Não. Lisboa não esteve dividida entre "Justiça para Odair" e Polícias sem medo". Isso é uma invenção do Diário de Notícias, porventura intencional.
Nem Lisboa esteve dividida, nem a dimensão das manifestações é susceptível de evocar divisão.
Numa, estiveram cerca de dez mil pessoas, em protesto contra a violência policial e as condições de vida de uma larga franja de portugueses teimosamente marginalizados. Noutra, duzentas pessoas, entre os 50 de deputados, e as dezenas de assessores e avençados do partido de André Ventura, com o fim - único - de o promover e de o defender dos crimes que diariamente pratica.
"Primeiro levaram os negros Mas não me importei com isso Eu não era negro
Em seguida levaram alguns operários Mas não me importei com isso Eu também não era operário
Depois prenderam os miseráveis Mas não me importei com isso Porque eu não sou miserável
Depois agarraram uns desempregados Mas como tenho meu emprego Também não me importei
Agora estão me levando Mas já é tarde. Como eu não me importei com ninguém Ninguém se importa comigo."
Bertolt Brecht (1898-1956)
Tudo o que está a acontecer na Global Notícias - ou lá como lhe chamam agora -, nos centenários Diário de Notícias e Jornal de Notícias, no mais novo e "arregimentado" O Jogo, e na TSF, que há perto de 40 anos revolucionou a rádio para dela se tornar referência, cabe, inteirinho, neste poema de Brecht.
É mais ou menos do domínio público que nos resultados do referendo que ditaram o Brexit foi grande a influência das fake news. É conhecido que Donald Trump foi eleito através de uma campanha toda ela assente em fake news. E que na campanha que está a levar Bolsonaro à presidência do Brasil, as fake news terão provavelmente atingido dimensão e consequências nunca antes alcançadas. É de tal forma que o candidato não precisa de apresentar uma única ideia sobre um único tema, que na verdade não tem, e recusa-se a participar em qualquer debate, na assunção óbvia que o que quer diga só atrapalha o "bom trabalho" da campanha negra levada a cabo nas redes socais.
Chegaram até notícias, através de uma reportagem de uma reputada jornalista da Folha de S. Paulo - Patrícia Campos Mello - que um grupo de empressários teria investido mais umas dezenas de milhões de reais para um novo e deciso ataque de fake news para esta última semana, antes das eleições do próximo domingo. Chegaram também notícias de queixa ao Supremo Tribunal, que poderia afastar Bolsonaro da votação de domingo, porquanto a compra desses serviços configura uma doação não declarada para a campanha, o que é de todo ilegal no Brasil.
Por cá, há muito que chocamos com fake news por todo o lado. Especialmente, claro está, naquele que é o seu habitat natural, nos esgotos das redes sociais, que nem ratos, onde é surpreendente a forma como se multiplicam através de milhares de partilhas e comentários. Muitas vezes acabamos surpreendidos ao encontrarmos nessas partilhas e nesses comentários gente que nunca julgaríamos possível ver entrar naquele barco. Mas, é a vida...
O Diário de Notícias foi investigar donde vêm as fake news nacionais, e publicou ontem um trabalho notável. Ficamos por exemplo a saber que vêm do Canadá, e que, muitas vezes, uma mesma notícia serve para vários destinos, alterando-lhe apenas os nomes e as fotografias.
Esta, a de ontem, é a capa da última edição do Diário de Notícias em papel enquanto jornal diário, como foi durante 154 anos. Desde 1864!
Novos "sinais dos tempos" disfarçados de sinal do tempo. O velho DN vai passar a ser um novo diário digital que regressa ao papel ao domingo. Uma espécie de híbrido. Um diário/semanário no digital/papel de que ninguém espera grande coisa. Nem editorial nem economicamente. Custa até ver o notável Ferreira Fernandes, agora director, querer parecer entusiasmado com a ideia ...
Depois dos anéis, vão-se agora os dedos. É só isso, nada mais que agonia...
Hoje, as portas do número 266 (e 266 A) da Avenida da Liberdade estão fechadas. Sem grande alarido, sem sombra de contestação - apenas aqui e ali alguma consternação - o Diário de Notícias deixou a casa que sempre foi sua, no topo da mais bonita e famosa avenida da capital.
Quis quem pode que fosse tempo do mais histórico dos jornais portugueses deixar o belo e emblemático edifício, prémio Valmor, contruído em 1940 - pela primeira vez, em toda a Península Ibérica, foi construído um edifício propositadadamente para sede de um jornal - para o entregar à especulação imobiliária.
Já há dezena e meia de anos, no início do século, tinham querido. Só que, então, não puderam. Então, os cidadãos deste país, com os jornalistas do DN à frente, não lho permitiram...
Hoje tudo é diferente. Os jornalistas do DN são diferentes e, depois dos sucessivos despedimentos colectivos, são acima de tudo muito menos. Podem menos, mas também querem menos. Como todos nós, afinal...
Já aqui (no último parágrafo) tinha abordado o tema - como exemplo de falta de vergonha - da doença da mulher do primeiro-ministro, que saltou da privacidade para a publicidade. Em toda a plenitude da palavra, no duplo sentido de tornar público e de forma de propaganda.
Hoje o Pedro Tadeu, no Diário de Notícias, encara-o de frente. O título que dá à crónica pode ser violento, mas diz tudo: "O cancro da mulher de Passos é propaganda?"
Choca. Mas não é isto chocante? Não é chocante que tudo se traia, e nada se respeite, em troca de um punhado de votos?
Enquanto grande parte de nós anda entretida com o mundial do Brasil, hoje ainda mais, com a entrada em campo da selecção nacional; enquanto o PS arranjou maneira de andar entretido – e de entreter muita gente – da Primavera até ao Outono, há um país que sofre. Há portugueses que desistem porque é a crise que resiste. Porque essa não desiste… Não se cansa de desmentir um governo que, mesmo em choque diário com a realidade, vive dias tranquilos a caminho das férias. Em paz, mesmo que numa muito estranha paz…
Paradigmático, as capas das jóias da coroa da Global Notícias. São mais 150 mil famílias lançadas ao desepero, na mesma capa, no mesmo contraste com a mesma fotografia... Que, se calhar, quer dizer que bem pode mandar mais 160 jornalistas para a rua...
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