Cavaco deixou finalmente a rã descansada e indigitou António Costa que, sem resposta do tempo ao tempo que o tempo tem, se entretivera a fazer um governo. É por isso que já há ministros, e que está agora praticamente garantido que, dois meses depois das eleições, o país terá um governo.
No tempo que Cavaco quis. Porque a data das eleições foi a que Cavaco quis que fosse. E porque, depois, mesmo com todos os cenários bem definidos na cabeça, e mesmo com um recatado 5 de Outubro para reflectir sobre o que tinha claro, em vez de agir o presidente preferiu fazer de conta que agia, consumindo 50 dias na árdua e espinhosa missão de encanar a perna à rã.
Coisa que, como se sabe, permitiu ao governo relâmpago de Passos e Portas acabar algumas coisas que tinha deixado começadas como, por exemplo, assinar o acordo de privatização da TAP. Para, como só alguns sabiam e é agora público, dar aos bancos a garantia do Estado pelo pagamento da dívida da companhia que vendeu. Por 10 milhões de euros!
Exactamente assim: foi preciso que o governo de Passos e Portas se aguentasse o tempo necessário para consumar a venda da TAP, por 10 milhões de euros, a um grupo fantoche (fantoche porque tudo é ao contrário do que parece, a começar numa minoria de capital que detém 95% do poder), assumindo a responsabilidade por 770 milhões de euros de dívida!
Diz-se por aí que, quando, mais logo, António Costa vier a sair do Palácio de Belém, atrás dele, a correr, há-de vir aquele senhor pequenino, de óculos, a gritar-lhe: "Espere aí, espere aí... o Presidente tem mais uma dúvida para esclarecer. Mas ainda tem dúvidas sobre qual é a dúvida... Tenha lá paciência..."
As questões que Cavaco decidiu colocar a António Costa sobre os "documentos" "distintos e assimétricos", não passam de mais um episódio da sua obstinação de encanar a perna à rã.
São o que são, e merecem a resposta que têm. Nenhuma!
E servem apenas para confirmar aquilo que há muito aqui tinha sido dito: não podendo fazer nada para impedir a posse deste governo, Cavaco aposta em, primeiro, fritá-lo em lume (pouco) brando. No seu desígnio de lhe minar o futuro...
Cavaco, pelos vistos divertidíssimo, continua a brincar com coisas sérias, dando sinais de irresponsabilidade pouco apropriados à função que ocupa no topo da hierarquia do Estado.
Não admira, sabe-se que se tem em boa conta. Nós, é que não. Já não conseguimos tê-lo em grande conta. Para encanar a perna á rã já não lhe bastava ir para a Madeira. Nem dizer que ainda lhe falta ouvir muita gente, para "recolher o máximo de informação junto daqueles que conhecem bem a realidade social, económica e financeira" do país. Faltava-lhe ainda comparar as circunstâncias de um governo em gestão, em 1987, entre Abril e Agosto – também não são exactamente cinco meses, como 2009 também não é 2011, mas a isso já nem ligamos – a meio da legislatura e no meio do ano, com o orçamento aprovado e em execução, com as da actualidade: com o país acabadinho de sair de eleições, às portas do fim do ano, sem orçamento e com as cadeiras donde a gente da troika levantou o rabo ainda quentes.
Alguém que lhe diga que já não há paciência…Que já não é um presidente - é uma afronta!
Não foi preciso mais que uma semana para perceber por que, numa altura em que, mais do que nunca, o país precisa de rapidez na decisão e na acção, Cavaco decidiu dedicar-se à infrutífera tarefa de encanar a perna à rã.
Se dúvidas houvesse, o novo (velho) pregador das noites de domingo, encarregou-se de acabar com elas. Marques Mendes acabou de fechar a semana ao jeito dos desígnios de Cavaco, enquanto a rã teima em não põr a perna a jeito. Segue-se ainda mais uma semana, agora com mote dado pela batuta do pequeno maestro.
"O acordo é um queijo suíço", cheio de buracos por todos os lados. Não garante estabilidade nemhuma, e é mesmo uma "provocação ao Presidente da República". E continuam a chamar-lhe coligação, para embrulhar melhor a prenda.
Foi exactamente para isto, para que este tipo de discurso comecasse a ganhar forma, e a engrossar ao ritmo de uma bola de neve, que Cavaco decidiu gastar tempo a ouvir as confederações empresariais do comércio, da agricultura, da indústria, e do turismo, mas também as associações empresariais de tudo e mais umas botas, incluindo a das empresas familiares. E ainda aplicar mais uns dias numa visita às tagarras que há uns anos deixara para trás, e cujas pernas não têm nada a ver com as da rã.
Tem ainda mais uma semana. Esta que vai entrar, já com o discurso devidamente estabilizado e em velocidade cruzeiro para, a 25 de Novembro, como fez questão, anunciar ao país a sua decisão. Uma decisão que, como é já habitual, não terá muito - ou mesmo nada - a ver com o interesse nacional que tanto gosta de apregoar. Apenas com os seus, normalmente mesquinhos. Inviabilizar o governo de António Costa com apoio maioritário na Assembleia da República é o desígnio de Cavaco para este fim de mandato. Um desígnio que parte de uma missão impossível - encanar a perna à rã -, passa por outra de algum grau de dificuldade - não é fácil deixar de dar posse a esse governo - para se concretizar em toda a plenitude na missão de o matar à nasecença. Mais do que empossar ou não o governo de António Costa, o desígnio de Cavaco é minar-lhe o futuro. Para que seja curto e duro!
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