Não direi que o que se passou ontem na Assembleia da República foi uma vergonha porque ela já está esgotada.
As miseráveis artimanhas e o bluff arrogante de um Primeiro-Ministro, de todo um governo, de toda uma bancada parlamentar, e de todo um partido, usados para misturar a discussão de uma moção de confiança proposta pelo Governo, com a discussão de uma comissão parlamentar de inquérito, decidida por um partido da oposição, com único objectivo de passar a culpa pela queda do governo, e pela antecipação de eleições, passam a constituir o mais baixo grau da nossa democracia.
Luís Montenegro e Hugo Soares, em directo do plenário da Assembleia da República, com todo o país a assistir, primeiro propuseram uma negociata à porta fechada com o PS para evitar a comissão de inquérito e a votação moção de confiança, no trade off enunciado há dias pelo ministro Castro Almeida. Depois, recusada essa indecorosa negociata, em última hora disponibilizaram-se para responder a todas as dúvidas dos deputados, quando andam há semanas a fugir às repostas e a dizer que não há mais nada para esclarecer. Finalmente acabariam a propor uma comissão de inquérito, mas nos termos e nos prazos [primeiro quinze dias (?), depois sessenta, nem mais um dia] que o primeiro-ministro entendesse.
Tudo isto apenas, e só, para se apresentar a novas eleições sem prestar as contas a que está obrigado, e por elas responsabilizar o adversário político.
Montenegro não quer a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) porque sabe que elas são como as cerejas. Que umas atrás de outras, deslindarão o seu velho modo de vida de "facilitador".
É por isso que o país vai para eleições. Não é por outra quaquer razão!
Enquanto, depois de bombardear Beirute, Netanyahu manda invadir o Líbano, e chama o Irão para a guerra; e Putin reforça o orçamento e o recrutamento para a guerra para fazer capitular a Ucrânica, por cá brinca-se ao braço de ferro num jogo de palavras à volta do orçamento.
Evidentemente que o Orçamento reflecte opções políticas, e que essas variam em função de muita coisa. Às vezes - e nem tem sido raro - até só de estar no governo ou na oposição. E que serve para muita coisa, até para forçar eleições.
Foi assim há três anos, em Outubro de 2021, quando António Costa forçou o chumbo do Orçamento para 2022, para ir procurar a maioria absoluta - que lhe fugira em dois anos antes - que lhe permitisse descartar-se da antes utilitária geringonça. E volta a ser assim agora, para o dois em um de Montenegro.
De uma só assentada Montenegro - em campanha eleitoral desde que empossado primeiro-ministro - empurra o PS para mais longe e o Chega mais para baixo. Os dois movimentos bem podem até abrir espaço para a maioria absoluta. Se não der, mas ficar lá perto é, ainda assim, muito melhor do que o que há.
Tal como há três anos ninguém se importou muito com a falácia justificativa de Costa para rejeitar qualquer negociação, também desta vez ninguém se importará nada com a de Montenegro. Que também não é melhor engendrada: as virtudes da "sua" redução de IRC ainda estão por provar; e "o IRS Jovem" tem tudo para ser inconstitucional e, portanto, impossível de levar à prática.
Fica-se a saber que Montenegro vai forçar o chumbo do Orçamento por duas medidas inócuas: uma que ainda em lado nenhum provou funcionar; e outra que nunca poderá entrar em funcionamento. Mas isso pouco conta. O que vai contar é que Montenegro virá dizer que quem lhe chumbou o orçamento é que atirou o país outra vez para eleições. E o eleitorado, tal como em Janeiro de 2022, nem vai pestanejar para punir os "culpados".
Valha-lhe isso, a Marcelo!
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