Agora não é apenas POTUS. Para já é também juiz e júri de todos os seus processos judiciais. E administrador de todas as suas falências. Logo se verá o que mais irá ser. Com o Senado e a Câmara dos Representantes também no bolso, será certamente muitas mais coisas.
É assim, à americana: "primeiro estranha-se, depois entranha-se". Primeiro, a simples candidatura de uma personagem como Trump, parecia anedótico. Depois, a possibilidade de ganhar uma eleição, não passava de ficção. Depois ganhou. E perdeu, sem qualquer hipótese de se voltar a candidatar. Mas voltou. Entranhou-se e voltou a ganhar.
Os americanos vão hoje votar. Muitos, cerca de 80 milhões, já o fizeram antecipadamente. Muitos deles por medo, por medo do que possa hoje vir a acontecer. Vidros à prova de bala, e mesas de aço, nos locais de voto não previnem, apenas. Também assustam.
Está tudo empatado, dizem as sondagens. Não há certezas sobre nada. Esta é a regra, que não tem uma, mas duas excepções. A primeira é a certeza que Trump declarará a vitória logo que as urnas fechem. A segunda é que, contados os voltos, sabe-se lá quando, se kamala Harris ganhar Trump reclamará fraude, e nunca reconhecerá a derrota.
E muito provavelmente apresentar-se-á em Janeiro no Capitólio com os seus cruzados para tomar posse.
Na sua primeira campanha eleitoral, que o haveria de levar à Casa Branca, Trump afirmou que "poderia parar na Quinta Avenida, disparar contra as pessoas e não perderia eleitores".
Com essa afirmação Trump queria dizer que, dissessem dele o que dissessem, acusassem-no do que quer que fosse, a sua base eleitoral era-lhe tão fiel que nada a demoveria. Entendemo-la no domínio do fanatismo: os seus apoiantes são tão fanáticos, tão desligados da realidade e da verdade, que não há racionalidade que resista.
Oito anos depois, com quatro de presidência, e quatro de oposição, pelo meio com a negação da derrota eleitoral que lhe impediu a reeleição, e a (consequente) insurreição com invasão do Capitólio, é inegável que não há racionalidade que resista nas eleições americanas. Acusem-no do que o acusarem, os seus apoiantes continuarão fanáticos a seu lado. Acresce-lhe, agora, o aparelho da Justiça, que montou enquanto no poder, a protegê-lo do que quer que seja acusado.
Diz a História que os maiores empresário americanos financiam as campanhas mas não se expõem nelas. A prudência, e mesmo os mínimos da racionalidade, e da decência aconselham uma certa reserva e descrição nos pleitos eleitorais.
O facto de o maior empresário americano, e o mais rico do mundo, irromper nesta disputa eleitoral a oferecer cheques milionários em favor do voto em Trump é o cúmulo da irracionalidade, mas também da indecência. Quando surge a sortear cheques de um milhão de dólares - à razão de um por semana, em cada um dos sete estados em que o voto oscila entre republicanos e democratas (os chamados "swings states") - Elon Musk está a dizer que pode fazer o que quiser, que está acima de tudo e de todos.
Que se permite estar acima da lei (o Código Eleitoral dos EUA refere que qualquer pessoa que "pague ou se ofereça para pagar ou aceite um pagamento para se registar para votar ou para votar pode ser punida com uma multa de 10.000 dólares, ou com uma pena de prisão de cinco anos"), mas também do mercado e dos valores da sociedade, em particular do da reputação.
A dúvida é se esta condição lhe advém do seu próprio poder se da impunidade de Trump.
No dia em que Kamala Harris - no encerramento da convenção democrata, em Chicago - fez um discurso de aceitação verdadeiramente histórico, ficamos a saber que o Secretário-Geral do do PSD, líder da bancada parlamentar, e braço direito de Luís Montenegro, tem muitas dúvidas em escolher entre Donald Trump e Kamala Harris.
Pecou por tardia, e isso rouba-lhe a dignidade e a coragem do acto. Pecou ainda - Biden - no apagamento a que o seu mandato condenou a vice-presidente Kamala Harris. Declarou-lhe agora, precisamente no anúncio da desistência, o apoio à sua candidatura. Muitas outras figuras do Partido Democrata o seguiram. Ela própria confirmou a sua candidatura logo de imediato e - não podia ser de outra forma - que era para ganhar.
