Recep Erdogan foi reeleito presidente da Turquia, com 52% dos votos na segunda volta das eleições, e está agora a caminho de ultrapassar 25 anos de poder, entre a chefia do governo, de 2003 a 2014, e a presidência da República, a partir daí e, agora, por mais cinco anos.
A notícia não é, no entanto, a reeleição deste autocrata, que controla o poder com mão de ferro. Notícia é ter sido obrigado a disputar uma segunda volta, ter perdido claramente nas duas principais cidades, a capital Ankara e a histórica Istambul, e ter acabado com uma vitória de expressão mínima em eleições que não são nem livres, nem justas.
Que não são livres demonstra-o a pressão sobre observadores internacionais da OSCE que, sob ameaça, tiveram de abandonar as assembleias de voto que observavam. Que não são justas prova-o uma entrevista de duas horas a Erdogan, na própria véspera das eleições, transmitida em simultâneo na generalidade (em oito dos principais) dos canais de televisão turcos, sem um minuto de antena, sequer, ao seu adversário, Kiliçdaroglu, que as sondagens davam como favorito.
Entretanto, Marcelo já o felicitou pela vitória...
Há muito que Boris Johnson mais não faz que tentar equilibrar-se no terreno movediço que criou para montar a sua carreira política, a partir da aldrabice mor que criou de braço dado com Nigel Farage que levou ao Brexit. Não se aguentou, e caiu com estrondo.
Nem a bengala a que se agarrou com a guerra na Ucrânia o segurou!
Caiu redondo, como caem os trapaceiros em sociedades decentes. Quando se fala em democracias maduras é disto que se está a falar. De bastarem três dias para arrumar com um aldrabão. Por mais poder que exiba, por mais habilidoso que seja, e por mais esperto que se julgue.
Iniciam-se hoje as comemorações dos 50 anos do 25 de Abril. Hoje, pelo simbolismo de ser hoje o dia em que os 48 anos do regime democrático nascido do 25 de Abril de 1974, igualam os 48 anos da ditadura instalada em 28 de Maio de 1926.
Amanhã, quando comemorarmos os 60 anos da crise académica de 1962 - que será sempre uma marca da resistência à ditadura de Salazar - já teremos mais tempo de democracia que de ditadura na História recente de Portugal.
É muito tempo, 48 anos. Mas nem o tempo suficiente para fazer tudo o que havia para fazer, nem o tempo suficiente para apagar tudo o que havia para apagar. Estes últimos 48 anos desenharam um país muito diferente do dos outros 48, mas não apagaram, ainda assim, muitos dos traços mais carregados dos anteriores 48 anos. São muitos os que perduram, que marcaram e continuam a marcar gerações sucessivas, décadas e décadas depois. E que eventualmente continuam a contribuir para que falte fazer muito do que havia para fazer.
"Depois de ser condenado em primeira instância, o Tribunal da Relação confirmou o que já todos suspeitávamos: André Ventura é um criminoso. E o criminoso bem pode ficar incrédulo e desiludido, e fazer o seu teatro calimerico, mas qualquer ser unicelular percebia o óbvio: não podes chamar “bandido” a pessoas que nunca cometeram um crime, entre as quais se incluía uma criança pequena, em prime time e perante uma audiência de milhões, usando essas pessoas como arma de arremesso num debate político. Agora, o arrogante é presunçoso Ventura, mais o seu partido de extrema-direita, terão que pedir desculpa à família Coxi. E o não cumprimento da sentença dará origem a uma multa de 500€ por dia de atraso. E cada reincidência terá o custo de 5000€. Portanto ou pedem desculpa, ou vão à falência, ou fazem como os outros neofascistas europeus e pedem ao tio Putin ou ao tio Bannon para bancar.
O ódio e o extremismo perderam, a democracia e o Estado de Direito ganharam. Venham mais dias assim."
Não. Não é. Não será, por muito que o dia de hoje fique a marcar a Justiça, a Política, a democracia e o país. Mesmo que a partir de hoje nada fique na mesma, todo este Processo da Operação Marquês vai ficar na mesma, à espera que tudo prescreva.
Hoje, a Justiça só pode evitar mais uma vergonha. Veremos se aproveita essa oportunidade minimalista.
