Passam hoje 50 anos sobre um dos mais marcantes momentos do processo iniciado em 25 de Abril. O PREC (Processo Revolucionário Em Curso) começou verdadeiramente em 11 de Março de 1975. Aqueceu com a Primavera, mas foi no Verão, nesseVerão quente de 75, que escaldou. Incendiou-se, literalmente!
Foi-se esgotando á medida que o Verão se ia aproximando do fim... Até chegar Novembro... Novembro, 25. A data que completa a triologia da revolução dos cravos, e que fecha os 19 meses mais vertiginosos da História de Portugal!
É esta a trilogia que completa a Revolução dos Cravos. Também há, claro, o 28 de Setembro (1974), no primeiro estrebuchar de Spínola, e ante-câmara do 11 de Março. Não há que tirar de uma para pôr noutra, há apenas que saber que, se cada uma tem o seu papel, nenhuma teria existido sem a de 25 de Abril.
Se quisermos espreitar os rostos desta trilogia encontraremos certamente a cara de Salgueiro Maia no 25 de Abril, e a de Jaime Neves no 25 de Novembro, por muito que tenha sido a de Ramalho Eanes a impor-se aos acontecimentos. No 11 de Março pouca gente identificará o rosto de Dinis de Almeida, o jovem major, ao centro na imagem acima, que retrata o momento central - tão caricato quanto marcante - dos acontecimentos que marcam esta data histórica. É o episódio em que o herói do 11 de Março, comandante do então RAL 1 (Regimento de Artilharia Ligeira) e depois RALIS, atacado pelos páraquedistas de Tancos, dialoga com o comandante das forças agressoras (de costas) em frente às câmaras da RTP, que acaba a confessar-se enganado.
Acabava ali a tentativa de golpe de Estado patrocinado por Spínola que, curiosamente, tinha tentado o apoio de Jaime Neves (disse-lhe que só obedecia à hierarquia) e de Salgueiro Maia, que nem lhe atenderia o telefone...
A Spínola, derrotado na rua e nos palácios do poder, restou-lhe fugir do país e entrar na rota do terrorismo, pela via da violência bombista que patrocinou em 1975 e 1976. Até ser reabilitado por Mário Soares, reintegrado no Exército em 1978, e nomeado Marechal em 1981, tudo a tempo de, em 1984, vir a presidir à Comissão das Comemorações do 10º Aniversário do 25 de Abril, tornando-se de certa forma num símbolo da Revolução dos Cravos. Não pelo que nela representou, mas pela generosidade que dela representa.
Não sei se toda a gente sabe quem é Celeste Caeiro, hoje falecida. Mas toda a gente sabe que o cravo vermelho é o símbolo de Abril.
Este é o da minha neta, da Emília - hoje com doze, completados há uma semana - pintado aos 6 anos. Sem a Dª Celeste, por acaso nascida poucos dias depois da minha mãe, se ter lembrado de distribuir pelos soldados, ali pelo Rossio, os cravos comprados para celebrar o primeiro aniversário do "Sir", o restaurante em que trabalhava, na Rua Braancamp, que o patrão - por causa da revolução o restaurante não iria sequer abrir - lhe mandara devolver à Ribeira, o 25 de Abril não teria sido a mesma coisa.
Sem a Dª Celeste, não teria sido a Revolução dos Cravos. Nem eu teria esta pintura da minha neta...
Tudo correu como esperado. Lula foi recebido no dia 25 de Abril na Assembleia da República, mas não esteve no 25 de Abril da Assembleia da República. Bem pensado por Augusto Santos Silva, dizia Marcelo, ainda a caminho.
A Iniciativa Liberal representou-se apenas pelo seu líder, o Ventura fez o seu número, e Augusto Santos Silva voltou a "dar-lhe", com força - "chega de envergonhar Portugal" - e pediu desculpa pela vergonha. Aplaudido por todas as restantes bancadas, menos uma. A do PCP. O que se repetiria no discurso de Lula ... quando condenou a Rússia pela invasão da Ucrânia.
Lula aprende, sem surpreender. O PCP não. Nunca aprende, nem nunca surpreende.
Lá se foi Lula, a tempo de ir almoçar a Madrid, e de se iniciar a sessão oficial das comemorações, deixando tranquilos todos os que achavam indigna a sua participação. Os cravos já lá estavam, no seu sítio. E no peito da maior parte dos presentes, incluindo no de Lula.