Por enquanto é a candidata oficiosa. Sabendo-se que está longe de ser uma figura consensual dentro do partido, até à convenção de nomeação, dentro de um mês (Chicago, de 19 a 22 de Agosto) muita coisa irá ainda acontecer. Alguma terá já começado a acontecer!
Foi preciso o debate desta noite (madrugada em Portugal) para soarem os sinos no Partido Democrata americano. Só quando "viram as barbas a arder" perceberam o risco de ceder à insensata teimosia do Presidente Biden em levar para a frente uma recandidatura para que já não tem condições. Não sei se não é já tarde de mais, afinal estamos a apenas três meses das eleições na América.
Depois da fragilidade demonstrada por Biden, aproveitada até ao limite por Trump para acentuar a mentira e o populismo, aos democratas restam duas alternativas: conformarem-se com a entrega do poder a Trump, com tudo o que isso representa neste momento histórico; ou encontrarem rapidamente (a convenção de nomeação realiza-se Chicago, de 19 a 22 de Agosto) um candidato com capacidade e energia para se lhe opor.
Só agora, com os 302 votos dos delegados do Colégio Eleitoral - a que faltam ainda os quatro do Havai, ainda por depositar mas igualmente a favor da candidatura democrata - está verdadeiramente confirmada a eleição de Byden como 46º Presidente dos Estados Unidos da América.
Nas contas finais Biden ficou com 306 votos, Trump com 232, e tudo ficou finalmente arrumado. Chegou a temer-se que não fosse assim. As movimentações de rua dos activistas de Trump dos últimos dias, insistindo na sucessivamente derrotada tese das eleições fraudulentas, poderiam fazer supor tentativas desesperadas de impedir a normalização democrática, e a paz.
Pode agora dizer-se que Trump foi derrotado. O trumpismo, é que não. Continua aí. Por todo o lado e por muito tempo...
Três semanas depois, Donald Trump percebeu que tinha perdido as eleições, e que era necessário iniciar os protocolos de transição de poder. Não reconheceu que perdeu as eleições, condescendeu apenas. Porque continua a garantir que continua na luta contra os resultados, e que acredita que a vai ganhar.
"No melhor interesse do nosso país, recomendei a Emily e à sua equipa para fazerem o que tem de ser feito em relação aos protocolos inicias [de transição de administrações], e disse à minha equipa para fazer o mesmo" - escreveu no twitter.
A Emily é Emily Murphy, responsável da Administração dos Serviços Gerais dos EUA. Que só depois daquela publicação deu nota que Biden é o "aparente vencedor" das eleições presidenciais, e que por isso 'abriu caminho' para o processo de transição de poder.
Daqui dá para perceber como é curta a distância que separa as apregoadas instituições americanas da Casa Branca. E de como personagens como Trump as conseguem rapidamente resumir à simples forma de verbo de encher.
Finalmente. Agora sim, é definitivo. Se é que alguma coisa é hoje definitiva nos Estados Unidos da América. Com o encerramento das contagens da Pensilvânia, é certo que Joe Biden venceu as eleições.
Festeja-se na América - com sa ruas cheias de ... jovens - e festeja-se um pouco por todo o mundo. E Biden vai receber agora - "agora" é uma força de expressão, o que aí vem, pelo que se pode adivinhar, vai durar - uma América dividida. E perigosa.
Ainda assim, menos perigosa do que seria, se não tivesse virado a página negra que narra estes últimos quatro anos da sua História.
Trump acabou. "Trump nunca mais". O mesmo não se pode, infelizmente, dizer do "trumpismo".
Apenas fumo negro, bem negro, de um troglodita que uma vez foi feito presidente da mais influente país do mundo. O sistema que Trump, irresponsavelmente e sem apresentar uma única prova, ou sequer indício, acusa de fraudulento, corrupto e ladrão é o sistema institucional de que ele deveria ser o garante e responsável máximo. É o mesmo que o fez Presidente, com menos votos que a adversária, e com dezenas de delegados conquistados por escassas diferenças de votos. E o mesmo que ainda agora está a eleger mais senadores republicanos que democratas.
Mesmo que aqueles 15 ou 20 minutos de ontem da conferência de imprensa de Trump, na Casa Branca - que usa como sede de campanha, como usa o AIr Force One como se fosse o seu avião particular - de conteúdo vazio e repetitivo, como sempre, tenham sido o discurso de derrota de Trump.
Preocupante e perigoso, evidentemente. Mas não se esperava outra coisa.
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