As democracias medem-se pela prática das liberdades e garantias dos cidadãos, pela forma como é legitimado e exercido o poder, pela forma como cuida do desenvolvimento da sociedade, etc ... etc... Mas mede-se acima de tudo pelas suas instituições, porque são essas que, na prática, dão expressão a tudo isso.
É de tal forma assim que, quando circunstancialmente, em qualquer parte do mundo, gera soluções governativas que a podem por em causa, os olhos da opinião pública se viram exactamente para aí. Para a qualidade e as garantias das instituições. Se essa qualidade é reconhecida surge alguma tranquilidade. Se, pelo contrário, as instituições não inspiram essa tranquilidade, teme-se o pior. Trump, nos Estados Unidos, e Bolsonaro, no Brasil são, apesar de tudo, dois bons exemplos disso mesmo.
Em Portugal, o regime democrático não tem sido particularmente cuidadoso com a qualidade das suas instituições. E essa falta de cuidado é porventura o perigo maior para a nossa democracia, e uma das principais causas do crescimento da radicalização da extrema direita, para que ontem alertava um relatório europeu.
Vem isto a propósito da forma como se escolhem em Portugal as pessoas para as instituições. Umas vezes para alimentar clientelas partidárias, outras para pagar favores, outras por simples distribuição tácticas de lugares e, outras ainda, sem que se perceba por quê. Ontem tivemos mais um triste exemplo disso mesmo, com a estória do novo presidente do Tribunal Constitucional (TC) que, francamente, não sei em qual das situações anteriores se enquadra.
Não é mais um fait divers, longe disso. Há 11 anos, aquando da aprovação do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, o novo presidente do TC, de seu nome João Caupers, escreveu uma série de alarvidades sobre a homossexualidade, os homossexuais e o suposto lobi gay onde, a par de uma inaceitável leviandade de abordagem, revelava um pensamento cavernoso, e uma enorme intolerância.
Dando por óbvio que uma pessoa que pensa dessa forma não pode presidir à instituição que tem por função velar pelo cumprimento de uma Constituição como a portuguesa, só posso aceitar que quem procedeu à sua nomeação não conhecia o seu perfil. Que não era assim tão difícil de descobrir. A comunicação social descobriu-o de imediato.
É mesmo desleixo. O mesmo desleixo de sempre, e que leva à destruição da confiança nas instituições. E, claro, na democracia como fórmula única de sã convivência em sociedade.
É público e notório que o governo está esgotado, e nem é preciso evocar o ministros mais fragilizados, que são já muitos. É hoje praticamente impossível apontar um membro do governo de quem se possa dizer que goza de boa saúde política, e nem mesmo António Costa, que nos momentos mais difíceis sempre conseguiu aguentar com o governo às costas, escapa. Por muito que se esforce em aparentar boa forma, não consegue esconder o esgotamento e a desorientação.
Poderá dizer-se que é da pandemia. Que não é fácil - muito pelo contrário, é muito difícil - governar nas condições que esta pandemia nos impôs. O que ontem parecia uma coisa, hoje é outra. E amanhã outra ainda. O que parecia certo, está depois errado. A realidade ultrapassa-se a si própria a cada passo.
A pandemia trouxe novos desafios aos governos. A este, como a todos os outros por todo o mundo. Já vai longa, e a luz ao fundo do túnel não passa de uma penumbra invisível. Estamos todos cansados dela, e o governo não é excepção.
Se no entanto desviarmos por um momento os olhos da pandemia, seremos capazes de ver que, mesmo sem pandemia e sem catástrofes, os governos, e muito especialmente os governos do Partido Socialista, costumam esgotar-se mais ou menos por esta fase das suas vidas. Sempre que chegam ao segundo ano do segundo mandato começam a abrir brechas e implodem.
Muito tempo seguido de poder faz mal aos partidos da governação. E pior, faz mal ao país. Lembramo-nos dos governos de Cavaco, e como acabaram, e que Cavaco só não acabou porque ganhou fôlego para uma segunda vida, dez anos depois. Depois veio Guterres, governou quatro anos, mas no segundo ano do mandato seguinte veio o pântano, e foi-se embora. Veio Barroso, e depois Santana Lopes, e nada correu bem. Só deu para chegar a segundo ano... do primeiro mandato. E veio Sócrates, que deu no que deu. E ao segundo ano do segundo mandato rebentou, depois de rebentar com o país.
