Continuam a somar-se arguidos e a revelarem-se novos actos de corrupção na esfera da EDP, já ela própria também constituída arguida, como não poderia deixar de ser.
Alguns verdadeiramente surpreendentes, e perfeita contra-mão com aquilo a que estamos habituados. O mais extraordinário é o que envolve o Secretário de Estado da Energia do governo de Passos Coelho, Artur Trindade - acusado, e constituído arguido, por corrupção a troco de um emprego para o pai.
Não. Ele não se deixou corromper por uns milhares de euros todos os meses na conta. Por um apartamento em Nova Iorque. Ou por uma vaga numa universidade americana. Aceitou engrossar a fila dos que não queriam que nada faltasse à EDP por um simples emprego para o pai. Lá mesmo, na EDP.
Ora, isto não é só bonito, e comovente. É o mundo ao contrário, mesmo que sempre a girar no mesmo sentido. O que dávamos por conhecido, e amplamente comprovado e documentado, era políticos a arranjar empregos para os filhos. Isso é que estava no guião. Filhos, políticos, a ajudarem a arrumar um emprego para os pais, nunca tínhamos visto.
Por isso ... nem devia valer. Isso nem devia contar para a corrupção. Ou, se tiver que contar, então façam lá como nos bancos, e dividam a corrupção entre boa e má. E pronto, esta ficava na boa...
Acolhendo e dando forma à proposta do Ministério Público o juiz Carlos Alexandre suspendeu António Mexia e Manso Neto das suas funções no topo da gestão da EDP e da EDP Renováveis, para além de lhes impôr uma série de proibições e restrições e uma caução de um milhão de euros a cada um.
A decisão do juiz mais discutido do país teve como consequência imediata um rombo de 700 milhões de euros nas duas empresas. Só a EDP mãe perdeu de imediato em bolsa perto de 500 milhões de euros!
E muito provavelmente com a sua carreira profissional de mais uma das estrelas da gestão portuguesa. Ou, dito de outra maneira, da última das estrelas da galáxia de Ricardo Salgado. António Mexia parecia ter-lhe sobrevivido, mas não passou de uma ilusão provocada por um raio de luz. O raio da luz onde pagamos tudo.
Esperemos que Carlos Alexandre se esteja a guiar por padrões de rigor e competência, e não por meros instintos mais ou menos primários, como tantas vezes a se vê. E que o Ministério Público tenha feito bem o trabalho que tinha a fazer, para que nada venha a cair que nem um baralho de cartas, como já se teme que esteja para acontecer com o processo Sócrates.
Ser forte com os fortes é ser sólido na acusação. Sem factos probatórios sobram apenas fogachos que acabam por destruir o que ainda vai sobrando da credibilidade da Justiça. Esperemos que não seja assim...
As notícias de hoje não são apenas sobre Bruno de Carvalho e o Sporting. Passam-se mais coisas e há mais notícias.
Sabe-se que Miguel Relvas foi contratado por uma empresa americana, de Silicon Valley.
A empresa - Dorae, assim se chama - start up que trabalha com inteligência artificial e outras tecnologias de ponta na exploração de minas e matérias primas, e quer e precisa de entrar em África e no Brasil. E para isso, lembrou-se de quem?
De Relvas, evidentemente. E não fez a coisa por menos: recrutou-o e nomeou-o responsável máximo para as áreas de política pública e sustentabilidade.
Há um ou dois dias atrás os jornais divulgaram amplamente uma nota do governo dando conta da recusa do braço direito de António Costa, o ministro Pedro Siza Vieira, em intervir em decisões que dissessem respeito à OPA dos chineses à EDP, que aqui trouxemos recentemente. Porque - como bem sabemos, ética é ética - a sociedade de advogados que ele integrava antes de chegar ao governo, e para onde regressará quando de lá sair, é exactamente a representante daqueles accionistas.
Noticia hoje o Público que a OPA dos chineses foi facilitada pela legislação criada em Junho passado, há menos de um ano, no âmbito do Programa Capitalizar, impulsionado pelo ministro ... Siza Vieira!
