O país está ainda em choque com a violência de que foi palco a Academia do Sporting, em Alcochete que, em boa verdade, chocou muita gente mas terá surpreendido muito pouca.
E não, não me refiro apenas ao universo do futebol, aí não há sequer razão nenhuma para surpresas. Refiro-me a todos os que se preocupam com o país, e que se apercebem da degradação das instituições e, de uma forma geral, da nossa vida colectiva.
Um país que assiste de braços cruzados a uma dolorosa e humilhante intervenção externa, a pelo menos uma década de escândalos na banca e nas elites políticas e empresariais, incluindo um antigo primeiro-ministro e vários ministros de vários governos, a revelações praticamente diárias de mais e mais corrupção, mas que reage sistematicamente com violência a um mau resultado do seu clube de futebol, mais que sem tino, é um país sem destino.
Repare-se como, aqui ao lado, em Espanha, com múltiplos escândalos de corrupção, mas ainda longe do que se tem passado por cá, se está a assistir à acelerada dissolução da estrutura de poder das últimas décadas. As sondagens desta semana revelam que o PP e o PSOE, que sempre asseguraram o poder nos 40 e poucos anos da democracia espanhola, já não representam, cada um, mais de 19% das intenções de voto. Abaixo do Podemos, e já muito longe do Ciudadanos, à beira dos 30%.
E como, por cá, os partidos que nos têm governado, passam incólumes por entre os pingos da chuva, mantendo intacto o seu fiel eleitorado, como adeptos de futebol, o que lhes permite protegerem-se transversalmente uns aos outros. E se alguma vez assim não acontece, o prevaricador é acusado de falta de lealdade. Como aconteceu no debate parlamentar da semana passada, sem que ninguém ousasse sequer achar estranho!
Costuma dizer-se que os campeonatos se ganham com jogos destes. Acho que não. Com jogos destes não se ganha coisa nenhuma, com substituições daquelas não se ganha nada… Com tanta gente a falhar tanto até se podem ganhar jogos destes, mas não se ganha muito mais!
É por isso preciso acabar rapidamente com jogos destes para que a equipa fuja do destino que parece voltar a anunciar-se.
Quem não parece conseguir fugir ao destino é Ulisses Morais. Vem, desde a primeira jornada – quando, recorde-se, à entrada do último quarto de hora ganhava por 3-0 à Académica – utilizando sistematicamente o discurso de desculpabilização e de exaltação da sua competência e das suas qualidades, próprio de quem, ao contrário da mensagem que quer fazer passar, não acredita no seu trabalho. Próprio de quem sabe o que lhe está para acontecer, que não é nada de diferente do que lhe acontece todos os anos…
Hoje voltou a fazer isso … e muito mais. Dizendo que não falava de arbitragem não fez outra coisa que falar de arbitragem, insinuando não se sabe o quê, dizendo sem dizer, escondendo-se num discurso atabalhoado sempre a meter os pés pelas mãos.
Já devia ter percebido que não é assim que se foge do destino. E o seu está há muito traçado, provavelmente pela incompetência do seu discurso e das suas atitudes públicas…
Quando o país mostrava ao país que é possível enfrentar a fatalidade e mudar o destino, quando provavelmente alguns dos que durante a tarde tinham cantado a Portuguesa por essa rua fora, a cantavam dentro de um pavilhão, em Paredes, onde se discutia o título europeu de hóquei em patins, alguma coisa de sobrenatural se encarrega de nos trazer de volta ao nosso fado.
Ontem, Portugal não repetiu o que se repete há catorze anos. Ontem, não viu a Espanha tornar-se mais uma vez campeã da Europa – a sétima consecutiva. Ontem Portugal perdeu o campeonato da Europa. Ontem Portugal não perdeu o campeonato para a Espanha: perdeu-o para o destino!
Perdeu mais que mais um campeonato da Europa de hóquei em patins, que até há vinte anos atrás dominava de forma esmagadora. Perdeu alma e foi esmagado pela fatalidade traiçoeira!
A selecção nacional tinha e teve sempre todas as vantagens. Chegara ao jogo final e decisivo com o rival de sempre em vantagem no coeficiente de golos, situação que tornava um empate suficiente para recuperar, catorze anos depois – então também em Portugal, e também nesta região capital do móvel (Paços de Ferreira) -, um título por que todos esperavam.
Durante o jogo esteve sempre em vantagem. Ao intervalo ganhava por 2-1. No início da segunda parte os espanhóis empataram mas, logo de imediato, na saída de bola, a selecção nacional voltou para a frente do marcador, onde se manteve por largos minutos.
Os espanhóis atingiram a décima falta quando o registo da equipa nacional se ficava ainda pela sexta. Ao desperdiçar o respectivo livre directo, desperdiçou essa vantagem, deixando-os a quatro faltas e ficando a cinco de nova oportunidade. Estas coisas fazem o destino, e os espanhóis empataram: nada de grave, o empate serve-nos…
A equipa espanhola atinge a décima quinta falta ainda antes de a nossa chegar à décima: vantagem reforçada! Voltamos a falhar o livre directo, como havíamos falhado o primeiro e como havíamos entretanto já falhado outro, noutra situação de jogo. Logo a seguir a equipa atinge a décima falta: os espanhóis não desperdiçam e, pela primeira vez, passam para a frente do marcador. Faltam pouco mais de dois minutos, o pavilhão gelou, as gargantas, secas, calaram-se. As caras dos jogadores são rostos de quem acaba de se encontrar com o diabo, ou mesmo algo ainda mais aterrador …
O medo é capaz do impossível, e o impossível aconteceu com um penalti - de novo na bola de saída – convertido no 4-4 da nossa felicidade. Faltavam ainda cerca de dois minutos – uma eternidade em hóquei – mas já ninguém nos roubaria a festa que tão bem enfeitava este sábado de mudança…
A equipa ia segurando a bola, escondendo-a dos espanhóis, que a perseguiam (à bola e aos jogadores portugueses) que nem loucos. E o tempo a passar… Dez… nove… oito… sete – contava-se e cantava-se no pavilhão – seis… Portugal tem a bola junto à baliza espanhola. Perde-a… O destino, outra vez!
Acompanhe-nos
Pesquisar
Subscrever por e-mail
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.