Ficamos esta semana a saber que o processo-crime instruído no Brasil contra Duarte Lima, acusado do homicídio de Rosalina Ribeiro, companheira do falecido e conhecido empresário Tomé Feteira, aqui da nossa região, foi remetido para Portugal, com pedido de julgamento. A decisão de o enviar para julgamento cabe agora à ministra da Justiça.
Duarte Lima, que foi um dos mais influentes dirigentes políticos do cavaquismo, não dispõe neste momento de grandes argumentos abonatórios. Foi já acusado e julgado por se ter apropriado ilicitamente de cinco milhões de euros que pertenciam à senhora. E está actualmente, e depois de ter esgotado todos os recursos, a cumprir pena de prisão por burla e branqueamento de capitais, num processo que envolve tudo do que de pior pode ter a vigarice e a influência política. E que passa, como não poderia deixar de ser, pelo BPN e pela especulação imobiliária.
Não tem por isso muito que abone em defesa da sua integridade ética e moral. E o capital de respeito e de solidariedade, e até a admiração que granjeou no seu processo de luta contra um cancro, foi completamente desbaratado.
Mas admitir que tenha sido capaz de ir ao Brasil para matar uma mulher a tiro e deixar o corpo abandonado na beira da estrada, parece coisa de mais. Poderá até haver quem ache que Duarte Lima é capaz disso e de muito mais. Mas num país onde há tanto jagunço, onde por tudo e por nada se encontra gente capaz de matar sem fazer perguntas, onde matar é fácil e é barato, porquê fazê-lo Duarte Lima pelas próprias mãos?
Beneficiando de informação previlegiada decide comprar os terrenos onde irão ser construídas as instalações do IPO. Ali para Oeiras, que tem bons ares... E como essa de ir ao Totta é do passado, foi ao BPN dos amigos e criou o homeland. A coisa deu para o torto, o IPO ainda continua em Palhavã e os terrenos deixaram de valer um chavo...
Não há problema... O BPN era para isto mesmo, que se lixe a pátria (homeland). Não havia ninguém para matar... E Duarte Lima foi hoje condenado a dez anos de prisão e a devolver uma pequena parte do dinheiro. Agora há que passar aos outros... Faltam tantos!
O governo escolheu o dia de ontem para montar uma grande feira eleitoral. Como aqui foi ontem dito, começou pela propaganda do défice para este ano, passou pelo lançamento das expectativas sobre a reunião do conselho de ministros, e do foguetório que se lhe seguiu, e acabou naquela conversa de família (os mais velhos sabem o que é isto) – ou de amigos, como aqui também lhe chamei – do primeiro-ministro, à noite.
Ouvi ontem à noite alguém – a insuspeita Helena Garrido – dizer que de Passos Coelho está com estratégia de marketing mais sofisticada. Que já não é a de bacalhau a pataco, mas de leve dois e pague um…
É verdade. E não é menos enganadora, é apenas mais eficaz!
“Acaba de sair numa carrinha celular. Não, afinal não era naquela. É nesta agora.
Passamos já para a casa de Duarte Lima, onde a carrinha celular vai chegar dentro de poucos minutos, com o ex-deputado lá dentro”!
Do lado de lá, uma grande dúvida: a dúvida do dia! Será que entra pela porta da frente ou pela da garagem, nas traseiras?
Nenhum problema, a dúvida não ficará por esclarecer. Quer de um lado quer do outro não faltam câmaras, microfones e máquinas fotográficas… Entre por onde entrar, não irão faltar meios para captar o grande momento: o momento em que, seis meses depois, Duarte Lima regressa a casa. Uma casa agora devidamente preparada para instalar os mecanismos de segurança da pulseira electrónica!
As câmaras apontam para toda a rua, até ao fundo, à procura de uma carrinha celular. Que não surge, deixando por minutos o país em suspenso.
Finalmente aparece lá ao fundo. Mistério desvendado, segue para a garagem. Onde uma porta de serviço se abrirá para dar entrada à vedeta do dia…
Dezenas de repórteres acotovelam-se de microfone estendido. Os operadores de câmara procuram os melhores ângulos. Todas as televisões estão em directo… Abre-se a porta da carrinha, o homem sai e as perguntas soltam-se… Interessantes, como se esperava. Diz “muito obrigado”, e quando acaba a frase já está do outro lado da porta. Que se fecha, deixando todo aquele exército de profissionais no vazio da notícia. Resta-lhes desmontar a tenda!
