DÉFICE INTERESSANTE E CURIOSO
Por Eduardo Louro
O primeiro-ministro anunciou hoje que o défice deste ano ficará aquém dos 4,5% do PIB, muito abaixo dos 5,9% previstos e contratualizados com a troika. Colossal! Melhor só a Alemanha e a Finlândia!
Quer isto dizer que estamos todos de parabéns? Que os enormes sacrifícios a que estamos sujeitos estão a valer a pena e a produzir resultados? Que mudamos a agulha, e que já não se anunciam défices sucessivamente superiores aos previstos e, mesmo assim, corrigidos em alta dois e três anos depois?
Não! Não quer dizer exactamente isto!
Mas também não deixa de ter o seu quê de surpreendente!
É certo que a proeza se deve à transferência do fundo de pensões da banca, aquele bom negócio de que aqui se falava há uma ou duas semanas. Sem essa operação o défice ficaria nos insustentáveis 8%. É certo que isto é batota, porque é trocar receita para este ano por despesa para os próximos. Mas também por receita dos próximos vinte anos porque, neste bom negócio, a banca ganhou exactamente vinte anos de créditos fiscais!
Mas este é o nosso fado, o nosso património orçamental da humanidade. Todos os governos nas últimas décadas têm feito batota, fosse pela desorçamentação que arruinou as empresas públicas e inventou as PPP, pela transferência de outros fundos de pensões (CTT, PT, etc.) - igualmente bons negócios – ou pela venda de património para, a seguir, se tomar de arrendamento, a que a insuspeita Manuela Ferreira Leite, o moralista Bagão Félix ou o excomungado Teixeira dos Santos sucessivamente deitaram a mão.
Não é pois no recurso a esta batota que poderemos encontrar alguma surpresa. Surpresa será se a coisa se repetir nos próximos anos, porque já não se vê a que deitar mão: os anéis já se foram todos.
O que é verdadeiramente surpreendente é encontrar agora o tal desvio colossal que animou o final do Verão passado, que fez as delícias da discussão política e que deixou Vítor Gaspar ainda mais famoso, particularmente com aquela explicação que separava as palavras desvio e colossal. E que deu origem a uma réplica humorística num programa de TV que não resisto a trazer aqui. Mais ou menos isto: Da frase “ a Sónia Araújo, que é uma boa apresentadora, falava com um agricultor que lhe explicava como semeava o milho”, não se pode extrair que “a Sónia Araújo é boa como o milho”!
Pois é, o desvio colossal, três meses depois, deu à costa! Chegou de forma simples: 5,9 - 4,5! Desde sempre se soube que, para atingir o défice dos 5,9% previsto para este ano era necessário recorrer a este expediente. De tal forma que tinha sido a própria troika a autorizá-lo! E havia mesmo muito boa gente a achar que nem assim se lá chegaria.
Ora, o trapalhão desvio colossal foi o argumento para lançar o pacote de Verão (imposto sobre o subsídio de natal, agravamento do IVA da electricidade, etc.), indispensável para cumprir o défice imposto pela troika…
Pode ser que o ministro das finanças venha agora explicar que a frase que passou naquele conselho de ministros era, afinal, mais ou menos esta: contamos com um pequeno desvio da vossa atenção para deixarem passar uma aldrabice colossal!