Os cravos, sempre os cravos a dividir uns dos outros. E lá estavam os militares de Abril, os que sobram. Dos antigos Presidentes da República, nem isso. Apenas Ramalho Eanes. Os outros já partiram, e Cavaco voltou a mostrar que ... não faz falta. E que porventura nem é digno de o ter sido.
E começaram os discursos. A propósito, e com propósito, com maior ou menor inspiração, mais ou menos arrebatadores. Bem construído o de Rui Tavares, e bem articulado com a exaltação da obra de Chico Buarque - que ontem recebeu, finalmente, o Prémio Camões de 2019, cuja entrega havia sido sucessivamente boicotada por Bolsonaro -, e bem lido, ou bem representado, o de Catarina Martins.
Todos de cravo, à excepção de Rui Rocha. Que fez mal em deixar-se ficar sozinho ("o outro" não conta). Até porque nem Joaquim Miranda Sarmento o negou, mesmo quando todos os deputados do grupo parlamentar que lidera os deixavam inertes na bancada, à sua frente.
Para Marcelo, já se sabe, cravo só na mão. Não discretamente na mão, porque Marcelo num é discreto. Mas ambiguamente na mão, na permanente obsessão de agradar a todos.
Chegada a hora dos discursos dos mais altos magistrados do Estado, Augusto Santos Silva optou por recados ao Presidente Marcelo. Criou uma figura - o "tempo democrático" - para encaminhar o discurso para a estabilidade da legislatura, para lhe dizer que páre lá com a conversa da dissolução do parlamento. Que é "tempo democrático" que dita a duração das maiorias e não a sofreguidão do poder.
Marcelo não surpreendeu ao responder, sem responder, que é o povo o "efectivo garante da estabilidade", e que em democracia "há sempre a possibilidade de se criar caminhos diversos". Também não surpreendeu ao defender a presença de Lula, explicando-a mais em jeito de se desculpar pelo o imbróglio que ele próprio criou, e que alastrou para polémica, do que de outra coisa. Onde surpreendeu foi na forma como explicou muitas coisas ao Chega. Como se fossem muito burros...
Que não são. Pelo menos, ele, "o outro", não é. É muito esperto a explorar a "burrice" dos outros!
Se a celebração do 25 de Abril já incomoda muita gente, este ano incomoda muito mais.
Temos visto de tudo. Uns que comparam esta celebração com a da Páscoa, outros com as do 13 de Maio, e outros até com a do aniversário dos filhos. Sim, o Camilo Lourenço, por exemplo, está preocupadíssimo porque que não sabe como explicar à filha por que não pôde festejar o aniversário, se se pode festejar o 25 de Abril.
O que nos faltava ver mostra-nos agora o respeitável José Milhazes, no Observador, ao propor que, já agora, já que estamos assim, comemoremos o 25 de Abril lá mais para a frente, quando isto já tiver passado. Lá para Novembro. A 25, precisamente!
Pode até parecer brincadeira, mas talvez não seja. Até porque o antigo correspondente em terras soviéticas não é muito dado a brincadeiras. Não é mais que a consagração de um velho sonho de uma certa direita: diluir o 25 de Abril no de Novembro, e misturar bem até tudo ficar em 25 de Abril, nunca; 25 de Novembro, sempre!
Não será fácil levar isto por diante. Se calhar, o melhor, mesmo, é ficarem-se pelas comparações com a Páscoa. Ou com Fátima. Com o aniversário dos filhos também não parece boa ideia. Vinda de quem vem... também não era fácil...
É que, o 25 de Abril todos sabemos o que é ... e o que foi. Conhecemos-lhe todos os cantos. Já do 25 de Novembro só sabemos o que é. Ninguém sabe muito bem o que foi. Sabemos que no 25 de Abril, viemos todos para a rua. E que no 25 de Novembro, fomos todos obrigados a ir para casa. É melhor não misturar. Cada macaco no seu galho, e cada um a fazer festas a quem quer...
PS: A foto é uma pintura da minha neta Emília, de sete anos. Acabou de ma enviar para provar que 25 há só um: o do cravo de Abril, e mais nenhum!
Comemoramos ontem os 45 anos do 25 de Abril. Como sempre, com festas populares por todo o país, com desfiles nas principais cidades, e com a sessão solene na Assembleia da República. Que, em vez de uma oportunidade solene para os poderes democráticos instituídos comemorarem e dignificarem a democracia e o 25 de Abril, é normalmente oportunidade para todas as polémicas, e para exponenciar as divisões políticas, sejam elas estruturais, e quase insanáveis, ou meramente conjunturais, esgotadas no tacticismo oportunista da luta política.
