A notícia é de ontem, mas por falta de disponibilidade só hoje lhe pego. Foi trazida à estampa pelo Diário Económico e dá conta que a rábula da irreversível demissão de Portas, no princípio de Julho, e a crise política que lhe sucedeu, custou ao país 2,3 mil milhões de euros em agravamento de juros.
Não é exactamente novidade, há muito que corria por aí. Há muito que se atribui a mais esta brincadeira de Portas o momento de viragem no comportamento dos mercados, e de inversão do sentido descendente das taxas de juro. Sempre que se tem falado da saída directa da Irlanda do programa de resgate da troika comparam-se as suas taxas de juro com as portuguesas, e logo vêm à conversa as culpas de Portas.
Não é, evidentemente, aquela que foi apenas mais uma brincadeira de Paulo Portas que tem responsabilidades nisto. É mesmo injusto acusar Paulo Portas de mais esta malfeitoria, quando ele já tem tantas outras .
E não estou a defendê-lo. Até porque não seria fácil!
Quero apenas tentar pôr as coisas no seu lugar, separar o essencial do acessório. A crise política do final do primeiro semestre é da responsabilidade de Portas, isso é indiscutível. Mas surgiu na sequência de uma demissão a sério, realmente irrevogável, daquela que era a primeira e principal figura do governo: a decisiva demissão do decisivo Vítor Gaspar. Decisiva porque era exactamente quem tutelava o governo, e na verdade o representante da troika e dos credores no governo. Mas ainda mais decisivo porque, podendo simplesmente ter-se demitido, optou por explicar claramente porque o fazia: porque ele próprio falhara em toda a linha, mas também porque falhara a política em que tinha acreditado. Disse com todas as letras que a receita estava errada, e que por isso falhara!
Foi isto que foi determinante para os mercados – atenção que mercados e credores não são a mesma coisa - perceberem que o programa não funcionava e que, com ele, o país apenas se afundava cada vez mais. Foi esta declaração pública de falência do programa da troika, pela voz mais autorizada para o fazer, que fez com que as taxas de juros subissem e não mais descessem. E não as rábulas de Portas!
Só que a política se manteve e, pese embora as declarações de negação das cúpulas, especialmente do FMI, o programa da troika e do governo seguiu inalterável o seu rumo, como se Vítor Gaspar não tivesse dito nada do que disse. Era preciso fazer de conta que tudo estava a correr bem e esconder depressa as palavras do Gaspar. Por isso nada melhor que culpar Portas pelo arrepiar de caminho das taxas de juro.
Não é estranho que os comentadores do regime o tenham sacrificado para construir esta história. Estranho é que toda a comunicação social a tenha seguido!
Na semana da greve geral, normal seria que fosse esse o acontecimento da semana. Não foi!
Não foi a greve geral o acontecimento da semana passada. Foi a clara e inequívoca expressão da oposição das associações patronais – todas – à política que o governo prossegue, para sempre a política de Gaspar.
Com esta posição as associações patronais, em véspera de greve geral, diziam ao governo que também estavam desse lado. Diziam ao governo que, definitivamente, não acreditavam nesta governação. Que o recente paleio do crescimento, que – tomem nota - este é o momento do investimento, não passava de conversa fiada de vendedor de banha da cobra. Que o governo em que já ninguém acredita estava completamente sozinho. Como bem ilustrava, logo de seguida e como aqui se deu conta, Ângelo Correia, também ele a dizer que o governo não sabia o que andava a fazer!
Esta não foi a semana da greve geral. Esta foi a semana em que o governo caiu, mesmo que apenas se venha a dar por isso daqui por umas semanas. Porque, ao perceber que já não dispunha de qualquer crédito, Gaspar descobriu que nem ele já acreditava nele próprio. Isso é notório e evidente na carta de demissão que dirigiu ao primeiro-ministro - ao primeiro-ministro com conhecimento a todos nós, bem entendido - quando se refere às suas limitações e responsabilidades no incumprimento do programa de ajustamento. E quando expressa que a repetição desses desvios minou a sua credibilidade e que, credibilidade e confiança, eram contributos que não se encontrava em condições de assegurar.
Vítor Gaspar confessou-se o problema – incluindo no próprio funcionamento do governo, quando refere a forte convicção que a sua saída reforça a sua coesão e a capacidade de liderança de Passos Coelho – quando era ele a única solução. O governo era Vítor Gaspar, e Vítor Gaspar era o governo!
O governo caiu na semana passada, mas só hoje o tornou público naquela carta de demissão de Vítor Gaspar. Só Cavaco não percebeu!
Afinal Vítor Gaspar continua em funções. É apenas um refresh de imagem, com especial incidência na dicção: Vítor Gaspar continuará, agora encarnado em Maria Luís Albuquerque!
Que estava justamente no olho do furacão. Que não tem currículo - nem perfil político - para Ministra das Finanças, aqui e agora. No período mais difícil que Portugal alguma vez atravessou!
Que sentido faz isto?
Nenhum. Apenas confirma que Passos Coelho é teimoso. E que tem Cavaco no bolso...
Não fosse assim e o novo ministro seria, evidentemente, Paulo Macedo. E lá vão, Passos e Cavaco, mão na mão, cada vez mais sozinhos...
Teixeira dos Santos diz que avisou Vítor Gaspar dos swaps. Vítor Gaspar confirma, mas diz que a informação não era suficiente. Maria Luís Albuquerque continua a dizer que não recebeu informação coisíssima nenhuma. Que não sabia de nada... Mas já diz que não há problema nenhum, que isso nada custou aos contribuintes, porque o que se perdeu de um lado ganhou-se noutro…
Pronto: Vítor Gaspar sabia mas não disse nada à sua secretária de estado, e o PS quer saber porquê. Mas Aguiar Branco, mesmo ocupado a falar de combate a incêncidos, garante que o governo fala sempre verdade. E defende - o ministro da defesa serve para defender - a secretária de estado, que também é do governo. Que fala sempre verdade!
Apetecia-me dizer: puta que os pariu! Mas não digo - afinal foi assim que nos vimos livres do Gaspar...