Passos Coelho entregou boa parte da EDP - a maior empresa nacional que por si só "vale" o mais determinante sector da economia nacional - ao Estado chinês, há meia dúzia de anos, numa inaceitável decisão de alienação de soberania económica em favor de uma grande potência mundial, não europeia e, valha lá isso o que nos dias de hoje valer, de um Estado totalitário.
Compreende-se que o Estado tivesse que vender a sua participação na EDP, mais ainda naquela altura. E percebe-se que, tendo de o fazer, não fosse possível mantê-la em mãos nacionais. Era necessário dinheiro para as finanças públicas, o défice e a dívida pública a isso obrigavam. E não havia no país esse dinheiro porque, capitalistas, por um lado, e poupanças, por outro, as duas faces da moeda do dinheiro, nunca foram o nosso forte, antes pelo contrário. Fomos sempre mais dados a fazer figura com crédito...
E se eram os chineses quem mais dava...
A inaceitável decisão de Passos Coelho teria, apesar de tudo, estas atenuantes.
Agora, passados estes 6 ou 7 anos, a empresa estatal chinesa que ficou com a fatia que então Passos Coelho lhe vendeu, e que lhe vale um pouco mais de 23% do capital daquela a que continuamos a gostar de chamar a energética nacional, quer mais. Quer tudo. Mesmo que querer tudo, nestas coisas, nunca seja querer tudo, basta o mais confortável controlo possível. E para aí chegar lançou uma Oferta Pública de Aquisição das acções que lhe faltam, a OPA.
A China Three Gorges - assim se chama a empresa chinesa - desta vez não vai comprar acções ao Estado português, que já não tem nenhuma. Nem para amostra. O Estado português tem apenas alguns instrumentos de regulação e, como se sabe, a faculdade de garantir - como tão bem tem feito e parece querer continuar a fazer - as famosas rendas, tão bem desenhadas por Mexia e Pinho, e melhor defendidas por Catroga. Indispensáveis para os resultados que hão-de pagar os dividendos, que já dobraram o investimento, e para os famosos vencimentos a António Mexia & Companhia. E no entanto, sem nada para vender, sem nada de nada para o défice ou para a dívida pública, António Costa apressou-se a dar as boas vindas à OPA, que recebeu de braços abertos e sorriso nos lábios!
Apressou-se - é a expressão. E a gente não percebe a pressa. E se não se percebe a pressa, muito menos se percebe sequer o interesse em abrir um processo que, independentemente do duvidoso sucesso da OPA, tem como ínequívoco e inevitável destino uma desmedida concentração de capital na mais fundamental das empresas nacionais. A caixa que foi aberta não será mais fechada...
Quando numa matéria destas António Costa ainda consegue ir muito para além de Passos, percebe-se melhor tudo o que se está a passar.
Sempre se falou da porta giratória entre os governos do país e o Grupo Espírito Santo (GES). Uns atrás dos outros saíam do GES para o governo para, depois, fazerem o trajecto inverso. Toda a gente sabia disto, toda a gente falava disto mas, enquanto durou o GES e Ricardo Salgado continuva "dono disto tudo", era como se nada se passasse.
Manuel Pinho era um - entre uma multidão - desses. Chegou ao governo de Sócrates vindo, claro, do GES. Saiu - com aquela cena dos corninhos no Parlamento - e logo voltou. Foi para uma universidade americana, a expensas da EDP. E descobre-se-lhe um apartamento de luxo em Nova Iorque. Foi mais tarde investigado por isso. E pelo que isso poderia ter a ver com as rendas excessivas da EDP, depois entregue por Passos e Portas aos chineses. Nessa investigação percebe-se agora que Ricardo Salgado pagava a Manuel Pinho, directamente para uma conta offshore, 15 mil euros por mês, mesmo enquanto estava no governo. Ao todo mais de 1 milhão de euros...
