Os resultados eleitorais definitivos ficaram ontem conhecidos, com o apuramento dos votos da emigração. Com quatro cadeiras de deputados para atribuir, estava em causa - mesmo que, pelo que toda a gente sabia ser o sentido de voto dos nossos emigrantes, se já conhecesse o desfecho - a decisão do segundo partido em deputados eleitos. Já que, quanto ao segundo partido mais votado, que para nada conta, a vantagem do PS era virtualmente impossível de ser anulada pelo voto emigrante.
No entanto não pareceu nada que o que ontem foi conhecido tivessem sido apenas os resultados definitivos das eleições de 18 de Maio. Quis-se dar a parecer que, ontem, 28 de Maio - até a data é apropriada -, foram conhecidos os resultados de uma outra eleição. De umas eleições que se traduziram numa vitória esmagadora do Chega.
- Como?
- A resposta é simples: como sempre!
André Ventura reservou uma sala num hotel da capital para celebrar um resultado já andava a celebrar há dez dias, e as televisões foram a correr atrás dele, repetindo exactamente o que tinham feito atrás das ambulâncias. E fizeram parar o país com directos, discurso do chefe, comentários e mais comentários, aplausos e mais aplausos, ameaças e mais ameaças, nas entrelinhas e fora das linhas. E propaganda. Muita propaganda!
Assim, como sempre. A partir de agora mais ainda assim do que nunca!
É na Suíça que o Chega atinge a sua maior expressão eleitoral, tendo sido o partido mais votado nos dois actos eleitorais. Nas legislativas, de 10 de Março, e agora, nas europeias.
O Expresso deste fim-de-semana - no contexto das visitas do Presidente da República e do Primeiro-Ministro ao país, e à comunidade portuguesa que lá vive, a propósito das comemorações do 10 de Junho - publica uma reportagem que pretende dar conta das motivações para aquele sentido de voto.
Entre as diversas justificações apresentadas, umas simplesmente muito "tugas", outras de evidente permeabilidade ao discurso populista, há uma que saliento. O entrevistado é apenas apresentado por António, e explica que as pessoas não votaram em André Ventura por todas aceitarem as suas ideias, mas por nele encontrarem "um refúgio" para a sua revolta. "As pessoas estão revoltadas" - rematou!
Não explicou por quê. Nem isso lhe foi perguntado. Mas é a própria autoria da reportagem a avançar que a "perceção de insegurança, as medidas da habitação do Governo anterior e as dificuldades no Serviço Nacional de Saúde" são os principais motivos da revolta.
Não quero concluir que os principais motivos da revolta que leva os emigrantes na Suíça a votarem no Chega tenham sido dados pelos autores da reportagem. Da sua conta e risco. Mas faz alguma espécie que os emigrantes na Suíça, que por lá têm vida organizada - supõe-se que bem - sintam por lá a insegurança, as dificuldades de habitação, ou as do Serviço Nacional de Saúde, em Portugal. Onde não vivem. E faz-me mais ainda que as sintam tão intensamente que lhes provoquem a tamanha revolta que só afogam no voto no Chega.
Mas não posso deixar de concluir que é com reportagens destas, tratadas e divulgadas desta forma, que a imprensa dita de referência vai normalizando e alimentando o Chega.
O Tribunal Constitucional recusou-se a validar a pantominice dos partidos, e mandou repetir a votação no círculo da Europa, em que mais de 157 mil votos acabaram considerados nulos pela mistura dos votos legalmente expressos (bem ou mal, mas é a lei que é, e essa obriga à cópia do cartão de cidadão para validar o voto) com os outros, a que faltava o cartão de cidadão.
Não é. Se, pelo contrário, não for a democracia a não funcionar é, pelo menos, a democracia a funcionar mal.
Depois desta enorme falta de respeito pelos que vivem e trabalham lá fora, para onde na maioria dos casos foram empurrados, quantos emigrantes irão agora votar?
Não sei bem por quê, mas sei que cada vez vejo mais semelhanças entre as mortes de dezenas de emigrantes portugueses nas estradas de França e Espanha e as de centenas de migrantes no Mediterrâneo. Tudo parece tão igual... Estradas tão iguais a mar, carrinhas superlotadas tão iguais a barcos de borracha superlotados... E, por trás, máfias se calhar tão pouco diferentes... E a miséria de que se alimentam. Miséria humana. Miséria que arrasta mais miséria...
Pelo que se vê por esta tragédia que ensombrou a Páscoa de dezenas de famílias portuguesas, por cá acha-se que o mal está nas estradas. As televisões não pouparam em enviados especiais e não nos poupam a reportagens no local. Mas nada vêm para além da estrada. E chamam-lhe da morte. Invariavelmente!
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