Lula venceu as eleições, e é, de novo, 12 anos depois, Presidente do Brasil. Com mais 2 milhões de votos que Bolsonaro, mas apenas 1% de vantagem.
Respira-se de alívio. Mas também se pode conter a respiração, de medo. O país está dividido ao meio e carregado de ódio. E de armas. As instituições estão minadas. O sistema político é complexo e anacrónico, e o judicial pouco menos que isso. Não se sabe como Bolsonaro reagirá à derrota. Nem, mesmo que aceite como veredicto democrático, o que fará do país daqui até Janeiro, quando entregar o poder.
Com menos de 51% dos votos, minoritário na câmara dos deputados e no senado, e com a teia de compromissos contraditórios, muitos deles não menos anacrónicos, que teve de construir para garantir a eleição, Lula da Silva tem pela frente uma espécie de missão impossível.
Para esta missão impossível tem a seu favor o apoio internacional, e o das figuras mais marcantes da sociedade brasileira. E a esperança que tenha aprendido com o passado...
Nada ficou decidido nas híper polarizadas eleições para a presidência do Brasil. Lula a venceu a primeira volta, com mais 5 milhões de votos, e 5 pontos percentuais que Bolsonaro, mas bem longe dos resultados que as sondagens apontavam, e ainda a dois pontos percentuais do resultado necessário para garantir a eleição na segunda volta, no próximo dia 30 de Outubro. Para o que os 5% de votos de Simone Tebet serão certamente decisivos, e eventualmente garantidos à custa de um relevante lugar no governo.
Bolsonaro perdeu, mas não saiu derrotado. E poderá até ter saído reforçado desta primeira volta. Porque acabou por superar a votação da primeira volta de há 4 anos, mas acima de tudo porque "ganhou às sondagens". E com grande vantagem, chegando aos 43% dos votos, quase 10 pontos percentuais acima do que lhe apontavam. E porque o bolsonarismo está decididamente instalado no Brasil, tendo até reforçado posições no Congresso e no Senado.
Se este reforço será apenas utilizado para uma recandidatura às próximas eleições, daqui a quatro anos, ou já agora nesta segunda volta, em expectáveis manobras sujas de manipulação é, mais que o resultado final, no fim do mês, a dúvida que sai dos resultados de ontem. Outra será se Bolsonaro limitará a imitação a Trump à contestação aos resultados, ou se a alargará a qualquer coisa correspondente à invasão do Capitólio. Que, no Brasil, tem tudo para atingir dimensões ainda mais graves!
Esta bem poderia ser a semana dos horrores. Começou com o diabo disfarçado de eleições no Brasil, e continuou com os horrores de tudo o que se disse e escreveu a esse propósito, ainda antes de começarem os horrores propriamente ditos. Que aí virão, certamente.
Passou pela esperada aprovação do Orçamento de Estado, para uns, cheio de horrores a que chamam eleitoralismo. Mas sem o diabo, essa figura central do horror tão anunciada para esta legislatura, definitivamente afastada. Se não apareceu nesta semana de diabos e diabretes, é porque já não vai aparecer.
E acabou – está a acabar – com o Halloween, essa orgia de horror que os Celtas criaram na sua passagem de ano, acreditando que a fronteira entre um ano e o seguinte, com o frio do Outono, fazia tremer a própria fronteira entre mortos e vivos, e que a diáspora irlandesa levou para a América, para aí transformar num festival de entretenimento exportado para todo o mundo com grande sucesso comercial, como aconteceu com praticamente tudo. Nada que o Papa Gregório IV conseguisse abalar com a introdução do Dia de Todos os Santos que hoje só quase leva a romagens aos cemitérios, também elas revestidas de boa carga comercial.
Em tempo de fake news, esta semana comemorou a primeira de que há registo, marcada, como não poderia deixar de ser, pelo terror, numa brincadeira sem consequências. Há oitenta anos, comemorados agora, Orson Wells interrompeu a emissão radiofónica da CBS para noticiar que os marcianos estavam a invadir New Jersey, lançando milhões de pessoas no pânico.
Dos marcianos temo-nos livrado. Das fake news, já com consequências, e terríveis, não. Invadiram-nos por todos os lados, espalhando terror à conta do mais tenebroso invasor da Humanidade que se dá pelo nome de ignorância. Essa sim, medonha!
Pode até parecer que é perseguição. Ou falta de assunto. Não é. Apenas as circunstâncias da eleição de Bolsonaro revelam cada vez mais sintomas de aberração política.
Ontem, numa participação de culto evangélico da igreja a que pertence (Assembleia de Deus Vitória em Cristo), na zona norte do Rio de Janeiro, seguida por todos os jornais brasileiros, entre outras frases de circunstância Bolsonaro disse: “Não sou o mais capacitado, mas Deus capacita os escolhidos”.
Em circunstâncias que daríamos por normais, em muitos outros países, esta seria uma frase politicamente mortal. Até porque a falta de qualificação para o cargo, agravada pela falta de um programa político e pela recusa na participação em debates é, pelo menos, tão relevante quanto o enquadramento político-ideológico daquilo que fez e disse em campanha.
No Brasil, neste contexto, não é. É simplesmente mais uma frase pensada, e dirigida aos que o elegeram, em que Bolsonaro se coloca como um deles. Não serei o mais qualificado, mas Deus protege-me e não me vai faltar com ajuda. E isto é mortal, mas, por aberração, justamente o antónimo do mortal do parágrafo anterior.