O discurso de Presidente da República, sempre o ponto alto da sessão, raramente consegue fugir a estas divisões, sendo mesmo frequente que as acentue. O anterior titular foi disso flagrante exemplo.
As divisões passam invariavelmente pelo cravo vermelho e pelo posicionamento face o discurso do mais alto magistrado da nação.
O cravo vermelho é símbolo dessa divisão que mais salta à vista. Não os bonitos cravos vermelhos que invariavelmente engalanam a casa da democracia para a ocasião, mas os que integram a indumentária dos intervenientes.
Dividem-se sempre em dois grupos: os que usam e os que não usam cravo ao peito. O cravo não é assim o símbolo da liberdade e da democracia, mas o carimbo que uns ostentam orgulhosamente e outros, porventura não menos orgulhosamente, fazem questão de publicamente recusar. Nos últimos largos anos com o Presidente da República à cabeça!
Ontem, a grande maioria dos intervenientes apresentou-se de cravo ao peito. A excepção do representante de uma das bancadas não surpreenderia, e fez apenas tornar mais notada a atitude do mais alto magistrado da nação, que repetiu exactamente o gesto do ano passado, entrando timidamente de cravo vermelho na mão, que pousou na bancada logo que iniciou o discurso.
O que não impediu que, pela primeira vez, todas as bancadas o tenham aplaudido. Nunca antes um discurso presidencial, no 25 de Abril, tinha convocado um aplauso unânime e inequívoco. Terá certamente sido pelo seu conteúdo abrangente e oportuno, afastado das intrigas que enchem a espuma dos dias do discurso político, a que tantas vezes não consegue resistir. Mas também pela consciência que os tempos não vão fáceis para a democracia, e que a sua comemoração não se pode perder em minudências.
Categoria em que me recuso a incluir o cravo vermelho. Por isso gostaria de um dia o ver no peito de todos os que estivessem a festejar o 25 de Abril. E por maioria de razão no do Presidente da República. Porque o cravo vermelho, como o 25 de Abril, não tem dono. E porque a democracia é feita de símbolos!
Grande discurso da Margarida Balseiro Lopes, nova líder da JSD, e cá da região, nas comemorações oficiais do 25 de Abril, na Assembleia da República, em representação do PSD, de cravo ao peito. Muito aplaudido por Rui Rio, também com o cravo no sítio certo.
Apenas um reparo: não houve nenhuma revolução em 1975, e hoje tratava-se de lembrar 1974. Abril, 25. Mas não é certamente isso que explica uma coisa que não tem explicação: Por que é que nenhum deputado aplaude o discurso do de outro partido?
Mas, claro... os olhos estão sempre no Presidente da República. Marcelo, cujo percurso político até à actual unanimidade nacional é conhecido, entrou de cravo na mão. Não é novidade. Como novidade não é o destino que lhe tenha dado, mesmo que tenha sido possível confirmar que o casaco que vestia tinha lá o bolsinho que dá para acolher o lencinho, mas também serve de casa para aconchegar o cravo ao peito. Na hora do discurso lá estava, despido de simbologias. Do outro lado da fronteira que o cravo vermelho sempre traça a cada comemoração do 25 de Abril, no lado onde sempre vimos o seu antecessor, que não deixou saudades e de quem já nem nos queremos lembrar.
Se calhar foi por isso que o discurso do PR não mereceu os aplausos da esquerda do Parlamento... Mesmo que o principal da mensagem tenha sido a óbvia e urgente necessidade de renovação do sistema político, como já fora a do Presidente do Parlamento, Ferro Rodrigues, ao referir-se à necessidade da "renovação democrática das instituições" e da exclusividade dos deputados, mesmo que revisitando a sua lamentável posição relativamente às últimas denúncias sobre os deputados insulares.
Em cada 25 de Abril os portugueses dividem-se entre os que usam e não usam cravo na lapela, que em tempos usaram gravata preta. As coisas evoluem, e surgiu o cravo na mão, uma espécie de terceira via, uma bissectriz traçada por Marcelo... Who else?
Nem tanta mudança de ciclo, nem tanto tempo novo, foram capazes de devolver um cravo à lapela do Presidente da República... Deram para o regresso dos mlitares de Abril à Assembleia da República, mas não deram para o regresso desse cravo há tanto desaparecido...
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