Sonhos
Os sócios do Benfica deram hoje expressão à grandeza do clube, com uma grande afluência às urnas para a eleição do seu Presidente, que bateu todos os recordes de participação eleitoral.
A primeira vitória do Benfica é essa participação, que inequivocamente reforça a legitimidade do presidente eleito. Os votos já estarão contados, e Rui Costa será eleito presidente do Sport Lisboa e Benfica com uma esmagadora vantagem (mais de 85% dos votos, tanto quanto já se anuncia) sobre Francisco Benitez, o seu único adversário.
Noutras circunstâncias este seria um momento de sonho dos benfiquistas. Ter na Presidência um ídolo, um jogador de futebol da expressão que Rui Costa atingiu, é a aspiração máxima de qualquer massa associativa. Pode haver grandes figuras, de grande prestígio pessoal, e de méritos indiscutivelmente reconhecidos, mas ... um jogador do clube, um daqueles que aplaudimos no estádio, que nos fez vibrar e que nos deu alegrias inesquecíveis, é outra coisa. Ninguém se lhe chega.
É raro. É muito raro um ídolo do clube ter condições para aí chegar. Tão raro que não há exemplos disso pelo mundo fora, com uma única excepção - o Bayern. E mesmo assim num quadro que não é exactamente o do Benfica, desde logo porque a Alemanha não é Portugal. Em Portugal, ao contrário da Alemanha e eventualmente mais dois ou três países, não é fácil encontrar jogadores de futebol de inquestionável ligação ao clube com perfil (e não é inocente a escolha do termo) para lhes serem reconhecidas condições para o exercício do mais alto cargo de um grande clube.
Rui Costa, se não for caso único, não anda lá muito longe. Poder-se-á falar de outro, lá para a invicta. Que até poderá vir a chegar lá, mas se tudo for escrutinado, ver-se-á que é bem diferente. Rui Costa teve tudo. Chegou criança ao clube, e lá fez o seu percurso. Não o fez todo, saiu e passou os melhores anos da sua brilhante carreira desportiva com outras camisolas. Conhecem-se as razões, e sabe-se como elas terão sido independentes da sua vontade. Mas foi sempre um benfiquista, como sabemos que o são muitos outros que partiram. E que também querem, ou quiseram volta. E fez depois um percurso para, chegado o momento, estar preparado.
O problema está aí, nesse percurso. Que, de natural, de passo certo, acabou manchado. Por mero azar, por falta de prudência ou de experiência, ou por falta de coragem. E é isso que faz com que a sua expressiva vitória de hoje não seja o climax. E que a expressiva maioria que conquistou não seja a unanimidade.
Luís Filipe Vieira, que tinha todo o direito de se apresentar a votar no acto eleitoral de hoje, e de se expressar, na televisão do clube ou onde quer que fosse, decidiu avivar a mancha de Rui Costa.
Quero crer que o Presidente Rui Costa tem consciência dessa mancha e que vai tratar de a limpar. E que vai honrar o Benfica. E, se não for pedir muito, peço-lhe que corte com o passado e devolva a transparência e a dignidade perdidas. E que nos traga vitórias, com o cavalheirismo e a elegância do Benfica dos anos 60, 70 e 80, um Benfica imaculado e ambicioso. E tão grande como a sua grandeza!.