Poucas horas depois de aparecer aos portugueses numa lancha, que procurava resgatar ao Douro os corpos dos militares vitimados pela queda de um helicóptero, em operação de combate a um incêndio, Luís Montenegro falava de eleitoralismo, na chamada "Universidade de Verão", a segunda reentrée do partido, a seguir ao Pontal. Para dizer que "quem fala em eleitoralismo é quem está a pensar em eleições", quando é ele próprio que não pensa noutra coisa.
Bem pode esperar sentado quem espera por reformas. Ou simplesmente por uma governação séria. Montenegro está muito mais interessado em seguir a velha cartilha de Marcelo que nessas coisas triviais.
A entrada em vigor dos novos passes sociais, uma medida que colhe unanimidade e que só faz roer de inveja quem não a tomou - daí tanta gente a chegar-se à frente para assumir a sua paternidade - , pode até não ter sido uma medida eleitoralista, mas tem muita dificuldade em disfarçar. Do que ninguém tem dúvidas é que resulta. E quase como o eucalipto, secando tudo à volta.
De tal forma que permitiu até a António Costa associar ao passe único um roteiro gastronómico, e dizer que não vai baixar os impostos. O que levou logo Rui Rio a dizer que não os iria subir, elevando a dialéctica eleitoralista à lógica da batata.
Passos Coelho é capaz de tudo. É até capaz de chegar à Madeira e bater todos os recordes de aldrabice de Alberto João Jardim... Capaz de fazer do primeiro Chão da Lagoa sem Jardim, o mais charlatão de todos os Chão da Lagoa.
Podemos dizer que esta gente perdeu o último pingo de vergonha. Podemos dizer que nunca ninguém foi tão longe no descaramento. Podemos indignar-nos com a falta de respeito pela nossa inteligência. Podemos ficarmo-nos pelo simples "é preciso ter lata"...
Mas também podemos achar que isto é apenas um teste ao respeito que temos por nós próprios... Com resultados a conhecer lá para 4 de Outubro!
Uma fotografia de Passos Coelho ao lado da sua mulher, de cabeça descoberta, publicada no Correio da Manhã num dia qualquer da semana passada, provocou grande agitação nas redes sociais. De um lado gente que não se coibia de achar que o primeiro-ministro estava em modo de despudorado aproveitamento da doença da mulher, que já retirara do domínio privado no livro que encomendara e apresentara há umas semanas atrás, com os mesmos fins eleitorais. De outro, gente da máquina laranja que não se cansava de partilhar a fotografia, replicada como um virus, como que a querer dar razão aos primeiros. E por fim, de outro ainda, gente politicamente correcta que se insurgia violentamente contra os primeiros, sem porventura ter reparado nos segundos.
Era gente conhecida, gente de referência de direita e de esquerda, que manifestava a sua repugnância pela fauna das redes sociais, desprovida de valores e sentimentos e capaz das maiores atrocidades. Energúmenos que não medem as alarvidades a que dão corpo, como a de não conseguirem ver na imagem daquela cabeça descoberta uma prova de invulgar coragem da senhora, para verem apenas uma demonstração de canalhice do seu marido e chefe do governo do país.
Confesso que ao ver desfilar tudo isto à minha frente, e como somos sempre tentados a tomar partido em tudo o que seja polémica, me inclinava muito para o lado do politicamente correcto. E achava tão estúpidos os que ousaram pensar que Passos Coelho pretendia tirar partido da doença da mulher quanto a acéfala rapaziada do partido, que só por isso se prestava à triste figura de dar razão aos outros.
Quando vi e ouvi o que foram as declarações de Passos Coelho no final do Conselho Europeu de ontem, um bolo de hipocrisia em que a reivindicação da paternidade da ideia que tudo desbloqueou era a cereja que faltava, veio-me logo à cabeça a polémica das redes sociais. E fiquei com a sensação que, se calhar, me tinha deixado enganar...
Cá para mim, quem faz aquilo... Para garantir votos é capaz de tudo. Até das coisas mais abomináveis!
Depois de mandar embora largos milhares de portugueses, agora o governo chama-os de volta. Não tem nada para lhes oferecer, nem há nada que os possa fazer regressar... Nem esqueceram ainda - e muito menos perdoaram - que este governo lhes tenha dito que não tinham direito a viver na sua terra. Que isso era um conforto que tinham que largar, um luxo de quem vivia acima das suas possibilidades...
