Aconteceu na noite de quarta-feira passada, numa rua de Paris. Mas acontece todos os dias, em ruas de todas as grandes cidades. A diferença é que o que aconteceu na passada quarta-feira, numa rua de Paris, acabou nas páginas dos principais jornais do mundo desenvolvido.
René Robert, de 84 anos, caiu no chão, uma das mais movimentadas de Paris, no bairro dos cafés, ao lado da Place de la Republique. Seriam 21 horas, Durante toda a noite lagas dezenas, porventura largas centenas, de pessoas terão desviado o passo e os olhos daquela pessoa caída no chão. Ficou ali nove horas, e acabou por morrer de hipotermia.
Era um conhecido e prestigiado fotógrafo. E tinha amigos que são pessoas conhecidas. E dos jornais - a diferença que fez a diferença, mesmo que já não fizesse diferença nenhuma. E que pouca diferença virá certamente a fazer na indiferença a que nos entregamos.
Saiu nos jornais. e indignamo-nos. Mas não sair mais nos jornais, vamos deixar de ter de nos indignarmos. É mais uma maçada a que nos vamos poupar...
A notícia que nos chegou no início da semana, de um casal americano que mantinha os seus 13 filhos em cativeiro, dentro de casa, é um dos mais atrozes exemplos da desumanidade dos nossos dias.
Na Califórnia, não muito longe da capital do glamour e do mundo cor-de-rosa – Los Angeles, mesmo que agora com algumas assombrações e vestidos pretos, continua feita de cor-de-rosa sobre passadeiras vermelhas – uma menina de 17 anos conseguiu saltar por uma janela e fugir da casa que, em vez de lar, lhe servia de prisão. A ela e aos seus 12 irmãos, sete adultos – cinco raparigas e dois rapazes – e outras cinco crianças, a mais nova com 2 anos. Subnutridas, que vegetavam acorrentadas num ambiente pérfido sem sol, nem luz, nem sequer ar…
Não há maior exemplo de desumanidade que estes pais, capazes de manter nestas condições inumanas os seus próprios filhos. Que condição humana, que sentimentos, ou que dignidade podem ter este homem e esta mulher que, ao longo de uma vida, geraram e colocaram no mundo seres humanos para lhe negarem essa condição?
Não é porém menos significativa a “desumanidade social” revelada nesta trágica notícia. Que humanismo pode haver numa comunidade que não se apercebe de uma realidade destas?
De que forma nos socializamos? Que relações de vizinhança criamos quando, por mais nauseabundo que seja, nem “cheiramos” o que se passa ao nosso lado?
Quando parece que mais comunicamos, menos nos relacionamos. Quanto mais fácil é comunicar, parece que mais difícil é estabelecer relações. E a fragilização dos laços sociais é um sério obstáculo à construção da dignidade humana!
* A minha crónica de hoje na Cister FM
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