Acredito que o processo no Brasil, pelo assassínio da senhora Rosalina, tenha feito acelerar o processo BPN em Portugal que levou à detenção de Duarte Lima e do filho, Pedro Lima. Já agora, gostaria de acreditar que este processo permitisse acelerar tantos outros, fios do mesmo novelo.
A começar pelo BPN – já que está à mão – de que se não ouve falar há muito tempo. É que, se tempos houve em que ouvíamos dizer que o coitado do Oliveira e Costa iria pagar as favas sozinho, agora, que já saiu da prisão, já nada se ouve. O outro lá saiu do Conselho de Estado, mas só isso…
E pelo BPP. Mas também que alguém se lembre que o Isaltino continua a brincar aos recursos, já depois do Tribunal Constitucional vir dizer que já não há nada por onde recorrer. E que deixem de haver escutas invalidadas, buscas ilegais e tantas outras irregularidades formais destinadas a que nada disto dê em nada…
É que o país não está exactamente para isso… As coisas não estão muito a jeito de tudo isso continuar a dar em nada!
O país exige, mais do que nunca, ética, vergonha na cara e respeito! Puxe-se o novelo, até ao fim!
O caso Duarte Lima, a que regresso sem de novo entrar propriamente nele, trouxe ao de cima a inexistência de acordo de extradição entre Portugal e o Brasil. Não é o primeiro caso de figuras públicas protegidas por essa lacuna, ainda há não muito tivemos a Fátima Felgueiras a tirar proveito dessa situação.
O Brasil tem acordos de extradição com uma imensidão de países – a começar já aqui em Espanha – mas não tem com Portugal. Ao ponto de ter já apanhado por aí – creio que vinda do bastonário da Ordem dos Advogados – uma ideia curiosa. A ideia é esta e foi expressa mais ou menos assim: Duarte Lima, para não ser preso, sujeita-se a ficar preso em Portugal.
Pois é. O Brasil tem acordos de extradição com toda a gente menos com o país irmão. E vice-versa! É estranho! Em vez de cooperarem entre si para a sã aplicação da justiça aos seus cidadãos, parece que os dois países irmãos se preocuparam mais em servir de recíproco covil de malfeitores. Uma solidariedade com o crime pouco explicável! Entre irmãos espera-se mais!
Esta é uma solidariedade nada fraternal, mais própria de outros laços familiares… De outras famílias. E dos seus padrinhos!
A presunção de inocência é um instituto das sociedades civilizadas plasmado nos conceitos de Direito e de Justiça: todas as pessoas são inocentes até prova em contrário. Apenas os tribunais, depois transitado em julgado, podem selar o rótulo de condenado!
Visa-se, assim, preservar o bom nome – direito sagrado das pessoas.
Assim é e assim deve ser, nenhuma dúvida a esse respeito!
Sabemos, porém, que raramente assim é e todos os dias vemos esse direito atropelado. Irremediavelmente, quase sempre!
Da suspeita à condenação pública, ao assassinato do bom nome, é um passo de criança. É sempre assim, e é tanto mais assim quanto mais pública for a figura do suspeito. A presunção da inocência é, no entanto, logo invocada sempre que o assunto chega aos telejornais e são ouvidos, a propósito, os diferentes especialistas da justiça. Dizer que é invocado porque o suspeito é figura de proa é redundante, porque apenas esses casos chegam ao espaço mediático com direito a consultas de opinião especializada.
Vem isto a propósito da acusação de homicídio a Duarte Lima pela Justiça Brasileira, que está a ocupar as manchetes de jornais e telejornais. Depois de dadas as mais diversas explicações sobre os contornos processuais em causa, sobre o que a Justiça Portuguesa pode ou não pode fazer ou sobre a impossibilidade de extradição, lá vem o alerta final da presunção de inocência. Que, como sempre, para a opinião pública já não serve de nada.
Duarte Lima tem, evidentemente, esse direito. Mas a verdade é que não está a fazer nada para que lhe seja reconhecido. E devia!
O lugar de destaque que ocupa (ou ocupou) na sociedade obrigá-lo-ia – mais ainda pelo papel que assumiu na sequência da grave doença que o afectou há uns anos do que propriamente pelas funções políticas que assumiu - e que lhe garantiram também esse estranho direito a uma dessas subvenções vitalícias, de que não abdicou - a defender esse seu direito à presunção da própria inocência. Assim, desaparecido em parte incerta ou escondido num buraco qualquer, é que não! Por si, por nós todos e pelo fundamental princípio da presunção da inocência!
Acompanhe-nos
Pesquisar
Subscrever por e-mail
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.