E no entanto o governo não hesita em chamá-los. Em dizer-lhes VEM. Desemprega-te, aí onde quer que estejas, e VEM criar o teu posto de trabalho. VEM empreender. VEM investir, que tens aqui "verbas entre os 10 e os 20 mil euros, no máximo," para o teu projecto!
É isto o programa VEM, anunciado hoje com pompa e circunstância. Ou seja: nada. Nada de que ninguém espera nada. Nem o próprio governo: “até 40, 50 projectos”, diz o secretário de Estado Pedro Lomba. Nem o próprio governo? Alto lá!
É que o VEM não é para os que haveriam de vir. É para os que cá estão, para os que não chegaram a sair, e vão votar, lá para Setembro ou Outubro... O entusiasmo de Pedro Lomba - que andava desaparecido desde os famosos briefings em que se embrulhou - não é pelos 40 ou 50 projectos que, exagerado como é, espera como resultado do programa. Só os que dele tenham apenas a imagem desses briefings poderão aceitar que ele não tenha vergonha de apresentar um programa para, no melhor dos melhores, atingir 50 portugueses.
O VEM não tem por objectivo o regresso dos portugueses que partiram. Tem por objectivo o regresso dos votos que fugiram. São papas e bolos com que se enganam os tolos. Mais dos muitos que vão inventando para distribuir!
O orçamento acabado de apresentar é tão mau que os mais próximos do governo, não podendo deixar de dizer mal mas tendo de limitar os danos, tiveram de procurar afincadamente um aspecto positivo a salientar. Depois de muito procurarem, descobriram: eureka, não é eleitoralista!
E então começaram a dizer que, “… bom, não terá outros, mas este orçamento tem pelo menos o mérito de não ser eleitoralista”!
A ideia começou a passar. Também não foi feita para outra coisa, foi exactamente para fazer caminho… Caminho eleitoral, evidentemente!
A verdade é que dificilmente encontraremos um orçamento mais eleitoralista. Este orçamento para 2015 é a prova provada do completo falhanço da governação. Ao fim de quatro anos o governo não tem qualquer resultado para apresentar. Não atingiu qualquer dos objectivos parciais em nenhum dos anos que passaram, foram todos sucessivamente falhados e revistos – nunca nenhum governo apresentou tantos orçamentos rectificativos – e, no fim da uma governação em que mais não fez que martirizar largas faixas da sociedade e dizimar outras, sobrecarregar os portugueses com impostos como nunca ninguém tinha visto e destruir uma grande parte da economia e vender a outra ao estrangeiro, não tem mais nada para oferecer aos portugueses que exactamente o mesmo.
Passos Coelho não poderia nunca apresentar um orçamento com medidas classificáveis de eleitoralistas, como por exemplo baixar os impostos – que Paulo Portas, preocupado com a sua reputação, ia reclamando – porque simplesmente não sabe governar de outra maneira. Tem, antes, absoluta necessidade de os continuar a aumentar!
Por isso não baixa quaisquer impostos – à excepção do IRC, mais do que para confirmar a regra, para supostamente fazer doutrina –, faz aquele número do crédito fiscal com a sobretaxa do IRS, em que, se fosse minimamente sério – que não é – ficaria com uma receita que obrigaria o governo seguinte a devolver. E tira do orçamento aquilo a que chama fiscalidade verde para disfarçar um novo colossal aumento de impostos!
O espírito ecologista do governo, desaparecido durante quatro anos, surge no momento em que lhe descobre a melhor forma de continuar a aumentar impostos em ano eleitoral!
Não é por coerência que Passos Coelho impõe um orçamento destes. Não é porque, ao contrário do que a máquina da propaganda pôs a correr, depois de pedidos tamanhos sacrifícios aos portugueses, fosse difícil explicar que já não eram necessários. Não. Isso explicaria o governo com o maior das facilidades. A única coerência de Passos está no guião que tem para governar, ele não conhece outra maneira de fazer as coisas. Por isso, logo que a troika partiu o governo ficou perdido, como que órfão, desorientado, sem saber o que fazer. Por isso, ao contrário do que teria de ser normal, o governo teve a vida facilitada enquanto a troika cá esteve – era assim que eles lhe mandavam fazer, e o governo fazia – e muito dificultada depois do 1640 de Portas.
O orçamento é este por incapacidade. E pelo eleitoralismo que a quer esconder!
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