Hoje podia escrever sobre o tema do dia, em todas as primeiras páginas dos jornais, para dizer o óbvio: que a Ministra da Justiça caiu na esparrela e, partindo do entendimento generalizado no Ministério Público - donde ela vem - que o mandato do PGR é "longo e único", criou um problema ao governo e a António Costa, que teve de a desautorizar. Ou para dizer algo maquiavélico - de que a direita não desdenha - e mais rebuscado que, pelo contrário, António Costa mandou a Ministra da Justiça lançar o barro à parede, a ver no que dava. E ao ver no que deu correu logo a corrigir o tiro. Porque, no fundo, esta PGR não fez muito mais que incomodar o PS. Ou até para dizer que Joana Marques Vidal, a "Procuradora que enfrentou os poderosos", deixou passar em branco o caso Tecnoforma, depois de Bruxelas ter dito com todas as letras que tinha havido fraude; e nunca revelou qualquer preocupação em encontrar por cá, no "processo dos submarinos", a outra face da corrupção condenada na Alemanha.
Mas não escrevo. Vou escrever sobre outra coisa extraordinária que também aconteceu no debate quinzenal, quando António Costa acusou a EDP de se comportar de forma diferente com esta maioria, para não dizer com este governo. Não se sabe se haverá outras razões, ou se o primeiro-ministro retirava esta conclusão exclusivamente pelo facto de a empresa do Estado chinês, dirigida por António Mexia, com pagens espalhados pelos baronatos dos três partidos do arco da governação (com o PS a ser agora reforçado, com Luís Amado a tomar o lugar de Catroga) ter anunciado que iria deixar de pagar a taxa de contribuição extraordinária do sector energético. Tem que se admitir que haja outras razões, quer porque há muito que também a GALP deixou de a pagar, quer pelo próprio tom de vitimização que António Costa colocou na declaração. E essas serão certamente injustas, como ainda há pouco se viu quando, à última hora da aprovação do Orçamento de Estado, António Costa voltou atrás no corte nas rendas excessivas, traindo o acordo com os seus parceiros do Bloco...
Esperemos agora que o assunto siga o seu curso normal para os Tribunais. A não ser que se repita o que aconteceu com a Brisa com os 125 milhões de euros, que disse que não pagava e ... pronto. Não se passou nada...
A aprovação do Orçamento do Estado para o próximo ano, no início desta semana, ficou marcada pela acusação ao governo de deslealdade e de quebra de palavra, por parte de um dos partidos que lhe garante suporte parlamentar.
Qualquer acordo, seja ele qual for, pressupõe compromisso. E o compromisso, lealdade aos seus princípios e honra à palavra dada. Quebra de lealdade e falta ao cumprimento da palavra são razões de sobra para romper com qualquer acordo. O que assegura a actual solução governativa não é excepção!
O governo, e o partido que o integra, tinham acordado com o Bloco de Esquerda a criação de uma contribuição extraordinária para os produtores de energias renováveis – leia-se EDP – que correspondia a uma parte da renda que recebem do Estado e permitiria poupar aos consumidores qualquer coisa como 40 euros por ano na factura de electricidade. Na votação na especialidade, no final da última semana, essa medida tinha sido aprovada. Antes da votação final do Orçamento, logo na segunda-feira, o partido do governo volta a submetê-la a votação e vota contra. Foi isto!
E isto é o sinal que o governo tinha para dar nesta altura, em que as coisas nem lhe estão a correr particularmente bem. Um sinal que, quanto a interesses instalados, estamos conversados: este governo comporta-se como todos os outros. Nada muda!
Quem tiver dificuldade em perceber como é que o político A ou B, que não sabe coisa nenhuma do negócio x ou y, é contratado e milionariamente pago para a administração da empresa C ou D, percebe que é por isto. Que é porque os accionistas não estão nada preocupados com o que eles percebam do negócio – para isso têm lá outra gente. E às vezes nem é preciso que tenham… Querem é ter lá gente que, na eventualidade de alguma coisa má passar pela cabeça de algum governante, corra a convencê-lo que… não pode ser!
Por sinal, um grande sinal do governo. Um sinal de uma enorme falta de vergonha. Tanta que nem sequer reagiu à acusação de aldrabão. Nem uma palavra sobre a falta de palavra, como se não tivéssemos todos ouvido, com todas as letras, que “o governo não honrou a palavra dada”. Mas também tanta que não se importa nada de deixar claro que, tendo que decidir – não, não é entre os interesses dos poderosos e dos mais frágeis, isso foi chão que já deu uvas! – mas tendo tão somente que decidir entre os interesses instalados do regime e a sua própria solução governativa, a solução de governo que tem para o país, decide-se pelos interesses instalados.