O esgotamento deste governo de António Costa não é, por isso, nada de anormal. Anormal, só mesmo a pandemia. Está dentro da tendência.
Com o passar dos anos vêm o deslumbramento e o abuso do poder. E com eles o desrespeito pelos cidadãos e pela sua inteligência. A mentira, e o incumprimento e a manipulação do prometido.
Tem sido sempre assim. Com esta pandemia passou a ser ainda mais assim. Repare-se no que se passou com o ensino à distância. Em Abril do ano passado António Costa prometia que todas as escolas estariam preparadas para o ensino à distância no início do novo ano letivo. As escolas fecharam há poucas semanas, tarde de mais, e percebeu-se por quê, e regressam hoje as aulas "on line". Soube-se então que os prometidos computadores tinham começado a ser encomendados em Novembro, e que o grosso da encomenda foi mesmo colocado em Janeiro, já com as escola encerradas.
António Costa diz-nos que o Estado não poupou no combate à pandemia, que o esforço é de 22 mil milhões de euros, qualquer coisa como 11% do PIB. E no entanto sabemos que o governo português é dos que menos investiu no combate à doença e no apoio à economia de toda a União Europeia. É o terceiro que menos gastou. Diz-nos o BCE que nem aos 3% do PIB chegou. O governo fez com a pandemia o que fizera nos anos anteriores com as cativações, com que cumprira os orçamentos. Anunciou fazer, mas não fez. E maquilhou os números, incluindo nos 22 mil milhões euros o valor dos empréstimos bancários em moratória com aval do Estado. Para que os 22 mil milhões euros de António Costa fossem 22 mil milhões euros de verdade seria necessário que ninguém pagasse os empréstimos depois de Setembro, ou lá ainda mais para a frente, como irá ter que ser. Quando se sabe que se o incumprimento passar dos 10% estaremos perante mais uma calamidade.
O exemplo mais flagrante da despudorada manipulação de números nem vem do governo. Vem do próprio partido, e chega-nos no gráfico que divulgou nas redes sociais no final da semana, acima reproduzido. Inacreditável!
Com o governo neste estado, e a oposição ainda pior, sem alternativa para alternância, a democracia portuguesa encontra-se também ela à beira do esgotamento. Talvez por isso um conjunto de personalidades se tenha lembrado de governos de iniciativa presidencial, e tenha decidido pressionar o Presidente Marcelo para entrar nessa aventura. Marcelo fez bem ao rejeitar dar esse passo, de resto de duvidosa constitucionalidade.
Mas, sem alternativa a este governo, ficou claramente, e aos olhos de toda a gente, obrigado a obrigar António Costa a arrepiar caminho. De que forma, não sei. Mas espero que ele saiba. E que seja bem sucedido!
O país votou, contra tudo - pandemia, condições climatéricas - mas não contra todos. Não votou em massa, e a abstenção atingiu até um novo recorde, agora nos 60.5%, mesmo assim aquém do que seria de esperar. Não vale a pena especular com a abstenção técnica, mesmo que não se possa deixar de ter em atenção que o considerável aumento da mortalidade no último ano a deva ter feito subir. Vale a pena lembrar que havia mais milhão e meio de inscritos fora do país e, acima de tudo, e que com a pandemia, com mau tempo, com uma vitória antecipadamente garantida, e numa reeleição, poderia ter sido pior.
Marcelo Rebelo de Sousa ganhou, como se sabia que ganharia. Mas ganhou mais claramente do que se admitia que ganhasse. Aumentou a sua votação, teve mais volos que na eleição para o primeiro mandato e, se não atingiu o recorde que se dizia que perseguia, também não ficou lá muito longe.
Ganhou de tal maneira que houve derrotas para todos os gostos. Só que, é histórico, nas noites eleitorais em Portugal ninguém perde. Ganham todos. E desta vez até ganhou quem não foi a eleições. Como Rui Rio e Francisco Rodrigo dos Santos, que não percebem o que lhes está a acontecer.
Na tão aguardada disputa do segundo lugar Ana Gomes ganhou a Ventura. Se o que o homem diz fosse para levar a sério, hoje abandonaria a liderança do seu partido. Como todos sabemos qual é o valor da sua palavra, e das linhas com que se coze, tirou da cartola o coelho que se sabia que tiraria. Não tem outro, e já está gasto, mesmo com tão pouco tempo.
