Descentralização do Estado
O Estado é omnipresente, está em todo lado. Gosta mais do centro, é no centro, no Terreiro do Paço ou lá onde for, que brilha com mais esplendor. E é também aí que aquece mais.
Como tem que estar em todo o lado, mas não quer sair do centro, depois de muito pensar, o Estado encontrou uma saída. Chamou-lhe descentralização!
Daí que descentralizar, ao contrário do que a expressão encontrada poderá enganosamente sugerir, não seja exactamente sair ou abandonar o centro. É espalhar-se a partir do centro, é abrir os braços para chegar a todo os sítios. Mas funciona, a expressão, claro...
E funciona tão bem que está sempre na ordem do dia, sempre à mão para resolver uma reivindicação aqui, pagar aquele favor ali, apagar um conflito acolá... Até para acordos de regime dá, veja-se bem.
O Estado tem, em Portugal, vários mecanismos de descentralização. E só não tem mais porque há vinte anos, feitos há pouco, em referendo (ora aqui está o que ainda é o melhor exemplo de matéria referendável), os portugueses disseram não à regionalização, e evitaram que se criassem mais umas tantas de estruturas de poder, e de fontes de burocracia, para alimentar mais umas centenas de exemplares das insaciáveis clientelas partidárias.
Com a organizaçao admnistrativa do Estado a contemplar as duas regiões autónomas que a geografia do país justifica, tenho sempre grande dificuldade em encontrar justificação para dividir em regiões administrativas um território com menos 90 mil quilómetros quadrados, de um país com as mais antigas fronteiras da Europa, que é o paradigma do Estado-Nação.
Para além do poder central, e dos poderes regionais nos dois arquipélagos atlânticos, o Estado dispõe de órgãos de poder local, as autarquias distribuídas pelos actuais 308 concelhos, praticamente o mesmo número que Passos Manuel deixou, em 1836, e 3091 freguesias, as que acabaram a pagar as favas, bem cozinhadas pelos partidos do poder, da suposta reforma admnistrativa de 2013, para troika ver ... Mais um faz de conta, de braço dado com o engana-me que eu gosto, o par que a cada pé de passada encontramos em cada esquina do país.
O Estado central não olha nos olhos o poder local; é sempre de cima para baixo. Usa e deita fora, conforme lhe dá jeito. E no entanto é no poder local que o Estado realiza boa parte das suas funções... Como é no poder local que se revela o que de melhor os cidadãos têm a dar à sua comunidade ... Mas também o pior do lado mais feio do poder, e da mais abusiva manipulação da democracia, em flagrante violação dos seus mais elementares princípios e na subversão das suas mais inquestionáveis e fundamentais regras.