O Tribunal Constitucional validou o poder vitalício
Por Eduardo Louro
O Tribunal Constitucional decidiu a favor das candidaturas autárquicas dinossáuricas, anuindo à eternização no poder e à profissionalização de muitos autarcas, e mantendo via aberta ao caciquismo.
Não se trata de qualquer decisão de constitucionalidade – o que deve deixar Passos Coelho muito aliviado, porque assim poderá continuar a acusar os juízes de falta de senso na apreciação das normas da Constituição, contra a qual nada tem – mas apenas de uma interpretação de uma lei que o poder legislativo não quis nem deixar clara nem clarificar. Apenas por exclusão de partes percebo que esta tarefa pudesse caber ao Tribunal Constitucional. Perante a demissão do poder político e a impossibilidade prática – e comprovada – de decisão una e homogénea dos tribunais, com cada um a decidir de sua maneira, admito que apenas subsistisse o recurso ao Constitucional.
O que estava em causa era interpretar uma lei, que não é exactamente competência que lhe reconheçamos. A interpretação da lei – que não a sua conformidade constitucional – é tarefa de advogados, procuradores e juízes.
Uma singularidade, portanto!
Não sou jurista, mas tenho formada a convicção que, para a interpretação de uma lei, é decisivo conhecer o que presidiu à sua concepção. O que estava no espírito do legislador!
Olhando para o Diário da República constata-se que não há qualquer preâmbulo que permita levantar qualquer véu sobre o que seria esse espírito. A lei 46/2005 tem apenas dois artigos: o primeiro, que justamente diz aquilo sobre o qual ninguém se entende, e o segundo, que estabelece a data de entrada em vigor. Nada mais!
Restam pois as convicções pessoais de cada um. E a minha é a de que esta lei visa a limitação temporal, pura e simples, do exercício do cargo, onde quer que seja exercido (o de e o da serviu para brincadeira, nada mais). Se não fosse assim, se não tivesse sido essa a intenção, o legislador teria acrescentado no número 1 do artigo 1º a simples expressão “na mesma autarquia”.
O que nunca poderá ser argumento – no caso de quem tem opinião contrária à minha – é o da limitação da democracia. A ideia que a lei não pode sobrepor-se à vontade dos eleitores não tem qualquer tipo de sustentação, como facilmente se conclui da que limita a dois os mandatos presidenciais.
A limitação de mandatos é um imperativo democrático – a eternização no poder, o poder vitalício, é próprio da autocracia; da democracia é própria a alternância e a rotatividade do poder – e pena é que a lei que já vigora para a presidência da república não seja estendida ao governo, aos deputados, aos órgãos de poder regional e, claro, ao poder autárquico. Porque a perpetuação no poder transforma as pessoas, cria-lhes vícios, subverte regras e princípios e corrompe. Mas também porque, se queremos defender a democracia, é urgente a renovação da classe política. A substituição dos velhos – caciques ou não – por novos não acontece enquanto os velhos puderem saltar de um concelho para outro!