É insubstituível. Afinal é um enviado de Deus ...
Inegável é que chegou ao dois dígitos, com quase 12% dos votos, e alterou profundamente o espaço eleitoral da direita Pouco importa donde vêm esses votos, virão de diversas origens. Umas supostamente identificáveis na expressão eleitoral em distritos como Setúbal, Évora ou Beja. Outras nas de Bragança, Vila Real ou Guarda. Importa é que existem, que estão aí.
E não são um problema para o PSD, cada vez mais emagrecido, e para o CDS, que já desapareceu. São um problema para o país. E para o regime, que PS e PSD, em vez de cuidar, foram deixando esgotar.
Percebeu-se isso nos discursos que encerraram a noite eleitoral. No discurso oportunista e grosseiro, mas apoteótico, de Ventura; e no discurso de Estado, mas preocupado e até resignado, do presidente reeleito.
O ponto final nas presidenciais veio cheio de reticências...
Tudo aquilo a que estamos a assistir nestes dias que se estão a seguir ao das eleições nos Estados Unidos leva-nos como nunca a questionar a democracia americana.
Desde logo, um país imenso, dividido em cinquenta estados, mais Washington DC, mas apenas dois partidos. Depois, num regime ultra-presidencialista, o presidente não é eleito por sufrágio directo, tornando frequente - tão frequente que aconteceu por duas vezes nas duas últimas décadas - que o presidente eleito não seja o que teve mais votos. Depois ainda, as diferentes diferenças nas votações que permitam a um candidato requerer judicialmente a recontagem dos votos: 1% nuns estados, menos ainda, noutros. E por último a cereja no topo do bolo: os delegados resultantes dos resultados eleitorais em cada estado, que no colégio eleitoral vão finalmente eleger o presidente, poderão até nem votar no candidato para que estão mandados pelo voto popular que representam. O candidato mais votado de um estado assegura a totalidade dos delegados desse estado ao colégio eleitoral; mas cada um desses delegados poderá depois até votar no candidato adversário. Nalguns estados, o delegado que o fizer é obrigatoriamente substituído na votação. Mas noutros sujeita-se apenas a uma multa, e mantém o voto contrário ao mandato que recebeu.
No meio de tudo isto não surpreende o que Trump está fazer para se agarrar no poder. Está a fazer tudo o que um anquilosado processo velho de século e meio lhe permite. O que surpreende é a massiva participação dos americanos nestas eleições. A maior dos últimos 100 anos, que já fez de Biden o candidato mais votado da História da América.
Talvez seja isso que ainda alimenta a mítica democracia americana. Em tudo o resto é uma democracia cada vez menos democrática, como é timidamente cada vez mais reconhecido. Mas, à americana, os americanos acham-na perfeita!
Numa altura em que o populismo impera na maior parte do mundo há pequenas notícias que muitas vezes dizem muito.
Sabe-se que o populismo cresce sempre a partir da deterioração da relação entre governados e governantes, muito por força do enfraquecimento da qualidade dos titulares de cargos públicos e da consequente degradação do exercício do poder.
A notícia que hoje aqui trago chegou-me num dia desta semana, que ficou justamente marcada pelo primeiro debate entre os candidatos às eleições presidenciais americanas, e que se tornou numa montra exuberante do que é, e de que é capaz, o populismo.
A notícia provinha da Associated Press, e dizia que, algures na improvável Roménia, a população de Deveselu, uma vila com cerca de três mil habitantes no sul da Roménia, reelegeu com 64% dos votos o seu presidente da câmara. Não seria notícia não se desse a circunstância de as eleições se terem realizado no domingo, 20 de Setembro, e o Sr Ion Aliman – assim se chamava presidente da câmara – ter falecido na quinta-feira anterior, vítima de covid.
Sem possibilidade material de alterar os boletins de voto, o seu nome lá permanecia no dia das eleições. Diz a notícia que a caminho da assembleia de voto, a população passou pelo cemitério a depositar uma flor na campa do autarca e, chegada à urna, depositou-lhe o voto. O voto que, segundo os relatos, sentiam dever-lhe pela forma como exerceu o poder, sempre ao lado deles, e nunca contra eles.
Não valeu de muito, até porque obriga a novas eleições, mas fica a lição. E que grande lição!
* A minha crónica de hoje na Cister FM
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