Claro que agora não vão faltar primeiras páginas dos jornais a dizer que dezenas de investidores, cheios de milhares de milhões de euros, loucos para os investir por cá, já inverteram a marcha e voltaram para trás. Nem especialistas, nos jornais e nas televisões, a dizer-nos que tinha de ser assim, que isto é que é sensato. Que se a medida tivesse ido para a frente iria levantar uma onda de litigância de que só haveria que esperar o pior. O diabo, certamente…Curiosamente – ou talvez não – não há ninguém que venha dizer que o Ministério Público está há meses a investigar esses contratos, e que, por exemplo, António Mexia, presidente da EDP, e Manso Neto, o da EDP Renováveis, são suspeitos de corrupção e estão constituídos arguidos.
Pois… eles existem para isto mesmo. E sabem fazer bem o seu papel!
É também por isto que não posso terminar sem uma homenagem a Belmiro de Azevedo, que sempre denunciou este estado de coisas. E que mostrou que é possível ser o maior empresário do país sem prostituir o poder, ignorando-o. Desprezando-o mesmo. E que é possível enriquecer sendo sério e honesto!
O segundo aniversário do governo ficará certamente como um marco n a legislatura, mas também, mais que na geringonça, no futuro da solução governativa que representa. E não é pela controversa comemoração, em Aveiro.
É provável que aprovação do terceiro orçamento deste governo, que poderia querer dizer que a geringonça continua a funcionar e imune ao próprio desgaste de que o governo vem dando sinais, tenha trazido a resposta quanto ao futuro do entendimento da esquerda. E a resposta é - tudo o indica - que a actual solução dificilmente se repetirá.
A sustentar esta opinião está justamente o rompimento do PS com o compromisso assumido com o Bloco a propósito das rendas na energia. Não tanto pela facada, pela falta à palavra, como salientou com todas as letras a deputada Mariana Mortágua, porque não é raro que essas coisas se perdoem. Uma facadinha aqui, um amuo ali, fazem parte das relações.
Não é bonito, mas não é o problema. O problema é que António Costa e o PS fizeram, nesta matéria, o mesmo que Passos Coelho e o PSD e o CDS tinham feito à troika, quando fizeram ouvidos de mercador à recomendação de rever as rendas excessivas da EDP.
Na altura, Passos Coelho preferiu cortar salários e pensões e optar pelo aumento colossal de impostos a afrontar a EDP, em circunstâncias que levaram até à demissão do Secretário de Estado da tutela. Agora, António Costa prefere pôr em causa as condições da governação do país a tocar nos previlégios da EDP.
Antes, Passos, como agora, Costa, do mesmo lado. Antes, como agora, primeiros ministros de governos legítimos da República. Numa semana em que António Costa voltou a proclamar a sua total incompatibilidade com Passos, manifestando a esperança que possa ter com a próxima liderança do PSD a possibilidade de diálogo que nunca existiu com a actual, é legítimo perguntar: que interesses são os da EDP, que empresa é esta que, ao que se vê, consegue unir o que não há interesse nacional que una?
O problema é que, num regime capturado pelos interesses, António Costa mostrou de que lado está. Do lado em que invariavelmente têm todos estado. E isto tem que dar em rotura - não rompendo com o passado, rompe-se inapelavelmente com o futuro!
A EDP lançou uma OPA para adquirir a totalidade do capital da EDP Renováveis e retirá-la de Bolsa. Oferece 6,8 euros por acção e, evidentemente, as pessoas terão que vender.
Terão que vender à EDP, por 6,8 euros, as acções que lhe compraram há 9 anos por oito. É assim que todos fazem: quando precisam de capital, abrem-no em Bolsa ao preço que querem; quando já não precisam retiram-no de Bolsa. E devolvem aquilo que querem!
Entretanto os chineses levam os dividendos que nos confortavam o défice. E o Mexia põe toda a gente a fazer contas ao que ganha por minuto. É assim. É a vida, como dizia o outro...
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