O anúncio público - ontem, também - do convite ao juiz Moro para integrar o governo, à luz das mesmas circunstâncias que daríamos por normais em países de maturidade democrática, é um óbvio e evidente atentado aos valores democráticos, em especial do Estado de Direito, e ao princípio da separação de poderes. Nas circunstâncias da eleição de Bolsonaro, é trazer para o governo gente séria, com provas dadas na perseguição à corrupção.
Confesso-me estarrecido com as coisas que tenho visto escritas sobre a decisão eleitoral dos brasileiros. Não me refiro à Margarida Martins, essa deixou-me chocado. Duplamente chocado - com o soneto e com a emenda!
Nem aos que se tinham declarado apoiantes convictos de Bolsonaro, seja porque defendem o fascismo, seja porque ainda não perceberam muito bem o que andam por cá a fazer. Refiro-me àqueles que, até domingo, juravam que acima de tudo estava a necessidade e a obrigação de defender a democracia. Que, se votassem, fariam como Álvaro Cunhal fez, e aconselhou fazer, em 1986. Que entre um fascista, e um democrata nas antípodas do seu pensamento, sempre o democrata. E que se riam dos brasileiros que diziam que apeariam Bolsonaro se ele viesse a fazer o que dizia que faria.
Mas que, de repente, logo no domingo, passaram a achar que nada poderia ter sido de outra maneira. Que quem está cá deste lado do Atlântico não percebe nada do que passa do lado de lá. Que ódio é ódio, e o que o Lula e o PT fizeram não merece outra coisa. Que o povo é sábio, e nunca se engana. Que o fascismo de Bolsonaro é uma ficção da esquerda. Que a palavra liberdade foi a mais repetida no discurso de vitória. Enfim, que o "cara" não é nada do que pintam.
Pois. Eu até estava quase a ficar convencido. O diabo é que, de repente, começaram a desfilar pelas passadeiras da minha mente as declarações de voto daquela gente no parlamento que ditou o impeachement da Dilma. Depois aquela "oração" daquele militante evangélico de mãos dadas com o presidente eleito, de mãos dadas com a sua jovem esposa.
E quando sacudia a cabeça para afastar para longe estes pensamentos caem-me os olhos no apelo da jovem deputada Ana Caroline Campagnolo, eleita pelo PSL (percebem por que o outro teve que escolher Aliança?) de Bolsonaro. Que abriu um canal de denúncias e exorta os jovens a filmar os professores inconformados com o resultado eleitoral, e a remeter-lhe esses vídeos...
Os brasileiros elegeram Jair Bolsonaro presidente do Brasil, com 55% dos votos, contra os 45 de Fernando Haddad. A diferença reduziu-se, mas não houve "virada". A primeira coisa que ouvimos do novo presidente brasileiro foi uma oração evangélica, bem puxada. A primeira coisa que me ocorreu é que, se Deus é brasileiro ... "valha-lhes Deus"!
Bolsonaro está à porta do Palácio do Planalto, mas poderá não ser uma formalidade o que falta para que se lhe abra, daqui a três semanas. Chegou até a parecer que teria entrada directa, que tudo ficaria ontem resolvido, logo na primeira volta. Não ficou, e os 46% de votos que atingiu não são, hoje, mais que um copo meio cheio. E a direita portuguesa do "mas", que aqui trouxe há dias, voltou a fazer-se ouvir. Mais hipocritamente, agora que os resultados são conhecidos.
Que Bolsonaro é um fascista - gostam mais de dizer extrema-direita radical - mas... Que a quase eleição à primeira volta de um candidato de extrema-direita radical mostra que o povo brasileiro está disposto a trocar a liberdade pela segurança. Mas ... ou porque, a verdade é que a insegurança no Brasil atingiu o extremo, e os brasileiros acreditam que só Bolsonaro pode resolver isso.
Sobre os gigantescos interesses da indústria da segurança no Brasil é que nem uma palavra. Sobre o lóbi da segurança, dos carros blindados às armas, é que nada. E sobre de que lado está Bolsonaro nesta "guerra" da segurança, menos ainda... E, da tal troca a liberdade pela segurança, não vem qualquer mas para as redes sociais, e a sua manipulação organizada. Nem para as seitas religiosas. Nem para o bispo Edir Macedo e para a IURD...
As elites da direita portuguesa politicamente correcta assumem-se sempre muito democráticas. Demarcam-se de Trump, de Orban ou de Matteo Salvini ... mas ... sempre com um "mas".
Eles são nacionalistas.. ...mas a economia cresce. Eles são xenófobos ... mas o desemprego desce. Eles são racistas ... mas também não se pode abrir as portas a toda a gente. Ou, normalmente por fim, na última das últimas alegações, eles até poderão nem ser flores que se cheirem ... mas foram eleitos democraticamente.
Sabemos que é assim, vemos coisas destas todos os dias. Mas... o mais refinado dos "mas" surgiu agora com Bolsonaro.
Como lhes fica difícil (permitam-me este apropriado toque brasileiro) defender a criatura, atacam-lhe o ataque. Então transformam as gigantescas manifestações deste fim-de-semana do "ele não" num erro estratégico, nem que, para isso, tenham de recorrer a raciocínios "non sense" e a comparações espatafúrdias.
Não há volta a dar. O "mas" está-lhes na massa do sangue!
Afinal Marina - com 21% dos votos - ficou de fora, não se cumprindo o anunciado duelo feminino pelo melhor lugar no Planalto.
Dilma chegou aos 41%, número que poderá não esticar o suficiente na segunda volta se, como se especula, Marina der o seu apoio a Aécio Neves, permitindo ao candidato do PSD saltar dos seus actuais e surpreendentes 33% para a vitória, que colocará um ponto final em 12 anos de PTismo.