Os resultados das eleições gerais em Espanha, com o partido mais votado impossibilitado de formar governo, ao contrário (por maiores que sejam as dificuldades) do segundo em votos, voltaram a agitar (más) consciências em Portugal.
Toda a gente sabe que numa democracia parlamentar poderá não bastar ser o mais votado para governar. Que, para governar, é preciso uma maioria parlamentar de suporte à solução governativa, seja ela de um partido só, ou de vários.
Admitamos no entanto que nem toda a gente saiba isso. Que há quem ande distraído e entenda que baste um voto a mais que à concorrência para a legitimação democrática de governar.
Admitindo isso, poderíamos aceitar que seria por simples distracção que grande parte da actual cúpula dirigente do PSD vem, agora, reclamar a legitimidade de Feijóo para constituir governo em Espanha. Da mesma forma que há oito anos considerara uma traição à democracia que António Costa tivesse formado governo em Portugal.
Só que, entretanto, e já lá vão três anos, o mesmo PSD formou governo (regional) nos Açores nas mesmíssimas condições - não tendo sido o partido mais votado. O PS obteve então mais de 39% dos votos, e o PSD menos de 34. E cai pela base a tese da distracção.
Os dirigentes do PSD, com o vice-presidente Miguel Pinto Luz à cabeça, não andam distraídos. Fazem-se de distraídos. E isso tem nome - chama-se aldrabice, pantominice e má-fé!
Não são distraídos, mesmo que se façam de distraídos quando se lhes lembra que até a linha vermelha do Chega pisaram quando a janela se lhes abriu. São impostores, pantomineiros e trapaceiros, entre outras adjectivações que os qualificam para o exercício da actividade política em Portugal.
Tudo aquilo a que estamos a assistir nestes dias que se estão a seguir ao das eleições nos Estados Unidos leva-nos como nunca a questionar a democracia americana.
Desde logo, um país imenso, dividido em cinquenta estados, mais Washington DC, mas apenas dois partidos. Depois, num regime ultra-presidencialista, o presidente não é eleito por sufrágio directo, tornando frequente - tão frequente que aconteceu por duas vezes nas duas últimas décadas - que o presidente eleito não seja o que teve mais votos. Depois ainda, as diferentes diferenças nas votações que permitam a um candidato requerer judicialmente a recontagem dos votos: 1% nuns estados, menos ainda, noutros. E por último a cereja no topo do bolo: os delegados resultantes dos resultados eleitorais em cada estado, que no colégio eleitoral vão finalmente eleger o presidente, poderão até nem votar no candidato para que estão mandados pelo voto popular que representam. O candidato mais votado de um estado assegura a totalidade dos delegados desse estado ao colégio eleitoral; mas cada um desses delegados poderá depois até votar no candidato adversário. Nalguns estados, o delegado que o fizer é obrigatoriamente substituído na votação. Mas noutros sujeita-se apenas a uma multa, e mantém o voto contrário ao mandato que recebeu.
No meio de tudo isto não surpreende o que Trump está fazer para se agarrar no poder. Está a fazer tudo o que um anquilosado processo velho de século e meio lhe permite. O que surpreende é a massiva participação dos americanos nestas eleições. A maior dos últimos 100 anos, que já fez de Biden o candidato mais votado da História da América.
Talvez seja isso que ainda alimenta a mítica democracia americana. Em tudo o resto é uma democracia cada vez menos democrática, como é timidamente cada vez mais reconhecido. Mas, à americana, os americanos acham-na perfeita!
Só agora terminou a contagem dos votos dos americanos nas eleições presidenciais. E com algumas novidades. E até algumas surpresas!
Não é novidade que Hillary Clinton foi mais votada que o presidente eleito. Soube-se logo na própria noite das eleições. O que é novidade é a expressão dessa diferença, a favor da candidata derrotada. Mais que novidade, é até surpresa tenha obtido mais dois milhões de votos que Trump.
Mesmo ainda antes de conhecida em toda a sua extensão, esta circunstância tinha já suscitado uma petição dirigida ao colégio eleitoral, assinada de imediato por milhões de americanos, para que os grandes eleitores não respeitassem o mandato do Estado que representam, mas o do voto popular. Para que, no próximo dia 19 de Dezembro votassem no candidato efectivamente mais votado, o que a Constituição americana prevê mediante o pagamento de uma multa. Que os subscritores se dispunham a pagar…
Agora, um grupo de reputados especialistas em informática emitiu um relatório que sugere que o voto electrónico em três estados que deram a vitória a Trump teria sido manipulado, conclusão a que chegaram depois de análise estatística aos votos contados através de sistemas informáticos e aos contados por métodos tradicionais. E entregou-o à equipa de Hillary Clinton com a recomendação de impugnar os resultados e de requerer a recontagem dos votos.
São já muitos, e muito visíveis, os sintomas de que a maior democracia do mundo está doente. Bem sei que há gente que gosta de dizer que há quem diagnostique estas doenças sempre que os resultados não convergem com as suas opções. Mas se isso não for reduzir os problemas a uma expressão tão simples que os desvirtua, é apenas retórica descartável!
Daniel Adrião quis abanar o congresso do PS com uma proposta revolucionária para o xadrez partidário do regime. A moção que levou ao congresso era sedutora, desde logo pela própria designação: "Resgatar a democracia", num quadro de crise da democracia representativa, soava bem. Mas passou ao lado do congresso. Dela nada se ouviu. Desta moção tão prometedora, e da lista que lhe dava expressão - que acabou com 18 lugares na Comissão Política Nacional - para a História deste 21ª congresso do PS não ficará mais que a extemporânea e descabida tentativa de redenção de José Sócrates que, na intervenção de uma das integrantes da lista - Cristina Martins, se não estou em erro - roçou mesmo o patético.
Os partidos são mesmo assim. Ou isto mesmo, como se diz no futebol!
PS: Pior só mesmo as televisões. E pior ainda só mesmo a SIC, cujo repórter, enquanto na tribuna o Daniel discursava, garantia com toda a convicção: «De Daniel Adrião, o homem que apresentou uma moção contra António Costa e até concorreu a secretário-geral contra António Costa nas eleições directas, ainda não há sinal, ainda não o vimos por aqui no congresso do PS esta manhã.»
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