam habilitações e currículos, fazem exames ao domingo, pagam a quem lhe escreva livros, que depois compram até esgotar edições, não é de estranhar que a elite de amanhã procure comprar resultados de exames, para que mais facilmente lhes sejam franqueadas as portas para o lado de lá da impunidade.
É este o grande vírus há muito instalado em Portugal e para o qual não parece haver antídoto, nem vacina, nem cura. Uma sociedade tão aberta à viciação só pode ser uma sociedade infectada, sem presente e sem futuro, e cada vez mais fechada ao desenvolvimento e à decência.
Assinala-se hoje o dia internacional contra a corrupção, instituído pela ONU em 2003, para sensibilizar a opinião pública para uma chaga que custa 5% do PIB mundial.
Acabar com a corrupção representaria acabar com os grandes problemas que o mundo tem por resolver. Mas sabe-se que nem uma coisa nem a outra acaba.
Em Portugal, a data é assinalada com o anúncio que os principais intérpretes da Justiças estão a participar na definição de uma estratégia nacional de combate à corrupção. Dessa estratégia ficaram hoje conhecidas algumas medidas: facilitar a denúncia premiada e alargar os prazos para o efeito, permitir a negociação de sentenças em fase de julgamento, isto é, introduzir a possibilidade de existir um acordo na fase de investigação entre arguido e Ministério Público sobre a pena reduzida a aplicar a quem confessa um caso de corrupção, evitar os mega-processos e criar juízos especializados nos tribunais para o efeito. Uma especialização que já acontecera na fase de investigação do Ministério Público, e que poderá fazer todo o sentido. Mas também poderá apenas dizer que, até aqui, e em processos com esta gravidade, não haveria grande preocupação em assegurar que os juízes que apreciassem estes processos tivessem a experiência requerida para o fazer.
E com diversas celebrações por todo o país, com as oficiais a decorrerem em Guimarães, é notícia de jornal (capa acima) que um cidadão lesou o Estado em 60 milhões de euros, foi condenado a sete anos de prisão, mas não tem que pagar nem um cêntimo... E vamos entretanto continuando a esperar pelos resultados do julgamento de José Sócrates, de Ricardo Salgado e de mais uns tantos...
Pode ser que me engane, mas desconfio que esta "Operação Teia", que tem o centro no Norte, e lá dentro mais uma história de terror feita de corrupção, de manipulação, de tráfico de influências e de caciquismo, ainda vai trazer dores de cabeça a António Costa.
Normalmente é assim. Ou tem sido sempre assim: quando tudo parece estar a correr-lhe tão bem, surge sempre um contratempo qualquer, frequentemente uma desgraça não anunciada. Hoje uma sondagem dá-lhe 40%, e 22 ao PSD...
As eleições europeias foram o que foram e, agora, três dias dias depois, uma diferença de 18 pontos... Está tudo a correr tão bem, não estava?
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